Acostumados a utilizar o cartão para pagar a passagem nos ônibus do transporte coletivo urbano, usuários do serviço em Caxias do Sul estão tendo uma surpresa desagradável quando chegam na catraca: os valores disponíveis até pouco tempo atrás sumiram do vale-transporte, inviabilizando o pagamento para usar o coletivo na cidade.
A agente de monitoramento Daniela Velozo dos Santos, 43 anos, perdeu R$ 1.104,25 que tinha acumulado no vale-transporte durante três anos. Diagnosticada com um câncer em 2018, ela continuou recebendo o benefício da empresa em que trabalha mesmo afastada do trabalho. Chegou a ter quase R$ 2 mil reais acumulados. Além disso, por ser do grupo de risco, passou os últimos dois anos sem usar o transporte coletivo porque permaneceu mais tempo em casa durante os momentos mais críticos da pandemia.
Na última quarta-feira (08), ao pegar um ônibus da linha Cidade Industrial para se deslocar ao Hospital Geral para o tratamento da doença, teve o pagamento negado pelo sistema de bilhetagem.
— Passei o cartão e a leitora informou saldo insuficiente, sendo que eu havia usado há pouco tempo e sabia o valor que tinha disponível. Tentei aproximar o cartão várias vezes porque achei que fosse um problema na catraca. Questionei a cobradora se os créditos expiravam, mas ela não sabia me dizer e me orientou procurar atendimento na EPI. Lá, uma moça viu no sistema que eu tinha bastante crédito, mas não soube me explicar o que estava acontecendo — relata ela, que chega a usar seis ônibus quando se desloca de casa até à unidade de saúde.
Daniela procurou atendimento na central da Visate. Na leitora disponível dentro da unidade, que serve para os usuários conferirem o saldo no cartão após a compra, o sistema informou que ela possuía R$ 1.104,25 disponível. Nos guichês, uma funcionária da empresa relatou que os créditos haviam expirado porque um acordo entre prefeitura e Visate estabelece que os valores disponíveis no cartão vencem quando não são utilizados dentro de um ano (leia mais abaixo).
— Nunca explicaram isso pra ninguém e entendo que o valor é meu, eu que paguei porque é descontado na folha de pagamento. Me retiraram quase um salário mínimo. Todo mundo está passando por dificuldade e retiram o dinheiro de uma hora pra outra — afirma.
Outro passageiro que se deparou com o mesmo problema enfrentado por Daniela foi o autônomo Cristiano de Oliveira Artismo, 35 anos. No último dia 02 de dezembro, ele embarcou por volta das 21h em um ônibus da linha Nossa Senhora das Graças quando o sistema de bilhetagem informou que não havia saldo suficiente para o pagamento da passagem.
Segundo ele, ao longo de mais de quatro anos, acumulou R$ 3.334,95 em créditos que deveriam estar disponíveis para utilização do serviço. Um extrato emitido pela própria Visate e entregue a ele mostra o valor.
— Falei para o motorista que eu tinha mais de R$ 3 mil no cartão e ele riu de mim achando que eu estava mentindo. Tive que descer pela porta da frente, porque não tinha dinheiro em mãos. Fui até a Visate e me informaram que o sistema mudou e muitos cartões foram zerados — explica.
Artismo fez uma postagem no Facebook relatando o problema e onde outros internautas se manifestaram alegando enfrentar o mesmo problema.
— Eu quero resolver numa boa, só quero o que é meu porque eu paguei por aquilo. As pessoas precisam ser avisadas, não serem pegas de surpresa e não encontrarem respostas quando tenta encontrá-las — resume.
Procon recebeu 10 reclamações e pediu informações à secretaria de Trânsito
O Procon de Caxias do Sul recebeu, até o momento, 10 reclamações de usuários do transporte coletivo que tiveram os créditos retirados do vale-transporte nas últimas semanas. Segundo o coordenador do órgão, Jair Zauza, a Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM) se comprometeu a encontrar uma saída para solucionar o impasse e permitir que o Procon dê uma resposta aos usuários que foram lesados pela mudança.
— A nossa instrução é que seja criado um critério sobre a validade dos créditos, que realmente não podem ter uma validade eterna. Mas entendemos que nesses casos que surgiram não se teve divulgação, o consumidor não foi informado sobre isso, até para que ele se organize. Para as novas vendas de créditos, é necessário orientar no momento da compra. Como qualquer mercadoria, o consumidor tem o direito a saber até quando vale.
Zauza afirma que o Procon buscará com que os passageiros prejudicados pela retirada dos créditos tenham os valores reativados no vale-transporte para que, então, sejam orientados sobre qual é o novo prazo de validade do recurso.
— Pelo que conversamos com o secretário (de Trânsito), provavelmente haverá a devolução. Mas isso será feito depois de alinhar com a secretaria de Trânsito e com a Visate para definir até quando esses créditos estarão disponíveis e para que essas pessoas sejam informadas. Dessa forma, estará dentro do que o Código de Defesa do Consumidor prevê — afirma.
Novo contrato estabelece validade dos créditos em um ano e extinção de valores anteriores
Adotado em outras cidades brasileiras, o prazo de validade dos créditos do vale-transporte está previsto no edital de licitação lançado neste ano para contratação do serviço de transporte coletivo. O certame foi vencido pela Visate, concorrente única, que realizará o serviço por mais 15 anos e podendo ser prorrogado por mais 10.
De acordo com o documento, elaborado pela prefeitura, o prazo de validade busca garantir à empresa concessionária o mínimo de previsibilidade de receitas e de utilização do serviço, "evitando-se comportamentos imprevisíveis na ocupação dos veículos e na receita do sistema em determinados períodos e ao final do contrato de concessão, impactando negativamente na qualidade dos serviços prestados".
Ainda conforme o edital, os créditos adquiridos a partir da entrada em operação do novo sistema, ou seja, em 13 de maio de 2021, serão validos por até 360 dias. A partir desse período, os valores serão extintos. O documento prevê também que o montante financeiro referente a esses créditos invalidados deverão retornar ao sistema como forma de subsídio.
O contrato entre a prefeitura e a Visate estabelece ainda que os créditos adquiridos durante a vigência do contrato de concessão anterior deveriam ser invalidados a partir do início de operação do novo sistema. Entretanto, os cortes estariam começando agora, cerca de seis meses após a vigência do novo contrato.
Procurado pela reportagem do Pioneiro, o secretário de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM), Alfonso Willenbring Júnior, preferiu não dar mais explicações sobre o assunto. Uma reunião entre a SMTTM e a Procuradoria-Geral do Município (PGM) está agendada para a próxima segunda-feira (13) e buscará uma alternativa para não prejudicar a comunidade que utiliza o cartão e que não foi informada sobre a existência de um prazo de validade dos créditos.
A Visate também não quis se posicionar sobre o tema.