Ser ouvido e buscar seus direitos. São estes princípios inerentes da cidadania que foram reforçados com a instalação da Defensoria Pública em Feliz, a última das 165 comarcas gaúchas a contar com o serviço público de assistência jurídica. Algumas pessoas procuram o serviço por causa de casos graves, como a necessidade de atendimentos médicos e uso de medicamentos, outras são histórias mais simples, por vezes, de conflitos familiares, mas todos são pedidos de ajuda em que fica evidente a importância do Poder Público também como uma forma de estar mais presente na comunidade.
As atividades em Feliz iniciaram em 23 de agosto. A equipe é composta pelo defensor público Raphael Varella Coelho, uma técnica administrativa e um estagiário. Apenas três servidores, mas que já são capazes de fazer uma grande diferença na vida da população mais vulnerável. Neste primeiro mês, foram quase 100 atendimentos. As demandas mais comuns envolvem questões de família, como pedidos de alimentos, divórcio e guarda, ou de saúde.
— Sempre existe um represamento quando a Defensoria não está presente. Mesmo que não seja latente. Há questões que só começam a aparecer depois que a Defensoria é instalada. As pessoas começam a, recorrentemente, buscarem os serviços. Elas começam a aprender os seus direitos — salienta Coelho, que é titular em Caxias do Sul e, nas segundas-feiras, atua em deslocamento em Feliz.
Um dos que procuraram a Defensoria nesta semana foi o pedreiro Jeferson Bueno Soares, 38 anos. Ele queria resolver o seu divórcio para poder oficializar sua relação com a nova companheira. Na conversa, o defensor público também lhe aconselhou sobre os direitos e deveres com seus filhos.
— Fiquei sabendo que abriu na Defensoria na região e já estava afim de resolver estas questões do meu casamento. Faz mais de 10 anos que estou separado, só que tudo era um custo. Surgiu a oportunidade. Sou grato pela força que estão me dando. Essa orientação deixa a gente mais tranquilo. Já saio satisfeito — agradeceu, mesmo antes de ter resolvido sua questão.
A história de João Rubens Gonçalves de Oliveira, 57, é um pouco mais delicada. Ele busca ajuda para os pais, de 81 e 84 anos, que acreditavam estar fazendo um bom negócio quando venderam suas terras no Paraná, mas se sentiram enganados. Por isso, eles tiveram que se mudar para Feliz e pedir ajuda ao filho.
— A gente talvez não saiba ou não tenha recursos para buscar outros meios. Que bom agora ter (a Defensoria) em Feliz. Assumi o compromisso com meu pai e minha mãe de resolver esta situação, que é algo essencial para eles. Irei correr aonde for preciso, mas agora nos sentimos mais tranquilos, com esperança que dará tudo certo — desabafou Oliveira.
Prioridade ao atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade
Como instituição, a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul foi criada em 1994. Sua missão, prevista na Constituição, é de oferecer a orientação jurídica, promover os direitos humanos e a defender os direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, das pessoas em situação de vulnerabilidade.
Infelizmente, a crise nas finanças do Estado sempre atrasou a contratação de defensores, o que ocasiona de comarcas, onde há um Fórum com juiz e um promotor de Justiça designados, não terem representantes da Defensoria. Neste ano, a instituição se mobilizou para ampliar seus atendimentos pelo interior gaúcho. Atualmente, há 36 comarcas que são atendidas por servidores em deslocamento.
— Gostaríamos, todos defensores, de sermos em número dobrado no estado. Para, em todos os atendimentos, conseguirmos dar este acolhimento, este espaço, esse lugar de fala para que as pessoas sejam ouvidas. Muitas vezes, o que a pessoa precisa é falar. Ela traz uma demanda descabida, que não há nada que possa ser feito (juridicamente) e, no fundo ela sabe disso, mas precisa falar. Se sentir ouvida dá um tom de cidadania para a pessoa. Ela se sente exercendo um direito. E sente este alívio de saber que fez tudo o que podia — destaca Coelho.
A Defensoria Pública em Feliz funciona na Rua Tiradentes, 630, sala 408, no Centro. O telefone de contato é o (51) 3637-1535. O defensor público atua presencialmente apenas nas segundas-feiras, mas a equipe está disponível à população em horário comercial.
Compromisso com os Direitos Humanos
O auxílio jurídico gratuito é destinado às pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, social ou jurídica. Em comarcas que não contam com um defensor público, as pessoas que têm condições de custear o pagamento de um advogado precisavam ir ao Fórum e aguardar que o juiz nomeie um advogado dativo.
— É um profissional que recebe um valor pré-estabelecido para patrocinar o interesse dessa pessoa. Sem críticas ao dativo, mas, infelizmente, era dessa maneira. Não havia uma instituição pública que prestasse esse serviço público em Feliz — comenta o defensor Coelho, que, na comarca, também é responsável por atender a comunidade de Alto Feliz, Linha Nova, São Vendelino e Vale Real, o que representa uma população total de 27 mil pessoas.
A principal diferença de uma advogado dativo para um defensor público está na vocação. O bacharel em Direito que escolhe ingressar na Defensoria Público assume um compromisso de promover os direitos humanos e sempre defender aqueles que mais precisam. É uma missão de ser uma força viva na comunidade, com um olhar diferenciado para atender as necessidades coletivas.
"É importante saber onde conseguiremos ajuda"
Uma das cidadãs que já teve sua necessidade atendida foi a dona de casa Loiva Munchen, 45, que conseguiu remédios para a mãe Dulce Munchen, 79. Ela procurou a Defensoria no dia 24 de agosto e levou a documentação necessária na semana seguinte. A ação foi protocolada no dia 1º de setembro e uma liminar concedida dois dias depois. Em breve, após os trâmites necessários, os medicamentos deverão ser garantidos pelo Governo do Estado.
— O que pedimos é a medicação para trombose numa perna da minha mãe. A caixa só dura uma semana, o se torna caro. É mais de R$ 1,2 mil por mês. Ela mora longe (na vizinha Alto Feliz), precisamos contratar uma acompanhante para ajudar na casa e ela precisa de outras medicações, mesmo com a nossa ajuda, a renda não chega. Mas, ela não pode ficar sem. Todos temos direito à saúde. É importante saber onde conseguiremos ajuda — destaca Loiva.
A recomendação do médico cardiovascular é que Dulce tome o remédio por seis meses, quando será feita uma reavaliação. Anteriormente, a família já havia procurado um advogado dativo para solucionar o caso. Desta vez, ficaram sabendo da chegada da Defensoria e por isso foram buscar ajuda e orientação.
— Feliz é um município tão desenvolvido e tão bom de se morar, realmente faltava este tipo de serviço. No dia em que estive lá, vi outras pessoas pedindo ajuda. Tinha uma moça que não queria que o pai recebesse alta médica sem uma cirurgia que precisava. É tudo muito novo, não está no conhecimento da população, mas acredito que será maravilhoso para toda a cidade contar com esta ajuda — enaltece Loiva.