Nos últimos nove anos, as noites de céu estrelado e o ar puro de cada amanhecer fizeram parte da rotina do padre Gilnei Antonio Fronza, enquanto reitor do Santuário de Caravaggio, no interior de Farroupilha. Preparando-se para deixar o cargo, em fevereiro de 2022, o religioso afirma ter experimentado pessoalmente a energia e o acolhimento que o local, onde trabalha e mora, é capaz de proporcionar. Após uma decisão da Diocese de Caxias do Sul, tomada com base em um pedido dele, o templo que ele considera um verdadeiro patrimônio espiritual teve anunciada a troca de reitoria, que será consolidada em fevereiro, com a chegada de seu sucessor, o atual pároco da Paróquia Santo Antônio, de Bento Gonçalves, padre Ricardo Fontana.
A justificativa do afastamento: descanso. Isso porque os momentos de contemplação, que ele faz questão de manter, marcam o início e o final de jornadas diárias à frente da gestão do local, referência para milhares de fiéis, peregrinos e turistas, com missas diárias, assim como das comunidades abrangidas pela paróquia, que contam com celebrações aos finais de semana.
— O trabalho aqui é intenso e, soma-se a isso, uma pandemia, com dois anos de muita exigência, porque mesmo quando esteve de portas fechadas o Santuário nunca parou. Este período de retomada exige novas respostas. O Santuário precisa de continuidade e não de "continuísmo" — afirma o padre, que ficará afastado por quatro meses, na companhia de familiares.
Ele diz que também pretende, neste período de descanso, reciclar-se em relação aos estudos para, posteriormente, assumir uma nova missão religiosa que ainda será definida pela diocese e que, eventualmente, o sirva em outras atividades mais voltadas ao contato com os fiéis, algo que ele diz sentir mais presente fora da parte administrativa, nas missas que celebra, pelo menos, uma vez ao dia.
— Tenho o privilégio e a responsabilidade de estar aqui. É um trabalho exigente por toda a demanda, mas que procuro fazer com muita gratidão. Ser reitor é cuidar da espiritualidade de uma região, este é um centro que irradia muita fé, um patrimônio espiritual pelo qual zelamos. Quero sair daqui não por achar que fiz muitas coisas, mas porque experimentei o silêncio e a solidariedade. Acho que essa é a grande lição que fica para quem vive Caravaggio — afirma.
— O percurso de um padre não é para o sucesso: tem que visitar, fazer aquilo que precisa ser feito, dentro do respeito e dignidade humanas, e seguir em frente, dentro daquilo que o lugar e a caminhada inspiram. Agradeço pela grande oportunidade que tive — relata o padre, que é natural de Bento Gonçalves, foi ordenado em 1989 e, mesmo não almejando o sucesso, tem sido reconhecido pelas comunidades que integram sua trajetória.
De seu período como reitor do Santuário, ele destaca algumas das experiências que lhe foram mais marcantes e ressalta que, de todas as ações realizadas ao longo de sua gestão, nenhuma resta como definitiva, acreditando que a Igreja, essencialmente, para ser ela mesma, precisa mudar sempre.
— A coisa mais marcante que temos aqui é a expressão dos fiéis. Tudo que tem aqui em termos de obras pode ser refeito, desconstruído, alterado. Mas não tem nada que vale mais que os romeiros chegando e encontrando um lugar de paz e simplicidade. Quando tu tens problemas e busca algo, não quer burocracia, quer chegar em um lugar e se sentir em casa. De mãe, a gente só leva o amor e acho que as pessoas que passam por aqui só precisam disso: sair se sentindo amadas. As outras questões que vamos desenvolvendo nesse contexto são momentâneas, por temporada, por isso o dinamismo. A Igreja tem que mudar para ser ela. Quando algo fica estagnado, apodrece. O dinamismo, a criatividade, são as ações do espírito na vida da gente — completa.
Momentos que marcaram:
:: A polêmica da estátua
Ao assumir a reitoria do Santuário, padre Gilnei esteve automaticamente inserido em uma situação polêmica relacionada à estátua de Nossa Senhora de Caravaggio instalada ainda em 2008 na rótula de acesso à localidade, na RS-453. As críticas quanto à beleza e harmonia da santa, que ficou conhecida como "santa feia" começaram logo após sua inauguração. A primeira versão passou por nova plástica, com qualidade estética novamente questionada pela comunidade. Por isso, o Santuário encomendou uma nova estátua para ocupar a rótula. A partir daí, o Santuário decidiu remodelar a antiga imagem, que foi instalada em um jardim onde ocorrem orações ao ar livre.
