A transição do programa Mais Médicos para o Médicos pelo Brasil, realizada pelo governo federal, impactará no serviço de Atenção Primária prestado nas unidades básicas de saúde (UBSs) de Caxias do Sul. Segundo levantamento do Conselho Municipal de Saúde (CMS), 15 médicos que atuavam pelo programa, instaurado em 2013, terão seus contratos encerrados em agosto. Sem a renovação, a prefeitura passará a contar com médicos contratados pelo novo programa, lançado em 2019.
Pelos critérios do Médicos pelo Brasil que avaliam renda per capita, número de moradores no Cadastro Único e localização geográfica, o município serrano receberá quatro profissionais, sendo que, até o momento, dois assumiram, ainda conforme informações do CMS. Mesmo que o quantitativo substitua parte do quadro funcional, a situação preocupa a representação, uma vez que o município já enfrenta defasagem no atendimento médico à população.
— Com certeza, isso vai gerar um baque nos atendimentos, porque hoje já faltam mais de 20 médicos na rede de Atenção Primária. A gente sabe que são lançados editais e muitos profissionais não assumem. Depois das reformas Trabalhista e Previdenciária, essa classe não tem mais interesse em trabalhar como servidor público. Por isso, é necessário que as prefeituras criem seus próprios planos de carreira. A curto prazo, também, este problema já deveria estar sendo solucionado, com a garantia de consultas — avalia o presidente do CMS, Alexandre Silva.
Segundo ele, uma das alternativas sugeridas à Secretaria Municipal da Saúde (SMS) foi a compra de consultas na rede privada, via licitação. O modelo adotado por Bento Gonçalves, que hoje tem Tatiane Fiorio à frente da pasta responsável, tem garantido a redução das filas de espera na cidade, desde as consultas em Atenção Primária até as especializadas. A secretária da Saúde do município afirma que as 23 unidades não dispõem de servidores municipais suficientes e que uma empresa contratada destina profissionais conforme a demanda de cada local.
— A gente tem os mesmos problemas que todos os municípios estão enfrentando, em relação aos profissionais concursados. Estamos, inclusive, com um concurso em andamento, com 18 especialidades, sendo que tivemos 49 inscritos. É um número muito baixo que não supre a demanda do município — afirmou a gestora.
Segundo a secretária, a avaliação é positiva mesmo que o modelo não promova o vínculo entre médico e paciente.
— Claro que este formato que adotamos também apresenta seus desafios, como a eventual troca de profissionais em unidades, algo que interfere na criação do vínculo entre os médicos e pacientes, mas de maneira geral, está funcionando bem — ponderou.
A troca dos programas federais é vista com preocupação também pelo Sindicato dos Servidores Municipais de Caxias do Sul (Sindiserv). A presidente da entidade que representa os trabalhadores vinculados ao município, ainda que contratados via programa federal, Silvana Piroli, lamenta a defasagem, em princípio, ocasionada pela reformulação promovida pelo Ministério da Saúde.
— Temos uma crise econômica, o desemprego em alta, falta de recursos para a Saúde e Educação, e se implementa medidas administrativas que reduzem o atendimento à população. Isso vai trazer prejuízos a Caxias do Sul porque vai sobrecarregar o sistema e, acima de tudo, muitas pessoas deixarão de ser atendidas. Querem inviabilizar, para depois terceirizar o serviço, como uma solução, e depois não vai mais ter (o serviço público). É um conjunto de ações que atinge a população, principalmente as pessoas que mais precisam, que dependem exclusivamente do SUS — declarou a presidente.
O déficit relacionado à troca de programa federal para contratação de médicos não é exclusividade de Caxias do Sul. A cidade, inclusive, figura entre as mais contempladas do Estado no primeiro edital — é a segunda ao lado de São Leopoldo, Uruguaiana e Canguçu. O município gaúcho que receberá o maior número de profissionais é Porto Alegre, com 26 médicos. Outras cidades como Bento Gonçalves, por exemplo, que atualmente conta com dois profissionais pelo Mais Médicos, sequer foram contempladas no regramento do novo programa.
Em abril o Médicos pelo Brasil habilitou 116 médicos para 57 municípios do Rio Grande do Sul, número abaixo dos 850 médicos inicialmente previstos. A quantidade de vagas providas pela União no Estado vai encolher de 1.323 — total previsto pelo programa Mais Médicos — para 1.103 na nova iniciativa, Médicos Pelo Brasil, o que resultará em diminuição de 17% mesmo quando todas as convocações tiverem sido feitas. A situação acaba fazendo com que as prefeituras precisem recorrer a mais contratações para garantia de consultas aos moradores.
Procurada pela reportagem, a SMS de Caxias do Sul, por meio de assessoria, informou que nenhum representante da pasta concederia entrevista sobre o assunto, justificando que a transição dos programas ainda está em andamento e que, também por isso, ainda não é possível afirmar o número exato de profissionais que a cidade irá receber.
A SMS não informou quando e nem quantos contratos do Mais Médicos serão encerrados no município. Segundo o CMS, dentre as UBSs que serão impactadas pela troca dos programas estão a Galópolis, Vila Cristina, Mariani, Pioneiro, Planalto e Belo Horizonte. Ainda conforme o conselho representativo, atualmente, os 15 médicos do Mais Médicos cumprem 40 horas por semana cada, podendo chegar a realizar um total de duas mil consultas semanais. A preocupação do CMS é que elas deixem de existir.
Sobre medidas que estão sendo tomadas para evitar que o quadro fique ainda mais reduzido, a SMS afirmou, apenas, que está em contato permanente com o Ministério da Saúde. Leia a nota completa:
"A transição do programa Mais Médicos para o programa Médicos pelo Brasil está em andamento. Ambos programas são federais, com regramentos estabelecidos pelo Ministério da Saúde. Neste momento, estão ocorrendo substituições gradativas entre os dois editais, não é possível afirmar o número exato de profissionais para Caxias do Sul. Durante este processo, a Secretaria Municipal de Caxias do Sul está em contato permanente com o Ministério da Saúde".
O primeiro edital do programa Médicos pelo Brasil foi aberto em janeiro de 2022, para preenchimento de até 4.057 vagas para médicos bolsistas, além de 595 vagas para tutores médicos. Segundo o Ministério da Saúde, a prioridade do Médicos pelo Brasil é atender regiões vulneráveis, remotas e de difícil provimento.
Todos os médicos aprovados no processo seletivo vão contar com uma especialização em medicina da família e comunidade. Após a conclusão do curso, os médicos bolsistas passam por uma avaliação final e, se aprovados, poderão ser contratados pela Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps), no regime celetista (CLT). Os tutores, profissionais já contratados na modalidade CLT, terão remunerações que podem chegar a R$ 24 mil, em função de benefícios adicionais para atuação em áreas mais distantes.
Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, novos chamamentos têm previsão de serem realizados, mas não há uma data definida.
A delegacia local do Conselho Regional de Medicina (Cremers) e o Ministério da Saúde foram procurados pela reportagem mas, até o fechamento desta matéria, ainda não haviam dado retorno.