Motoristas da Serra já sabem que basta começar os longos períodos de chuva característicos do inverno gaúcho para que as condições das estradas da região se deteriorem em questão de dias. Embora a reclamação mais comum tenha relação com buracos, existem outras ameaças nem sempre percebidas pelos condutores. Uma das principais delas são as quedas de barreira, que oferecem risco a quem circula nas estradas e prejudicam a logística na região.
Ao longo de junho, a Serra registrou ao menos oito deslizamentos que resultaram em bloqueios totais ou parciais, resolvidos horas ou dias depois. Nesse período, o acumulado de chuva na região atingiu entre 250 e 300 milímetros, o que supera em até 66% a média histórica para o mês. Os números revelam um dos principais fatores para o escorregamento dos barrancos: água.
Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) na área de estabilização de taludes (nome técnico para as encostas), a engenheira ambiental e mestre em engenharia civil Jaqueline Bonatto explica que altos volumes de chuva reduzem a aderência das rochas ao restante do maciço. Essa situação é agravada por rachaduras nas pedras, característica comum nas encostas às margens da rodovia da região. Elas facilitam a entrada da água, que leva os sedimentos responsáveis por auxiliar na fixação dos blocos e do solo como um todo, que na Serra tem perfil argiloso e rochoso.
— Quando chove muito em um curto período, o solo não consegue absorver e a água preenche os vazios. Com isso, se perde a resistência e o atrito. Elas (rochas) estavam juntas e acabam se separando. A água tem muita força — explica a especialista.
Nem toda a conta, no entanto, vai para São Pedro. O grau de inclinação da encosta é fator importante no comportamento do terreno, somado às outras características climáticas e de solo. Nas rodovias da Serra, construídas com técnicas antigas e que, na maior parte, mantêm as configurações originais (a BR-116 é da década de 1930), a inclinação se aproxima de 90º, índice longe do ideal para a estabilidade do talude.
— Antigamente, se cortava o talude e se deixava assim. Hoje, para uma construção nova, as normas do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) exigem uma inclinação que promova a estabilidade do terreno. Esse índice varia conforme a característica do solo, mas de forma geral não deve passar de 60º — observa Jaqueline.
É possível, então, ao menos saber se uma encosta está prestes a cair? Conforme a engenheira, a análise de estabilidade é possível, mas em alguns casos pode exigir o uso de equipamentos para a sondagem detalhada do terreno.
— Quando há um talude rochoso em não se sabe o que está por trás é mais difícil porque precisa de um ensaio (estudo) — avalia.
Contenções e vegetação podem ajudar
Ainda que fatores naturais contribuam para os deslizamentos, a engenharia conta com técnicas para reduzir as chances das ocorrências. Em alguns casos, a própria natureza pode ser uma aliada, com o plantio ou a manutenção de vegetação na cobertura das encostas. Tanto que em rodovias mais modernas são comuns os barrancos forrados ao menos com grama.
— As raízes das plantas vão servir como uma ancoragem, que ajudam a criar o atrito, e também evitam que a água chegue até os vazios (rachaduras) — afirma Jaqueline.
Solução mais conhecida são as barreiras de contenção, que podem ser de várias formas conforme a característica do terreno. Na Rota do Sol, por exemplo, existem telas metálicas sustentadas por barras introduzidas na rocha. Já na BR-116, entre Galópolis e Vila Cristina, por exemplo, existem contenções de concreto. Na região, porém, ainda há muitos pontos sem reforço.
— Uma obra geotécnica geralmente tem custo elevado, por isso se vê tão pouco na região — aponta a professora.
Outra opção pode ser detonar rochas para modificar o talude, como realizado no km 43 da RS-122, entre Caxias e Farroupilha. O ponto chegou a ficar 42 dias interrompido por queda de barreira em 2019 e, mesmo com a modificação, voltou a ter deslizamento na última semana.
O que dizem os órgãos rodoviários
A reportagem procurou os órgãos responsáveis pelas rodovias da região para conferir se há trabalho de inspeção nas barreiras e se há forma de evitar os deslizamentos. O Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), responsável pelas estradas estaduais, informa por meio de nota que equipes de fiscalização "avaliam periodicamente as rodovias visando a prevenção de quedas de barreira. No caso da Rota do Sol, há uma empresa contratada para fazer visitas periódicas ao trecho e sempre após a ocorrência de chuvas com mais de 40 milímetros por dia.
No Dnit, responsável pela BR-116, o engenheiro da unidade de Vacaria, Daniel Bencke, explica que inspeções visuais são realizadas semanalmente, mas que ainda assim não há como prever quando haverá deslizamentos. É uma situação contrária à do leito da estrada, que dá sinais quando está cedendo. Por conta disso, ele afirma que o problema é tratado no órgão como algo emergencial, com limpeza de pista quando há escorregamento.
— A queda é um fato natural. É lógico que se houver uma pedra pendurada vamos tirar — garante.
Com relação às contenções, ele afirma que o orçamento do órgão é limitado e suficiente apenas para manutenção, enquanto que a construção de barreiras tem custo elevado.
— Seria mais barato fazer toda a estrada em outro lugar — avalia.
A Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) informou, por meio de nota, que existe o Programa de Monitoramento e Estabilização de Encostas e Taludes. Segundo o órgão, o objetivo é direcionar, orientar e especificar os estudos e ações preventivas e corretivas, quando constatados indícios de ocorrência de processos erosivos ou instabilidades geotécnicas em encostas e taludes que venham a comprometer o corpo da estrada e sua área de influência ou causar riscos aos usuários e lindeiros.
A nota informa ainda que o levantamento é realizado por meio de mapeamento em campo, com registro da localização e a identificação do tipo de estrutura existente. Em sequência, é realizada a avaliação visual e o registro fotográfico da estrutura para verificar o estado de conservação da contenção.
Também é averiguada, de forma sintética, a existência de possíveis problemas na estrutura, como o desenvolvimento de patologias, a ineficiência do sistema de drenagem, a presença de água ou umidade na base ou paredes de concreto, desenvolvimento de musgos ou vegetação arbustiva entre as juntas verticais ou horizontais, quando for o caso, e a integridade de caixas ou sacos de gabião. A ação ocorre mensalmente, de acordo com a empresa.
Caso seja necessário, a EGR diz que utiliza subsídios complementares do mapeamento das estruturas de contenção realizados em campo por meio de imagens aéreas de alta resolução realizado com o drone multirotor dos trechos já mapeados e vídeos de filmagens realizadas com Câmera GoPro.
Pedágio terá que monitorar encostas
Entre as obrigações do Consórcio Integrasul, que deve assinar até setembro o contrato de concessão de 271,54 quilômetros de rodovias na Serra e no Vale do Caí, está o monitoramento e prevenção de deslizamentos em encostas e aterros. As obrigações começarão logo após a assinatura da parceria. Dentro dos chamados trabalhos iniciais, serão exigidas a recuperação de aterros e encostas que estiverem comprometendo a rodovia, além da remoção de todo o material que ameace cair.
Além disso, o contrato vai prever, entre as obrigações, melhorias nos sistemas de drenagem para evitar erosão e reparos em contenções com indícios de comprometimento. Um relatório com diagnóstico de todos os problemas deverá ser apresentado pela concessionária no terceiro mês de contrato. O acompanhamento deve seguir ao longo dos 30 anos de contrato e, onde for possível, será obrigatório implantar cobertura vegetal.