A Escola Estadual Ismael Chaves Barcellos, em Galópolis, em Caxias do Sul, tem vivido um período conturbado nas últimas semanas, que chegou a ponto de levar à suspensão das aulas por uma semana. O estopim para a interrupção das atividades para todos os alunos foram ameaças pichadas em banheiros da escola, situação que está sendo investigada pela polícia e colocou a comunidade em alerta. Contudo, a 4ª Coordenadoria Regional da Educação (4ª CRE) garante que as ameaças são apenas um detalhe, pois o estabelecimento enfrenta outros problemas de cunho administrativo que exigem uma resolução e, por isso, foi necessário fechar a escola para traçar planos. As aulas serão retomadas na próxima segunda-feira (16).
A decisão deixou 426 estudantes sem aula. O conteúdo perdido será recuperado ao longo do ano letivo, afirma a 4ª CRE.
O histórico envolvendo a escola nos últimos dias tem dividido as famílias dos alunos. Uma reunião da semana passada, por exemplo, foi interrompida sem uma solução devido ao tumulto de muitas vozes discutindo ao mesmo tempo, admitem pais e direção.
Os pais acreditam que as pichações contendo palavras de ódio são, sim, o fator que paralisa a comunidade escolar. As palavras foram identificadas na semana passada no banheiro feminino, mas ameaça semelhante já havia sido registrada dias antes. Procurada pela reportagem, a coordenadora da 4ª CRE, Viviane Devalle, preferiu não detalhar quais são as questões administrativas que afetam o andamento das atividades no colégio, mas reiterou que as ameaças são apenas parte do problema. Nos bastidores, há comentários de que a falta de entendimento entre pais, direção e a própria 4ª CRE acabou levando a uma relação mais difícil entre as partes, o que pode ser contornado por meio do diálogo.
— Não foi somente pelas ameaças, porque aí teria que suspender em todas as escolas em que aconteceu e foram várias na região. Há um problema dentro da comunidade que está afetando a escola. Estamos tentando agir para resolver. Coincidiu com esta escrita no banheiro, mas o problema é anterior. Precisamos avaliar e traçar um plano de ação, por isso as aulas foram suspensas. Estamos a conversar com direção sobre ajustes, a falar com os pais e também pedir a comunidade para nos ajudar — argumenta Viviane.
Para tratar dos próximos passos, uma comissão temporária de pais foi formada e dialoga com a 4ª CRE. Segundo Viviane, a Comissão de Pais e Mestres (CPM) da escola não está constituída e é um destes problemas que precisam ser resolvidos. A CPM não teve eleição nos últimos dois anos por causa da pandemia e acabou esvaziada pela saída de pais de alunos que completaram os estudos no período.
Uma das representantes da antiga gestão é Rosane Dalanora, que afirma compor a CPM há seis anos. Sobre a suspensão das aulas, ela afirma estar do lado da direção e da 4ª CRE. Contudo, o entendimento dela é que a medida foi tomada em razão das ameaças pichadas.
— Tivemos uma reunião com a CRE na terça-feira (da semana passada) e no dia seguinte teve nova escrita no banheiro das meninas. A CRE achou a melhor maneira parar as aulas para tomar uma atitude e voltar as aulas tudo resolvido. Esperamos uma posição deles até a próxima semana (quando retorna as aulas).
Rosane confirma que a reunião foi tumultuada e impossibilitou o diálogo. Um dos pontos de conflitos é que uma parte dos pais exige da direção da escola que sejam apontados e punidos os responsáveis pelas ameaças, inclusive com a exposição dos nomes — a divulgação de nomes de menores de idade fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A direção rebate que a investigação cabe à Polícia Civil. O inquérito policial continua em andamento na Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente (DPCA).
— Não podemos apontar um fulano na plateia. Não é a nossa posição, nem postura. Temos que aguardar (a investigação policial) — afirma o diretor Luis Felipe de Oliveira, que lidera a escola desde o ano passado.
Sobre a suspensão das aulas, a direção afirma que foi uma decisão da 4ª CRE. A equipe continua nas escolas realizando trâmites internos, inclusive algumas medidas solicitadas pela coordenadoria.
— Alguns pais estão tranquilos, outros não. Outros fazem alvoroço, fazem confusão, e dizem estar do lado da escola. Dizem que a escola não presta, que a direção não sei o que... Não se movem para vir ajudar. Tentamos fazer uma reunião para esta questão da segurança, mas foi impossível falar. Se tem tumulto, não se consegue falar, muito menos chegar em alguma conclusão — avalia o diretor.
— Problema na CPM sempre tem, em qualquer escola, né? A verdade é que os pais (do Ismael) estão divididos. Há quem tem bom convívio com a direção e tem quem problematiza. (Na reunião, representantes da 4ª CRE) tinham avisado que se acontecesse de novo iriam suspender as aulas. E aconteceu. Só que, ao invés de conversar sobre este assunto, tem muita conversa sobre coisas paralelas — lamenta a mãe de um aluno, que pediu para não ser identificada.
