Quando Samanta Nascimento, 42 anos, chegou ao Monte Carmelo, em Caxias do Sul, no início de 2004, o local começava a ser ocupado pelos primeiros moradores. Para acessar a área era preciso passar por uma porteira, aquelas de madeira que costumam ser entradas de propriedades rurais. Mas, foi no decorrer daquele ano, segundo ela, que a ocupação avançou muito e rapidamente.
– Eu conversei com uma pessoa, que era minha conhecida, disse que precisaria de um lote para também ocupar. Ela disse: “compra uma lona e umas coisas para fazer um barraco, como a gente diz, e vem que tem um espaço para ti”. Não paguei um centavo – contou a auxiliar administrativa que acabou entrando para linha de frente da ocupação e anos mais tarde foi líder comunitária.
A moradora acredita que o inchaço na ocupação ocorreu porque muitas famílias que vinham de outras cidades acabavam não conseguindo arcar com o alto custo de viver em Caxias e ainda pagar aluguel.
– Todo o dia ia chegando gente. Não demorou muito tempo, a gente já começou a erguer as casas. Saímos dos barracos de lona e fomos ocupando – lembra Samanta.
Os proprietários de três dos quatro lotes que compõem a área ingressaram com pedidos de reintegração de posse na Justiça – uma ação referente à maior fração (lote 7) e outra referente aos lotes 2 e 3. Sobre um quarto lote não foi encontrado processo associado. O lote 7 acabou desapropriado pelo município, enquanto os outros dois estão sob júdice até hoje. Mas o local é tratado pelos moradores como um só loteamento. Aliás, é consenso que foi dessa mesma forma, como uma única unidade, que a prefeitura tratou o Monte Carmelo ao longo dos últimos 16 anos.Abriu ruas,instalou iluminação pública, implantou coleta de lixo e rede de esgoto pluvial (água de chuva) em algumas vias. O loteamento também recebeu rede de abastecimento de água e de energia elétrica.
Moradores lutam para regularizar os terrenos
É pelo que não foi executado até agora que os moradores estão lutando. Buscam regularizar a situação dos terrenos, ter a posse das casas, um CEP para receber correspondências, melhorias, como ruas pavimentadas e rede de esgoto cloacal, e, quem sabe, unidade de saúde e creche.
– Queremos unir todo o Monte Carmelo em uma causa só, pela regularização da área – declarou Adroaldo Silva, 45 anos, atual presidente da Associação de Moradores do Bairro (Amob).
A gestão defende que a prefeitura passe a fazer parte do processo. Para isso, uma espécie de assembleia foi realizada na manhã do último sábado, na comunidade, com dezenas de moradores e a Balen Advocacia, que representou a família Magnabosco no processo sobre a área ocupada pelo bairro Primeiro de Maio.
Naquele caso, a prefeitura foi incluída como ré por ter realizado benfeitorias no local, semelhantes às que ocorreram no Monte Carmelo.O município perdeu a causa e terá de pagar uma indenização milionária à família. No Monte Carmelo, o escritório deverá ser contratado por cada dono de terreno individualmente, a um custo de R$ 1,2 mil divididos em 12 prestações cada.
– Vamos contestar a ação de reintegração e entrar com uma nova ação incluindo o município nas obrigações dele. Vamos responsabilizar todos que de forma direta ou indireta acabaram contribuindo para esta situação – afirmou o advogado Rodrigo Balen.
O aposentado João Julianti, 71, foi um dos primeiros a se cadastrar na estrutura montada no pátio de uma igreja para atender à comunidade no sábado. Ele mora no loteamento há 15 anos.
– Comprei um pedacinho, meio lote, mas dá (para viver). A gente de idade e sozinho... Se Deus quiser vai dar certo – disse o idoso, apostando na regularização.
Nesta semana, uma comitiva de moradores se reunirá com o vice-prefeito, Edio Elói Frizzo, e com o Secretário de Habitação, Carlos Giovani Fontana, e um representante da Procuradoria do Município para tratar do assunto.
