O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) liberou nessa sexta-feira (25) recursos que irão auxiliar na regularização de dois loteamentos em Caxias do Sul. São R$ 5.824.950,00 para o Monte Carmelo e outros R$ 5.401.050 para o Vergueiros, ambos na zona sul da cidade. A expectativa é de que o montante possa ser usado na desapropriação de terrenos privados ocupados desde o início da década de 2000 e também na destinação de recursos para os moradores investirem nos próprios imóveis.
O recurso havia sido solicitado em dezembro, quando o presidente do Monte Carmelo, Adroaldo Carniel da Silva, esteve em Brasília. Acompanhado do advogado Rodrigo Balen, que representa os moradores dos dois loteamentos em ações judiciais relacionadas à regularização, Silva teve reuniões com deputados, com o senador Luiz Carlos Heinze (Progressistas) e também com representantes do MDR.
Na época, eles entregaram uma carta apontando a necessidade de soluções de infraestrutura, saneamento, urbanização e titulação das áreas. O documento acrescentava que os habitantes, por serem de baixa renda, não conseguem promover essas melhorias.
O processo de destinação de recursos acabou incluído no Programa de Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional do Programa Casa Verde Amarela. De acordo com Rodrigo Balen, trata-se de uma nova linha de destinação de recursos federais. Por isso, os detalhes dos próximos passos serão debatidos em uma reunião na segunda-feira com os secretário do Urbanismo, João Uez, e da Habitação, Carlos Giovani Fontana.
— Foi uma grande vitória. Brasília é "logo ali", lá você consegue conversar com as pessoas. Agora, quero sentar com eles (secretários) para ver de que forma vamos alocar, porque a gestão é feita pelo município.
Segundo Fontana, os trâmites só vão ficar claros depois da reunião. A reportagem não conseguiu contato com o secretário Uez na manhã desse sábado.
De acordo com o senador Heinze, após a reunião de dezembro houve o cadastramento das propostas, cuja documentação foi aprovada com a publicação no Diário Oficial da União (DOU) nessa sexta. Agora, é preciso reunir a documentação referente aos terrenos e ao loteamento para garantir o acesso aos recursos. Os trâmites serão intermediados por uma empresa de projetos e o agente financeiro responsável por liberar o montante é a Caixa Econômica Federal. Entre os documentos necessários, está um mapeamento de áreas de risco de toda a cidade, contratado pela prefeitura e previsto para ser concluído em abril.
— Não se trata de financiamento. São recursos a fundo perdido de até R$ 20 mil por família para pequenas melhorias, como fazer um banheiro ou um quarto. Nos lotes em que o estudo apontar problemas, as famílias terão que buscar outro lote. Nos outros, a documentação para a regularização será paga com dinheiro federal (até R$ 1.413 por família) — explica o senador.
Em Caxias do Sul, os valores consideram 1,4 mil famílias em duas áreas do Monte Carmelo e outras 1,4 mil em duas áreas do Vergueiros. Uma vez reunida a documentação e enviada a Brasília, o recurso é liberado.
— Foi um grande avanço e até que foi rápido — comemora Silva.
Na Serra, além de Caxias, Bento Gonçalves também foi contemplada com R$ 2.584.320,00 para uma área de 640 famílias no bairro Zatt. A reportagem não conseguiu contato com os representantes do município na manhã desse sábado.
O caso Monte Carmelo
A área do loteamento, que fica próximo ao aeroporto, era formada originalmente por três lotes privados. Entre o fim de 2003 e o início de 2004, a área recebeu as primeiras construções, especialmente o chamado "lote 7". Diante da situação, o município, que não tinha relação com o caso, encaminhou a desapropriação do terreno, concluída em 2006. A justificativa era que seria realizado um "assentamento de famílias para fins de habitação de interesse social".
A medida, no entanto, acelerou a ocupação não só do lote 7, como dos lotes 2 e 3, que ficam ao lado. Além disso, os investimentos prometidos para o terreno desapropriado nunca foram realizados.