Comentários na comunidade
Apesar dos problemas internos e de falta de diálogo, as ameaças na escola continuam sendo o principal assunto na comunidade de Galópolis. Pais de alunos e a direção aguardam uma resposta policial. Foram três pichações em banheiros desde meados de abril. O diretor Oliveira chega a classificar a situação como "terrorismo" (leia abaixo).
Nas redes sociais, os pais e a comunidade escolar se dividem entre os que têm medo de um possível crime na escola e os que acham que se trata de alguma brincadeira de mau gosto. Sobre as pichações, Viviane afirma que os devidos boletins de ocorrência foram registrados e a autoria está em investigação. Até o momento, representantes da polícia teriam repassado à 4ª CRE que a principal linha de investigação é que as ameaças fazem parte de um desafio em uma rede social.
— Mas não podemos subestimar nada. Essa situação é investigada pelos órgãos de segurança. Após o relato, a Cipave ( Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar) vai até a escola e faz um trabalho de orientação sobre os perigos da internet. Nesta escola, a Cipave já esteve por duas vezes. As orientações para a comunidade e pais também foram dadas em uma reunião presencial no dia 3 de maio —afirma Viviane.
Orientações também foram repassadas para as direções de todas as escolas da região, caso incidentes semelhantes aconteçam. No mês passado, a Polícia Civil esclareceu a autoria de uma ameaça em uma escola de Farroupilha. O adolescente de 16 anos confessou a escrita e alegou se tratar de uma "brincadeira".
Na Escola Ismael Chaves Barcellos, a primeira ameaça foi achada em um azulejo do banheiro masculino no dia 18 de abril. A pichação se repetiu no dia 4 de maio, desta vez num banheiro feminino e em duas portas diferentes. A investigação está com a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). O inquérito segue em andamento e coletou o depoimento de alguns adolescentes.
A pichação foi encontrada por funcionários da escola e ninguém assumiu a autoria. No primeiro fato, as câmeras da escola estavam fora de operação. Na segunda ameaça, a movimentação de alunos na entrada e saída do banheiro foi gravada pelos equipamentos.
— Foi registrado e é investigado como ameaça. Trabalhamos imaginando o cenário mais grave. Mas não podemos descartar nenhuma linha de investigação, se foi uma brincadeira, um desafio, algum susto... Não podemos afirmar nada porque ainda buscamos a autoria — aponta a delegada Thalita Andrich.
A investigação policial não tem prazo para conclusão.
"Nenhum dos lados está preparado para esta situação"
A reportagem esteve nesta semana e conversou com o diretor da Escola Ismael Chaves Barcellos. Confira o que ele diz:
Pioneiro: Qual é a situação da escola?
Diretor Luis Felipe de Oliveira: É um ambiente de terrorismo (sobre ameaças). Nenhum dos lados está preparado para esta situação. Tanto pais e alunos quanto nós (da escola). A escola faz o que é possível, porque somos de educação e a segurança dependemos (de outros órgãos). Foi tudo registrado e estamos em espera, assim como os pais e alunos, de uma possível solução. Esta é a nossa realidade.
Já são 30 dias de insegurança e dúvidas?
A educação espera uma solução para a segurança. Começou com a escrita antes do feriado de Sexta-Feira Santa. Quando ligamos para Brigada (Militar), a orientação foi que apagasse a escrita. Orientação da polícia para não criar pânico e que eles estariam na escola depois do feriado. Foram tomadas medidas, conversas com pais e, desde então, estamos em espera. A Delegacia da Criança chamou e está ouvindo alguns pais e adolescentes. Só que os fatos (ameaças no banheiro) se repetiram. Não temos respostas.
Quais foram as orientações policiais?
Aguardar que uma investigação está em andamento (pela Polícia Civil). Eles (BM) vieram alguns dias na frente da escola, não todos. Também veio a Patrulha Escolar se apresentar, eles estão se reorganizando. O que é difícil para a comunidade entender é que não somos um órgão de Justiça. Precisamos esperar igual a qualquer outro cidadão. Só que as coisas não andam. Não sei dizer o porquê. Não podemos apontar um fulano na plateia. Não é a nossa posição, nem postura. Temos que aguardar (a investigação policial).
Com está a repercussão com os pais?
Alguns pais estão tranquilos, outros não. Tem aqueles que fazem alvoroço e confusão. Há críticas a escola e a direção. Tentamos fazer reuniões para acertar esta questão da segurança, trazer propostas, mas foi quase impossível falar. Se tem tumulto, não conseguimos chegar a uma conclusão. Policiais e a 4ª CRE também vieram (para reuniões com pais), mas não conseguiram falar também.
Como serão recuperados estas aulas?
É decisão da Coordenadoria. Estamos aguardando. Professores e pais já nos perguntaram, mas ainda não sabemos. Eles que nos orientam, principalmente numa questão dessa que é maior. Envolve professor, livro-ponto, ata... Quando tivermos esta resposta iremos avisar os pais dos alunos pelos nossos canais.