– Vamos ver alternativas possíveis de participação da prefeitura na solução do problema. Entre elas, está a discussão sobre essa possibilidade de como havia sido encaminhado anteriormente, eventual desapropriação (dos lotes 2 e 3) – declarou Frizzo.
A reportagem tentou contato com o advogado que defende os proprietários da área no processo judicial, mas ninguém atendeu às ligações na manhã e tarde de sábado.
– Sabemos que é uma área particular, que os proprietários têm todo o direito de receber esse valor. Ninguém se nega a pagar um preço justo e onde todos garantam ficar com as casas, porque aqui estão todos os anos de trabalho. Então, saber que tem uma reintegração de posse que, em março, se não houver um acordo, podem ser derrubadas nossas casas e a gente ter que sair sem nada, isso nos preocupa.Que o Monte Carmelo seja resolvido o quanto antes para que não venha se alastrar um segundo Magnabosco – argumenta Samanta, uma das primeiras moradoras do local.
Entenda o caso
:: Entre o final de 2003 e começo de 2004, cerca de cem famílias deram início à ocupação de uma área, batizada como Monte Carmelo.
:: Em 9 de fevereiro de 2004, os proprietários dos lotes 2 (com 39,3 mil metros quadrados) e 3 (com 39,7 mil metros quadrados) ingressaram com uma ação de reintegração de posse na Justiça. Processo que tramita até hoje.
:: Dois dias depois (11 de fevereiro de 2004), os donos de uma outra parte da área (o lote 7, com 139 mil metros quadrados) também pediram, judicialmente, a reintegração de posse. Em maio (2004), obtiveram liminar pela reintegração.
:: Em 7 de julho do mesmo ano (2004), o então prefeito, Pepe Vargas (PT), declarou o lote 7 "de utilidade pública, para fins de desapropriação", "visando o assentamento de famílias para fins de habitação de interesse social". Como garantia, a prefeitura efetuou um depósito de cerca de R$ 390,3 mil.
:: Segundo os moradores, após a publicação do decreto houve um verdadeiro inchaço da ocupação, chegando a mais de mil famílias.
:: Em 22 de fevereiro de 2005, o município, já sob a administração de José Ivo Sartori (então, PMDB) requereu na Justiça a suspensão da desapropriação. O parecer do Ministério Público, à época, aponta comportamento contraditório por parte da prefeitura: "De um lado diz que não tem mais interesse na desapropriação; por outro, executa atos próprios de quem está imitido na posse do bem que, segundo o decreto, seria destinado à regularização do loteamento". Fotografias anexadas ao processo mostrariam máquinas da prefeitura realizando obras de arruamento, inclusive, com derrubada de árvores, no mês de junho de 2005, após a manifestação da desistência.
:: De lá para cá, a prefeitura teve de pagar aos proprietários pela área desapropriada (lote 7) – o valor foi superior a R$ 1 milhão – mas nunca colocou em prática o loteamento com habitações populares e a regularização fundiária.
:: Em dezembro do ano passado, em audiência de conciliação na Justiça, com intermediação do Ministério Público Estadual, foi apresentada proposta para que os pouco mais de 300 moradores dos lotes 2 e 3 formassem uma cooperativa e adquirissem essas áreas pelo valor de R$ 9,7 milhões. Ficou agendada nova audiência para o dia 19 de março.
:: A Associação de Moradores do Bairro (Amob) Monte Carmelo entende que o valor está além do que as famílias poderiam pagar, e vai tentar com que a prefeitura participe do processo. A ideia é um acordo em que o município desaproprie esses outros dois lotes e os moradores paguem à prefeitura o valor de cada terreno.
:: Atualmente, a Amob estima que duas mil famílias, em um total de seis mil pessoas, morem nos três lotes do Monte Carmelo.
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