Não é mais novidade que a pandemia trouxe dificuldades financeiras a uma grande parcela de famílias da Serra. Mas, quando a vulnerabilidade social pode ser traduzida em números, fica mais fácil visualizar o empobrecimento da população nos dois últimos anos. É o que mostram, por exemplo, dados divulgados pela prefeitura de Farroupilha.
Segundo um levantamento do município repassado aos vereadores, no primeiro trimestre de 2019, antes do surgimento do coronavírus, foram distribuídas 277 cestas básicas a usuários do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Neste ano, de janeiro a março, a soma já chega a 1.747 unidades, um crescimento superior a 500% na demanda. Deste então, as solicitações não param de crescer. Nos primeiros três meses de 2020 foram 396 entregas. No mesmo período de 2021, o município já havia distribuído 627 cestas.
Atualmente, conforme o poder Executivo, são fornecidas 582 unidades por mês, beneficiando 2.328 pessoas. Em entrevista à Rádio Gaúcha Serra, o secretário de Habitação e Assistência Social de Farroupilha, Jorge Cenci, detalhou os motivos que fazem muitas famílias buscarem ajuda do poder público para garantir a alimentação.
— A gente percebeu que houve aumento da demanda em função do poder aquisitivo das famílias ter diminuído e o estar em casa, consequentemente, fez com que as famílias se alimentassem mais (na própria residência e não no trabalho e na escola, como era antes) — destaca Cenci.
O secretário também apontou outros aspectos sociais que mudaram nos últimos tempos na cidade, o que implica em mais iniciativas públicas voltadas para diminuir a vulnerabilidade das famílias:
— Nós percebemos o aumento da natalidade; algumas famílias crescendo de forma considerável. Percebemos também a chegada de pessoas de outras regiões e Estados, que vêm praticamente sem nada e precisam de suporte, de agasalhos, de móveis... São inúmeras ações que desenvolvemos para amenizar as condições de algumas famílias que chegam no município — afirma o titular da Secretaria de Habitação e Assistência Social de Farroupilha.
Compare*
2019: 277
2020: 396
2021: 627
2022: 1.747
*Dados da prefeitura de Farroupilha sobre as cestas básicas entregues no primeiro trimestre de cada ano.
Situação é similar em outras cidades da região
Buscar ajuda para colocar o alimento no prato não é, contudo, exclusividade das famílias farroupilhenses. Um levantamento da reportagem da RBS TV mostra o crescimento na demanda por cestas básicas também em cidades como Caxias do Sul e Bento Gonçalves.
A maior cidade da Serra registrou nos quatro primeiros meses de 2019, 2.370 pedidos de cestas básicas. Neste ano, foram 4.514 entregas de janeiro a abril. Voltando um pouco mais no tempo, é possível observar dados ainda mais preocupantes: em 2020, a Fundação de Assistência Social (FAS) de Caxias do Sul repassou mais de 52 mil kits com alimentos a beneficiários cadastrados - em 2019 foram 9 mil. A alta entre um ano e outro foi de 477,7%.
Bento Gonçalves, por sua vez, registrou crescimento percentual ainda mais significativo, na comparação do primeiro quadrimestre de 2019 com o mesmo período de 2022. No último ano sem pandemia, o município entregou 196 cestas básicas entre janeiro e abril. Agora, a soma do mesmo período, já chega a 1.363 kits de alimentos entregues, o que representa um incremento de quase 600% na demanda.
— Muitas das famílias que estão aqui conosco perderam seus trabalhos informais na pandemia e aí a demanda aumentou significativamente principalmente pelo benefício eventual do alimento. Além disso, aumentaram os registros de negligência e violências. As vulnerabilidades como um todo ficaram mais complexas — avalia a coordenadora de um dos três CRAS de Bento Gonçalves, a psicóloga Débora Fin.
Segundo Débora, as famílias que buscam o recurso passam por avaliação e fazem os pedidos pelas cestas básicas mensalmente. Se a situação de vulnerabilidade persiste, outros trabalhos entram em cena para que não haja uma dependência pelo benefício.
— Como é eventual, buscamos sempre trabalhar com as famílias a autonomia, vislumbrando suas potencialidades. Temos, por exemplo, uma equipe que visa a inserção destas pessoas no mercado de trabalho — detalha a coordenadora.
Na região
:: Em cidades da Serra de menor porte também há famílias que buscam ajuda do poder público para garantir a alimentação. Em Flores da Cunha, por exemplo, nos quatro primeiros meses de 2019, houve distribuição de 114 cestas básicas. No mesmo período deste ano, foram entregues 237 unidades.
:: São Marcos, por sua vez, teve 164 solicitações de kits de alimentação no primeiro quadrimestre deste ano. A prefeitura não localizou os dados anteriores à pandemia para termos comparativos. Ao longo de todo 2020, foram 440 distribuições.