As crianças voltam às salas de aula em Caxias do Sul sem a obrigatoriedade de comprovação de que estão vacinadas contra covid-19. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou que a vacina é obrigatória, mas não é forçada. Portanto, o município, a Defensoria Pública, o Ministério Público e o Conselho Tutelar orientam os pais a vacinarem os filhos para retornarem às escolas, mas não podem cobrar legalmente pela vacina.
As escolas do município iniciam o ano letivo no dia 18 de fevereiro, enquanto as instituições privadas têm autonomia para estabelecer seu próprio calendário. Na rede estadual, o retorno é previsto para o dia 21 de fevereiro.
Entre os pais, as opiniões estão divididas. Cláudia Uarth, 38 anos, é mãe de dois adolescentes e duas crianças. Pedro Henrique, 14, e João Gabriel, 12, estão vacinados com duas doses da vacina contra coronavírus. Os gêmeos Rafael e Bruno, nove, ainda não receberam a vacina.
— Eles (gêmeos) nasceram prematuros, e durante algum tempo tiveram alguns probleminhas de saúde. Já aconteceu de terem reações em outro tipo de vacinas e por este motivo me sinto insegura em vaciná-los agora. Já ouvi falar de casos de crianças que vacinaram e ficou tudo bem, mas também de crianças que vacinaram e passaram mal — conta a mãe.
Cláudia ainda não sabe que decisão tomar:
— Por ser recente, sem grandes testes e estar começando agora a vacinação nas crianças menores, eu resolvi esperar mais um pouco. Somente por insegurança mesmo.
Já a empresária Leonice da Fonseca Lorenzzetti, 35, não vê a hora de os filhos Dhionatan, 11 anos e Vítor, cinco, estarem vacinados.
— Só não vacinei ainda porque o mais velho faz tratamento de imunoterapia aí tem um prazo para fazer a vacina, mas os dois vão juntos na segunda-feira (14).
Para ela, a vacina é a maneira de prevenir a doença.
— Se eles pegarem e estiverem vacinados, os sintomas vão ser mais fracos. A vacina está disponível e temos que proteger nossas crianças.
Orientação dos órgãos públicos é vacinar crianças
Município
Mesmo que a vacina contra o coronavírus não seja obrigatória, a Secretaria Municipal de Educação solicitou na matrícula ou rematricula, como em todos os anos, a carteira de vacinação das crianças. Isso porque há vacinas obrigatórias no calendário vacinal e a caderneta é um dos documentos usados para matricular as crianças. Neste ano, as escolas questionaram os pais sobre a vacinação.
— Orientamos as escolas a perguntar e encaminhar os pais para quem tem conhecimento e possa explicar sobre a vacina, que são os servidores da Saúde, a UBS mais próxima da casa da família — esclarece a secretária da Educação, Sangra Negrini.
Ela ressalta que a vacina é um direito universal e um dever do Estado, e lembra que o município tem trabalhado nesse sentido para garantir a vacina às crianças.
— O Estado tem o dever de prestar assistência principalmente na vacina para doenças que são evitáveis. Isso é histórico e com a covid-19 não é diferente. É um direito das crianças e a responsabilidade é dos pais. Contudo, por outro lado há dúvidas e questionamentos que deixam os pais inseguros, por isso focamos em orientações.
Ministério Público
A recomendação do Ministério Público, por meio da Promotoria Regional de Educação, é que as escolas verifiquem se os alunos foram vacinados, e que intensifiquem as campanhas de vacinação:
— A atuação é no sentido de orientar os pais, incentivar a vacinação, informar da segurança da vacina e da importância das crianças estarem vacinadas. Hoje as crianças são uma parte da população vulnerável, porque a maioria dos adultos estão imunizados. É preciso esse incentivo interno, a vacina é segura, isso está comprovado cientificamente — afirma a promotora Simone Martini.
Se chegarem ao MP denúncias sobre o assunto, dentro do que prevê o Estatuto da Criança e Adolescente, o órgão irá atuar. Na decisão do STF, consta que caso alguém se sinta incomodado por conviver com quem não esteja vacinado, pode denunciar. Nesse caso, os pais devem procurar o Conselho Tutelar. Contudo, o próprio STF entende que a vacinação é obrigatória, mas não forçada.