O entendimento é de que o município deveria ter desapropriado todos os lotes, já que se trata de uma única ocupação. Como isso não ocorreu, o moradores são alvo de uma ação de reintegração de posse por parte dos proprietários dos lotes 2 e 3. O processo teve início assim que as construções começaram.
Nesse cenário, Balen, representando os moradores, optou por atuar em duas frentes: ingressou com ação exigindo que o município desaproprie a área e implante a infraestrutura prometida, e contestou os pedidos de reintegração de posse, solicitando que o município seja incluído como réu no processo por ter realizado benfeitorias na área. Confira mais detalhes abaixo:
Entenda o caso
- Entre o final de 2003 e começo de 2004, cerca de cem famílias deram início à ocupação de uma área, batizada como Monte Carmelo.
- Em 9 de fevereiro de 2004, os proprietários dos lotes 2 (com 39,3 mil metros quadrados) e 3 (com 39,7 mil metros quadrados) ingressaram com uma ação de reintegração de posse na Justiça. Processo que tramita até hoje.
- Dois dias depois (11 de fevereiro de 2004), os donos de uma outra parte da área (o lote 7, com 139 mil metros quadrados) também pediram, judicialmente, a reintegração de posse. Em maio (2004), obtiveram liminar pela reintegração.
- Em 7 de julho do mesmo ano (2004), o então prefeito, Pepe Vargas (PT), declarou o lote 7 "de utilidade pública, para fins de desapropriação", "visando o assentamento de famílias para fins de habitação de interesse social". Como garantia, a prefeitura efetuou um depósito de cerca de R$ 390,3 mil.
- Segundo os moradores, após a publicação do decreto houve um verdadeiro inchaço da ocupação, chegando a mais de mil famílias.
- Em 22 de fevereiro de 2005, o município, já sob a administração de José Ivo Sartori (então, PMDB) requereu na Justiça a suspensão da desapropriação. O parecer do Ministério Público, à época, aponta comportamento contraditório por parte da prefeitura: "De um lado diz que não tem mais interesse na desapropriação; por outro, executa atos próprios de quem está imitido na posse do bem que, segundo o decreto, seria destinado à regularização do loteamento". Fotografias anexadas ao processo mostrariam máquinas da prefeitura realizando obras de arruamento, inclusive, com derrubada de árvores, no mês de junho de 2005, após a manifestação da desistência.
- De lá para cá, a prefeitura teve de pagar aos proprietários pela área desapropriada (lote 7) _ o valor foi superior a R$ 1 milhão _ mas nunca colocou em prática o loteamento com habitações populares e a regularização fundiária.
- Em dezembro de 2019, em audiência de conciliação na Justiça, com intermediação do Ministério Público Estadual, foi apresentada proposta para que os pouco mais de 300 moradores dos lotes 2 e 3 formassem uma cooperativa e adquirissem essas áreas pelo valor de R$ 9,7 milhões.
- A Associação de Moradores do Bairro (Amob) Monte Carmelo entendeu que era inviável qualquer possibilidade de acordo, já que não se tinha todos moradores como réus e que a responsabilidade do pagamento da área não seria deles. Assim, procurou auxílio jurídico na questão.
- Os moradores contrataram o escritório de advocacia, no início de 2020. Foram habilitados os moradores dos lotes 2 e 3 na Ação de Reintegração de Posse e apresentada contestação, buscando colocar o município como réu, responsabilizando-o pela impossibilidade de reintegração e o pagamento da indenização.
- Além dessa Ação de Reintegração de Posse, tramita hoje, na Justiça, a Ação de Obrigação de Fazer referente ao lote 7, onde os moradores desta parte do Monte Carmelo buscam obrigar o município a cumprir o decreto de utilidade pública e a desapropriação realizada, cujo objetivo era a regularização fundiária plena do local.