A Procuradoria-Geral do Município (PGM) de Caxias do Sul aguarda a publicação do acórdão da decisão da última quarta-feira (22) para definir quais serão os próximos passos da defesa no Caso Magnabosco. Na última semana, os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitaram, por unanimidade, o terceiro recurso do município, em uma ação rescisória movida pela prefeitura para deixar a condição de ré no processo que envolve a área de 57 mil metros quadrados que a família Magnabosco doou, em 1966, para a construção da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
O terreno acabou não sendo utilizado para a finalidade para a qual foi destinado e, sim, ocupado por centenas de moradores, 10 anos depois, dando início ao bairro Primeiro de Maio, na área central da cidade. O litígio se arrasta há 50 anos. É mais um capítulo de uma história que pode representar o pagamento de uma indenização milionária à família Magnabosco que corresponde a pouco menos da metade do orçamento da prefeitura para o ano todo.
O acórdão, que é a conclusão do resultado do colegiado proferida na sessão da semana passada, não tem prazo para estar disponível, segundo o procurador-geral do município, Adriano Tacca. O recesso no meio do semestre do STJ também deve adiar o andamento desta etapa, conforme o procurador, para a primeira quinzena de agosto. Da mesma forma, ainda não foi aberto prazo para recurso. Assim que o documento estiver à disposição da PGM, os procuradores do município definirão a estratégia, com o auxílio de um escritório de advocacia contratado para auxiliar no processo. É esse trabalho em conjunto que estuda os aspectos jurídicos do processo e define os próximos passos.
Por isso, Tacca prefere não detalhar quais serão os próximos passos, mas sinaliza que o município buscará levar essa ação para análise no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de um recurso extraordinário. No entendimento dele, assim como manifestado pelo prefeito Adiló Didomenico (PSDB) pelas redes sociais, enquanto houver possibilidade de recurso jurídico, o município buscará desconstituir a decisão do colegiado, em 2019, que entendeu que o município é responsável pela indenização à família em razão da ocupação da área que atualmente abriga o bairro Primeiro de Maio.
— O caminho natural é levar até a última instância. Não tem como ser diferente porque, enquanto município, não temos outra alternativa. Eu, como procurador, sou obrigado a recorrer. É um processo que começou em Caxias, teve um recurso em Porto Alegre, está no STJ e que terá um recurso para o STF. Em cima do acórdão, que aguardamos a disponibilização, é que vamos reunir os elementos necessários para pré-questionar no STF — explica.
O valor da indenização, que é outro questionamento do município, não faz parte desse mesmo processo. O eventual pagamento da compensação financeira, que pode chegar a R$ 1 bilhão com a soma da indenização e dos juros acumulados ao longo dos anos, não será executado enquanto os recursos estiverem tramitando. Para se ter uma ideia, em 2022, o orçamento da prefeitura é de R$ 2,6 bilhões.
Caso não tenha mais como reverter e o município tenha que fazer o pagamento, o que Tacca diz não acreditar, os valores se tornam precatórios, onde a regra é que o pagamento seja feito de uma única vez, mas um acordo entre as partes pode permitir que o valor seja quitado de forma parcelada. A execução e a cobrança estão suspensas em razão dos recursos no STJ. O montante exato da dívida deve ser conhecido no término do processo.
— Falar de pagamento é como se estivéssemos antecipando que perdemos. Ainda estamos lutando para reverter a decisão. No futuro, caso não se tenham mais recursos, é que vamos questionar o valor do pagamento — afirma.
O prefeito também falou sobre o assunto.
— Eu não concordo que uma área que deve valer hoje aproximadamente R$ 50 milhões, R$ 60 milhões, que se fale em mais de R$ 1 bilhão, inviabilizando o município seguramente por mais de 10 anos. Enquanto houver algum recurso jurídico, nós vamos lutar contra essa anomalia jurídica desse processo, que não tem condições de ser pago — afirmou.
Entretanto, Tacca não descarta que possam ocorrer bloqueios de valores do município. Em 2018, mais de R$ 65 milhões foram sequestrados da conta da prefeitura para contemplar precatórios do processo em despacho do desembargador Luiz Felipe Silveira Difini. Mais tarde, em decisão do colegiado, a suspensão dos bloqueios foi revertida na época por meio de um mandado de segurança proposto pela prefeitura.
— É uma possibilidade (voltar a ter bloqueio). É uma decisão judicial que, por hora, está suspensa — explica.
O advogado da família Magnabosco, Durval Balen, entende que não há outra alternativa ao município do que tentar um acordo — que é algo que foi discutido nos últimos anos. Na visão dele, os recursos protocolados pelo município no STJ servem apenas para adiar o pagamento da dívida, onde não há robustez para mudar a decisão.
— A prefeitura vai protelando e vai entrando com um recurso atrás do outro. Estamos esperando o diálogo. Prefeito fica quatro, oito anos e vai empurrando para o outro — avalia.
Entenda o caso
:: Nos anos 1960, a família Magnabosco doou um terreno para a construção da futura Universidade de Caxias do Sul (UCS). A área permaneceu desocupada e foi invadida por famílias em maio de 1977.
:: Sem cumprir com o acordo firmado nos anos 1960, a prefeitura foi acionada judicialmente pelos Magnabosco, em um processo que se arrastou até dezembro de 1981, quando a Justiça decidiu que as terras deveriam ser devolvidas à família, o que ocorreu oficialmente no final do ano seguinte.
:: A situação estaria resolvida não fosse a ocupação da área. Ao tomar conhecimento de que sua propriedade estava tomada ilegalmente, a família Magnabosco novamente recorreu à Justiça, em setembro de 1983, reivindicando o imóvel contra os moradores. Enquanto o processo seguia, a prefeitura interferiu na invasão, com obras de infraestrutura.
:: Por conta disso, o município foi acionado pelos defensores dos Magnabosco "na qualidade de litisconsorte passivo", ou seja, como participante da invasão.
:: O processo tramitou em Caxias do Sul, Porto Alegre e chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O município perdeu em todas as instâncias. Em 2019, por quatro votos a três, a prefeitura de Caxias foi condenada a pagar a dívida.
:: Desde então, o município tem recorrido desta decisão, com base nos embargos de declaração, que é um tipo de recurso que serve para esclarecer pontos de uma sentença judicial.
:: A dívida terá que ser paga somente quando os recursos estiverem esgotados.