— Já tínhamos ações judiciais antes da pandemia que envolve pais que não vacinaram os filhos com as vacinas que estão dentro do calendário vacinal. Não é uma questão nova no ordenamento jurídico. São pouquíssimas famílias que ainda entendiam de não vacinar, mas a vacina é um direito das crianças e um dever dos pais. Hoje será na mesma linha de atuação. A diferença é que a vacina contra covid-19 não está no calendário, mas já se tem o entendimento do Supremo sobre ela não ser forçada, mas obrigatória.
Defensoria Pública
O titular da 10ª Defensoria Pública de Caxias do Sul, com atuação perante o Juizado de Infância e Juventude, Raphael Varella Coelho, também reitera que a vacinação é um direito das crianças. Contudo, ele frisa que a criança não pode ser privada de ser matriculada ou frequentar a escola, caso ocorra o obrigatoriedade da vacina, porque cabe aos pais a decisão.
— É uma questão nova porque a vacina contra a covid-19 não é obrigatória, mas entendo que a vacinação é uma medida de proteção, e que protege a coletividade. Por outro lado me parece que é uma obrigação da escola informar ao Conselho Tutelar sobre pais que não levaram as crianças para a realização da vacina contra covid-19 para que aí sejam adotadas medidas, até mesmo de orientação aos pais sobre a necessidade da imunização.
Conselho Tutelar
O Conselho Tutelar tanto da Região Sul quanto do Norte também pretendem fortalecer as campanhas para que os pais vacinem os filhos. Ele ressalta que, como não é obrigatório, o órgão não tem como notificar as famílias, apenas orientar:
— Recomendamos que as famílias que não vacinaram as crianças procurem o pediatra da criança, para que ele esclareça dúvidas e fale com eles sobre a importância de vacinar. O médico terá a base e a propriedade, assim os pais não ficam com o achismo, e sim conversando com um especialista — explica o conselheiro tutelar Josué Orian da Silva, da Macrorregião Norte.
O representante da Macrorregião Sul, Cassiano Fontana, também orienta os pais a vacinarem os filhos.
— Mesmo não sendo obrigatória entendemos que todos têm que ser vacinados, mas sabemos que é uma decisão de cada núcleo familiar. Caso tenham denúncias referentes a não vacinação vamos avaliar cada situação.
Em relação às demais vacinas que estão no quadro vacinal, e são obrigatórias, o Conselho Tutelar segue atuando, e pode notificar e responsabilizar os pais.
Números
:: Não há números detalhados da vacinação de crianças e adolescentes em Caxias, o que dificulta um cruzamento de dados sobre quantos estudantes estão vacinados, por exemplo. Dá sim para se ter uma ideia de como está a imunização desse público com base em informações nos painéis de vacinação de Caxias do Sul e do Estado.
:: Segundo dados de sexta-feira (11) da Secretaria Municipal da Saúde, 10.699 crianças de 5 a 11 anos receberam a primeira dose para uma população estimada de 49,3 mil, o que corresponde a 21,68% do público infantil _ não há informação sobre adolescentes. Considerando que a rede municipal e estadual de educação atende mais de 65 mil alunos, entre crianças e adolescentes, significa que a campanha ainda está longe de obter um resultado esperado. Não há dados de quantos estudantes estão matriculadas nas escolas particulares.
:: O painel da Secretaria Estadual da Saúde (SES), por sua vez, traz informações sobre o percentual atingido até o momento por faixas etárias. A campanha, segundo a SES, conseguiu alcançar até sábado (12) 19% de crianças de cinco a nove anos e 20% de crianças de 10 a 11 anos com a primeira dose. No caso dos adolescentes, 71% do público já foi vacinado na faixa de 12 a 14 anos com a primeira dose e 68% recebeu a imunização na faixa de 15 a 17 anos, indicando que essa população está mais avançada por um fato específico: a campanha começou bem antes, em setembro do ano passado.