Estresse, sobrecarga, crises de ansiedade, agressividade, impaciência, depressão e conflitos mais violentos têm sido relatados entre a comunidade escolar, especialmente entre os alunos no pós-pandemia. Há casos de autoviolência, mutilação, tentativa de suicídio e aumento no índice de casos de bullying e cyberbullying, bem como demais conflitos no ambiente escolar. Esses indicadores acenderam o alerta das autoridades em Caxias do Sul. O número de casos não é divulgado, mas, segundo o município, com base em relatos das direções, dos órgãos de segurança e de dados do programa RS Seguro é possível perceber um acréscimo nas situações de violência.
São fatos que muitas vezes ocorrem do portão para fora, mas refletem no interior das escolas, e também situações dentro dos colégios. Para barrar esses números, 20 escolas, sendo 10 municipais e 10 estaduais, vão receber projetos- pilotos e contar com ações de monitoramento intensificadas no município. Essas atividades começam a partir de julho, inclusive, com ronda da Patrulha Escolar da Brigada Militar (BM) e da Guarda Municipal na entrada e saída dos estudantes.
Também serão realizadas palestras voltados a situações vivenciadas em cada escola. Os nomes dos colégios não são divulgados pelo município e Estado e nem as regiões contempladas para preservar os estudantes e professores. Já havia um grupo de trabalho antes da pandemia que foi desmobilizado, mas precisou ser retomado para focar em estratégias de prevenção, especialmente, nas escolas que mais precisam. Duas reuniões foram realizadas, uma em maio e outra na última terça-feira (7), para intensificar essas ações preventivas. O grupo conta com representantes das redes municipal e estadual, da Secretaria de Segurança Pública de Caxias, Brigada Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Defesa Nacional, Justiça Restaurativa e Secretaria Municipal de Trânsito Transporte e Mobilidade (SMTTM).
— Vamos fazer ações em toda a cidade, mas elegemos 20 escolas prioritárias para receber ações mais efetivas para trabalhar o ambiente interno e o externo. Essas situações vão desde a falta de estudantes, a sensação de insegurança dos profissionais e a própria geração da violência, que está em todos os lugares, mas fica mais evidente em algumas regiões e impacta nas escolas — afirma a secretária de Educação, Sandra Negrini.
Ela ressalta que há pontos que geram mais preocupação, como o mau uso das redes sociais para combinar encontros violentos, incitação do ódio e praticar bullying e cyberbullying. A própria violência externa nas famílias e entre elas também reflete nos alunos. A secretária aponta que há ainda casos de automutilação, que têm chamado a atenção.
— Os dados do RS Seguro antes da pandemia eram consolidados no final do ano. Até poderíamos fazer uma projeção, mas não é esse nosso intuito. Nossa finalidade, com base no que temos, é atuar nas escolas que precisam de ações imediatas. Detectamos que essas 20 escolas da rede pública precisam de uma atenção maior por esses indicadores. Não é só a violência contra o outro. São automutilações, tentativas de suicídio, pedidos de socorro e precisamos reverter esses quadros de atentados contra a vida.
A titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (4ª CRE), Viviane Devalle, ressalta que tanto na rede estadual, quanto na municipal, os órgãos de segurança tiveram a necessidade de reforçar as ações de prevenção.
— Elencamos 20 escolas onde serão feitos os projetos-pilotos e uma série de ações para trazer tranquilidade. Haverá palestras e mais presença tanto da Brigada Militar, quanto da Guarda Municipal para aumentar a segurança e alertando os jovens que os perigos da violência, seja ela de qual forma for, pode prejudicar a vida na escola e fora dela.
Viviane explica ainda que as equipes que integram as Comissões Internas de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipave) perceberam que certas situações se tornaram mais frequentes, e foi isso que acionou o alerta da rede.
— São escolas que apresentam índices maiores de conflitos internos, muita ansiedade entre os alunos e até quadros de depressão, não é só violência física. Existem outras que temos que estar atentos. Há casos de atritos entre eles e também atos de violência dos alunos contra eles mesmos. Temos que agir de forma preventiva.
O cronograma de ações será elaborado nos próximos dias, avaliando o cenário de cada escola.
