A disponibilização dos recursos federais destinados a regularização de dois loteamentos em Caxias do Sul dependem da conclusão de um estudo de área de risco em andamento na cidade. A análise começou em 2020 e está prevista para terminar em abril. Na sexta-feira (25), o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) oficializou a destinação de R$ 5.824.950,00 para o Monte Carmelo e outros R$ 5.401.050 para o Vergueiros, ambos na zona sul da cidade.
A definição dos próximos passos ocorreu na manhã desta segunda-feira (28) em uma reunião entre representantes do município, o advogado Rodrigo Balen, que representa os moradores das áreas, e a direção de uma empresa de projetos, que ficará responsável pela documentação das áreas e gestão dos recursos.
De acordo com o secretário do Urbanismo de Caxias, João Uez, caberá à prefeitura o incentivo às ações de regularização, a fiscalização da empresa de projetos e o andamento dos trâmites junto ao setor público. Para que os trâmites possam avançar, contudo, é fundamental ter o estudo de áreas de risco em mãos porque ele vai apontar quais imóveis ainda poderão ser habitados e quais famílias precisarão ser realocadas.
— A partir da carta de risco vai se poder definir a forma de alocação dos recursos — explica Rodrigo Balen.
Conforme o advogado, o montante obtido via MDR para o Monte Carmelo, não é suficiente para regularizar todo o loteamento. Por isso, já se cogita a possibilidade de buscar mais recursos em Brasília. Além disso, a intenção também é tentar viabilizar ajuda semelhante a outros loteamentos que também precisam ser regularizados.
O recurso havia sido solicitado em dezembro, quando o presidente do Monte Carmelo, Adroaldo Carniel da Silva, esteve em Brasília. Acompanhado de Balen, ele teve reuniões com deputados, com o senador Luiz Carlos Heinze (Progressistas) e também com representantes do MDR. Na época, eles entregaram uma carta apontando a necessidade de soluções de infraestrutura, saneamento, urbanização e titulação das áreas. O documento acrescentava que os habitantes, por serem de baixa renda, não conseguem promover essas melhorias.
O processo de destinação de recursos acabou incluído no Programa de Regularização Fundiária e Melhoria Habitacional do Programa Casa Verde Amarela. O programa prevê o montante de até R$ 1,4 mil para as famílias arcarem com documentos de regularização dos lotes e outros R$ 20 mil por família para melhorias nos imóveis. Ao todo, são 1,4 famílias no loteamento Mote Carmelo e outras 1,4 mil no Vergueiros.
Inicialmente formado por três lotes privados, o Monte Carmelo começou a ser ocupado entre o fim de 2003 e o início de 2004 em um dos terrenos. Pouco depois, o município desapropriou a área que já tinha construções alegando destinação para a habitação. O procedimento, porém, acelerou a ocupação dos lotes vizinhos, que nunca foram desapropriados. Por conta disso, os moradores são alvo de uma ação de reintegração de posse por parte dos proprietários. O processo teve início assim que as construções começaram.
Nesse cenário, Balen, optou por atuar em duas frentes: ingressou com ação exigindo que o município desaproprie a área e implante a infraestrutura prometida, e contestou os pedidos de reintegração de posse, solicitando que o município seja incluído como réu no processo por ter realizado benfeitorias na área. O advogado afirma, contudo, que com a disponibilização dos recursos federais é possível buscar uma solução negociada para o caso.
— Conseguimos desonerar o orçamento do município — comemora.
Entenda o caso
- Entre o final de 2003 e começo de 2004, cerca de cem famílias deram início à ocupação de uma área, batizada como Monte Carmelo.
- Em 9 de fevereiro de 2004, os proprietários dos lotes 2 (com 39,3 mil metros quadrados) e 3 (com 39,7 mil metros quadrados) ingressaram com uma ação de reintegração de posse na Justiça. Processo que tramita até hoje.
- Dois dias depois (11 de fevereiro de 2004), os donos de uma outra parte da área (o lote 7, com 139 mil metros quadrados) também pediram, judicialmente, a reintegração de posse. Em maio (2004), obtiveram liminar pela reintegração.
- Em 7 de julho do mesmo ano (2004), o então prefeito, Pepe Vargas (PT), declarou o lote 7 "de utilidade pública, para fins de desapropriação", "visando o assentamento de famílias para fins de habitação de interesse social". Como garantia, a prefeitura efetuou um depósito de cerca de R$ 390,3 mil.
- Segundo os moradores, após a publicação do decreto houve um verdadeiro inchaço da ocupação, chegando a mais de mil famílias.
- Em 22 de fevereiro de 2005, o município, já sob a administração de José Ivo Sartori (então, PMDB) requereu na Justiça a suspensão da desapropriação. O parecer do Ministério Público, à época, aponta comportamento contraditório por parte da prefeitura: "De um lado diz que não tem mais interesse na desapropriação; por outro, executa atos próprios de quem está imitido na posse do bem que, segundo o decreto, seria destinado à regularização do loteamento". Fotografias anexadas ao processo mostrariam máquinas da prefeitura realizando obras de arruamento, inclusive, com derrubada de árvores, no mês de junho de 2005, após a manifestação da desistência.
- De lá para cá, a prefeitura teve de pagar aos proprietários pela área desapropriada (lote 7) — o valor foi superior a R$ 1 milhão — mas nunca colocou em prática o loteamento com habitações populares e a regularização fundiária.
- Em dezembro de 2019, em audiência de conciliação na Justiça, com intermediação do Ministério Público Estadual, foi apresentada proposta para que os pouco mais de 300 moradores dos lotes 2 e 3 formassem uma cooperativa e adquirissem essas áreas pelo valor de R$ 9,7 milhões.
- A Associação de Moradores do Bairro (Amob) Monte Carmelo entendeu que era inviável qualquer possibilidade de acordo, já que não se tinha todos moradores como réus e que a responsabilidade do pagamento da área não seria deles. Assim, procurou auxílio jurídico na questão.
- Os moradores contrataram o escritório de advocacia, no início de 2020. Foram habilitados os moradores dos lotes 2 e 3 na Ação de Reintegração de Posse e apresentada contestação, buscando colocar o município como réu, responsabilizando-o pela impossibilidade de reintegração e o pagamento da indenização.
- Além dessa Ação de Reintegração de Posse, tramita hoje, na Justiça, a Ação de Obrigação de Fazer referente ao lote 7, onde os moradores desta parte do Monte Carmelo buscam obrigar o município a cumprir o decreto de utilidade pública e a desapropriação realizada, cujo objetivo era a regularização fundiária plena do local.