Se as negociações iniciadas na quinta-feira (20) tiverem o desfecho esperado, o que atualmente é visto como um potencial Caso Magnabosco pode ser resolvido antes do abalo aos cofres públicos de Caxias do Sul. A prefeitura e o representante dos moradores do loteamento Monte Carmelo, o advogado Rodrigo Balen, iniciaram as conversas com o objetivo de regularizar a área do loteamento e permitir que a comunidade tenha acesso a serviços públicos e à propriedade dos terrenos.
A área do loteamento, que fica próximo ao aeroporto, era formada originalmente por três lotes privados. Entre o fim de 2003 e o início de 2004, a área recebeu as primeiras construções, especialmente o chamado "lote 7". Diante da situação, o município, que não tinha relação com o caso, encaminhou a desapropriação do terreno, concluída em 2006. A justificativa era que seria realizado um "assentamento de famílias para fins de habitação de interesse social".
De acordo com Balen, no entanto, a medida acelerou a ocupação não só do lote 7, bem como dos lotes 2 e 3, que ficam ao lado. Além disso, os investimentos prometidos para o terreno desapropriado nunca foram realizados.
— A prefeitura ficou "dormindo" por 16 anos — avalia.
O entendimento é de que o município deveria ter desapropriado todos os lotes, já que se trata de uma única ocupação. Como isso não ocorreu, o moradores são alvo de uma ação de reintegração de posse por parte dos proprietários dos lotes 2 e 3. O processo teve início assim que as construções começaram.
Nesse cenário, Balen optou por atuar em duas frentes: ingressou com ação exigindo que o município desaproprie a área e implante a infraestrutura prometida, e contestou os pedidos de reintegração de posse, solicitando que o município seja incluído como réu no processo por ter realizado benfeitorias na área.
— Recentemente o município tentou sair do caso, mas houve despachos contundentes contra. Terminei a desapropriação e vamos para a etapa dois, que é a regularização — defende.
A reunião de quinta-feira (20) serviu como o primeiro passo para a resolução do assunto por meio de um acordo entre as partes. No encontro, além de Balen, estavam presentes o prefeito, Adiló Didomenico, e os secretários de Habitação, Giovani Fontana, e Urbanismo, João Uez, além de integrantes da Procuradoria Geral do Município (PGM).
— Senti um ambiente favorável do prefeito e secretários para um acordo — observa Balen.
Regularização é "caminho sem volta"
De acordo com o secretário da Habitação, Giovani Fontana, o entendimento da administração é de que a solução para o caso passa, de fato, por uma regularização da área. É necessário contudo, avaliar a forma como isso será conduzido juridicamente.
O secretário afirma ainda que o município aguarda a chamada carta geotécnica, estudo da área que aponta, entre outros itens, área de risco aos moradores para dar sequência aos trâmites.
— A posição do governo é de que a regularização é um caminho sem volta, até para evitar um novo Primeiro de Maio (Caso Magnabosco), mas é preciso avaliar juridicamente como fazer — destaca.
As questões abordadas na reunião de quinta-feira (20) serão analisadas pela PGM antes da continuidade das conversas.
Entenda o caso
- Entre o final de 2003 e começo de 2004, cerca de cem famílias deram início à ocupação de uma área, batizada como Monte Carmelo.
- Em 9 de fevereiro de 2004, os proprietários dos lotes 2 (com 39,3 mil metros quadrados) e 3 (com 39,7 mil metros quadrados) ingressaram com uma ação de reintegração de posse na Justiça. Processo que tramita até hoje.
- Dois dias depois (11 de fevereiro de 2004), os donos de uma outra parte da área (o lote 7, com 139 mil metros quadrados) também pediram, judicialmente, a reintegração de posse. Em maio (2004), obtiveram liminar pela reintegração.
- Em 7 de julho do mesmo ano (2004), o então prefeito, Pepe Vargas (PT), declarou o lote 7 "de utilidade pública, para fins de desapropriação", "visando o assentamento de famílias para fins de habitação de interesse social". Como garantia, a prefeitura efetuou um depósito de cerca de R$ 390,3 mil.
- Segundo os moradores, após a publicação do decreto houve um verdadeiro inchaço da ocupação, chegando a mais de mil famílias.
- Em 22 de fevereiro de 2005, o município, já sob a administração de José Ivo Sartori (então, PMDB) requereu na Justiça a suspensão da desapropriação. O parecer do Ministério Público, à época, aponta comportamento contraditório por parte da prefeitura: "De um lado diz que não tem mais interesse na desapropriação; por outro, executa atos próprios de quem está imitido na posse do bem que, segundo o decreto, seria destinado à regularização do loteamento". Fotografias anexadas ao processo mostrariam máquinas da prefeitura realizando obras de arruamento, inclusive, com derrubada de árvores, no mês de junho de 2005, após a manifestação da desistência.
- De lá para cá, a prefeitura teve de pagar aos proprietários pela área desapropriada (lote 7) _ o valor foi superior a R$ 1 milhão _ mas nunca colocou em prática o loteamento com habitações populares e a regularização fundiária.
- Em dezembro de 2019, em audiência de conciliação na Justiça, com intermediação do Ministério Público Estadual, foi apresentada proposta para que os pouco mais de 300 moradores dos lotes 2 e 3 formassem uma cooperativa e adquirissem essas áreas pelo valor de R$ 9,7 milhões. Ficou agendada nova audiência para o dia 19 de março.
- A Associação de Moradores do Bairro (Amob) Monte Carmelo entende que o valor está além do que as famílias poderiam pagar, tenta com que a prefeitura participe do processo. A ideia é um acordo em que o município desaproprie esses outros dois lotes e os moradores paguem à prefeitura o valor de cada terreno.
- Atualmente, a estimativa é de que duas mil famílias morem nos três lotes do Monte Carmelo.