Retorno da Patrulha Escolar
A Patrulha Escolar já atuava na prevenção da violência dentro do ambiente escolar antes da pandemia. Com a suspensão das aulas, as ações não estavam sendo realizadas e, neste ano, foram retomadas, assim como atividades do Proerd. O soldado Nícolas Borges Moll, que atua na Patrulha Escolar, afirma que a equipe tem recebido relatos de diretores e professores de situações que demostram que os estudantes têm enfrentado questões psicológicas e apresentado dificuldade em respeitar regras de convivência:
— A maior reclamação é a questão da indisciplina e desrespeito aos funcionários da educação, uso do celular em sala de aula e uso de drogas. Nesse período pós-pandemia, os relatos são que os alunos voltaram com uma carga psicológica muito grande, principalmente na relação interpessoal. Eles não conseguem mais obedecer uma simples regra ou cumprir uma determinação que antigamente era rotineira — aponta Borges.
Ele lembra que o trabalho da equipe é essencial para prevenir conflitos.
— A Patrulha Escolar aproxima a Brigada Militar da comunidade escolar. A gente conversa com eles e com diretores. A presença da polícia na escola acaba evitando o ato criminoso ou o ato infracional — ressalta Borges.
Projetos e ações
Dentre os diversos pontos levantados nos encontros está a inclusão de projetos que discutam a comunicação não violenta e com temas alusivos à paz e maior participação dos Círculos de Pais e Mestres (CPMs). A reativação de grêmios estudantis também está em andamento desde o começo do ano para fortalecer as lideranças e, assim, incentivar os estudantes a reproduzir as boas ações nas escolas e se tornarem exemplos aos demais.
O Papo de Responsa é um bate-papo em que a Polícia Civil aborda temáticas de prevenção à violência escolar e ao comportamento do estudante em sala de aula. As escolas também têm o auxílio do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), que pode ser acionado para orientação aos jovens quanto à drogadição e vulnerabilidade social. O grupo irá se reunir a cada 30 dias para debater a eficácia das ações. Elas serão pontuais e contarão com atendimento emergencial pela Brigada Militar quando acionada pelo 190, bem como da Guarda Municipal pelo 153.
Pichações de ódio e ameaças cancelaram aulas em Caxias
Em abril e maio, mensagens ameaçando um massacre chamaram a atenção e assustaram alunos e professores de escolas da Serra. Em Farroupilha, a Polícia Civil divulgou em 19 de abril ter esclarecido as pichações feitas na porta de um banheiro de um colégio estadual da cidade. A origem da "brincadeira" seria uma postagem que viralizou em uma rede social.
Situação semelhante ocorreu em outras duas escolas de Caxias do Sul, em Galópolis e no bairro São Caetano. Em Galópolis, as aulas foram suspensas por uma semana. Na ocasião, a 4ª CRE garantiu que as ameaças eram apenas um dos fatores para a suspensão das atividades e que a escola enfrentava problemas administrativos. Por isso, foi necessário fechar a escola para traçar planos. As aulas foram retomadas em 16 de maio. Contudo, as pichações assustaram alunos e professores.
Demais ocorrências
Recentemente foram registradas ocorrências em duas escolas, uma municipal, no bairro Planalto, e uma estadual, no bairro Pio X, que deixaram pais e professores aflitos. Na escola do município, a ocorrência foi registrada na manhã da segunda-feira (6), quando um aluno do 6º ano estava com uma munição calibre.38 em sala de aula. De acordo com o boletim de ocorrência, ele disse que encontrou a munição no caminho da escola. Aos policiais, disse que o irmão dele lhe deu a munição para que fizesse um colar. O assunto está sendo acompanhado pela Secretaria Municipal de Educação.
Já na escola da rede estadual, em 31 de maio, por volta das 17h50min, a Brigada Militar foi acionada para verificar uma briga generalizada em frente ao colégio. Segundo informações da ocorrência policial, um estudante foi agredido por quatro jovens desconhecidos. Pais de alunos relataram que ficaram assustados com o episódio. A coordenadoria da 4ª CRE aponta que a situação não chegou diretamente até ela, e que ocorreu fora da escola.