De acordo com o padre Gilnei e as mudanças referentes à imagem da santa impulsionaram um olhar estético-religioso por parte da administração em relação ao Santuário, que também passou por intervenções que tiveram como objetivo reforçar o aspecto acolhedor do ambiente.
:: O desafio e a beleza das romarias
A romaria de Nossa Senhora de Caravaggio, em maio, já soma 142 edições. Dos nove anos capitaneados pelo padre Gilnei, pelo menos quatro foram, de certa forma, diferenciadas em função das circunstâncias. O reitor lembra da edição de 2017, quando fortes chuvas prejudicaram a programação e, mesmo sob recomendação de não se deslocarem, milhares de fieis compareceram ao Santuário.
— Cerca de 70 mil pessoas compareceram. Não chegou nem perto da quantidade de outras edições, mas foi uma das mais intensas — relembra o padre, citando também a edição de 2018, impactada pela greve dos caminhoneiros que, naquela época, parou diversas atividades no país, bem como as duas edições mais recentes, que contaram apenas com celebrações virtuais em função da pandemia.
— A romaria é presencial, não tem como ser diferente, nada iguala aquela multidão de pessoas chegando. Isso é pedagógico, é essencial para o Santuário. Ainda assim, percebemos que o perfil do romeiro está mudando. Não é mais só no dia da festa que eles se deslocam. Todos os finais de semana temos muita gente chegando por aqui — comenta.
:: Acolhimento na pandemia
A manutenção do vínculo com os fiéis por meio das celebrações online marcou diversas comunidades religiosas que tiveram as atividades presenciais impactadas pelas restrições da pandemia. No Santuário de Caravaggio não foi diferente.
— Vimos que a adesão foi grande porque as pessoas precisavam estar aqui mesmo que fosse virtualmente — avalia o padre.
Para além da continuidade das missas, ainda que de forma remota, o Santuário também reconheceu e acolheu a dor de familiares de pessoas que morreram em função da covid-19. Em março deste ano, quando o país passava de 600 mil mortes ocasionadas pela doença, a instalação de mil cruzes em frente ao templo gerou polêmica.
— Dissemos que estávamos juntos, que o Santuário acolhe esta dor e reza junto com isso. Nossa postura sempre foi de ajudar a cuidar da vida e a cruz foi escolhida, como símbolo da dor, da perda, mas também da esperança e da ressurreição. O Santuário não se omitiu e continua acolhendo fiéis, especialmente neste momento de luta e de dor — declara o padre.
Trabalho pela acolhida deve continuar
Nomeado pelo bispo diocesano Dom José Gislon, no dia 26 de novembro, o padre Ricardo Fontana deve participar de reuniões de transição nas próximas semanas. Isso porque, além de se integrar às equipes do Santuário, ele também precisa passar as funções que exerce hoje na Paróquia e Santuário Santo Antônio, de Bento Gonçalves, ao seu substituto, padre Volmir Comparin — que atualmente é pároco na Paróquia São Brás, em Paraí.
— Ainda não estivemos juntos, mas já senti uma boa acolhida por parte do Santuário de Caravaggio. Neste primeiro momento quero conhecer bem a realidade e me integrar à equipe. Não sei ainda o que significa ser reitor mas sinto que trata-se de um elo de unidade, que agregue forças para que o peregrino se sinta bem acolhido — afirmou o padre.
OUTRAS TRANSFERÊNCIAS E NOMEAÇÕES DA DIOCESE
:: Pe. Olavo Bombardelli: pároco da Paróquia Jesus Ressuscitado, em Farroupilha.
:: Pe. Volmir Comparin: pároco da Paróquia e Santuário Santo Antônio, em Bento Gonçalves.
:: Pe. Moacir Canal: pároco de São Roque e Nossa Senhora do Rosário, em Bento Gonçalves.
:: Pe. Vitor Cittolin: pároco em São Francisco de Assis, em Monte Belo do Sul.
:: Pe. Daniel D’Agnoluzzo Zatti: pároco da Paróquia São Ciro, em Caxias do Sul.
:: Pe. Rubens Brun: pároco da Paróquia São José / Desvio Rizzo, em Caxias do Sul.
:: Pe. Juarez Baresco: pároco da Paróquia Menino Deus, em Caxias do Sul.
:: Pe. Jadir F. Dagnese: pároco da Paróquia São Brás, em Paraí.
:: Pe. Adelar Zanetti: vigário paroquial das Paróquias São Roque e Nossa Senhora do Rosário / Faria Lemos, em Bento Gonçalves.
:: Pe. Miguel Mosena: vigário paroquial da Paróquia Cristo Rei, em Bento Gonçalves.
:: Pe. Norbeto Coltro: vigário paroquial das Paróquias Sagrada Família e São Vicente de Paulo, em Caxias do Sul.