A Assembleia Legislativa aprovou a criação de 21 novas Defensorias Públicas regionais no Rio Grande do Sul. Esse é o primeiro passo para garantir as necessidades básicas da população via Justiça em municípios que hoje só recebem o suporte de um assessoramento jurídico gratuito uma vez por semana. Na Serra, a medida beneficiaria as comarcas de Antônio Prado, Carlos Barbosa e São Marcos, que hoje dependem do atendimento dos servidores de outras cidades. Mais do que um serviço sem custos, um defensor público é uma força social para garantir direitos de inúmeras famílias de baixa renda.
Municípios que não possuem um defensor público são atendidos por um representante de outra cidade. As necessidades de Antônio Prado, por exemplo, são respondidas pelo defensor Juliano Viali dos Santos, que é lotado em Flores de Cunha. Uma vez por semana, ele percorre os 33 quilômetros pela RS-122 e tenta resolver todas as urgências da comunidade.
— Tento resolver todo o trabalho que seria de uma Defensoria integral. Aqui, só fazemos apagar incêndio. São as situações mais graves. Já cheguei a atender 34 pessoas. Antes da pandemia, era de manhã atendimento e de tarde as audiências porque é o único dia que estou aqui e, assim, o juiz agendava. Nos intervalos das audiências, respondia a essa pilha de arquivos, a chamada carga processual. É uma rotina intensa — relata Santos, que cumpre essa missão desde 2011.
Cabe ressaltar que uma comarca não atende apenas a uma única cidade, mas também recebe demandas de comunidades vizinhas que não possuem um Fórum. Na prática, Santos é responsável por cinco municípios: Nova Pádua, Nova Roma do Sul e Ipê, além de Flores da Cunha e Antônio Prado — que somam cerca de 57 mil habitantes que, em tese, poderiam procurar o atendimento do único defensor público disponível.
Atualmente, o Rio Grande do Sul possui 36 comarcas que são atendidas por servidores em deslocamento. São cidades que contam com um juiz e um promotor de Justiça, mas não com um defensor público. É uma falha histórica.
— A demanda já existe nesses municípios, não é uma questão de escolha nossa. Já está estabelecido pela existência da comarca. É uma questão histórica: a Defensoria é uma instituição mais recente (foi instalada em 1994) e as dificuldades do Estado vão se avolumando. Hoje, há praticamente o dobro de promotores (representantes do Ministério Público) em relação aos defensores. Por isso, esses projetos de lei são importantes porque permitem a estruturação que já estamos em dívida com a sociedade — opina Rafaela Consalter, subdefensora pública-geral para assuntos institucionais.
O projeto de lei na Assembleia Legislativa, votado no último dia 17, é o primeiro passo. Agora, depende da sanção do governador Eduardo Leite (PSDB). Com os novos cargos aprovados, será preciso um concurso público para contratação de defensores públicos. Cumprindo todas as etapas de forma célere, as novas Defensorias poderiam atuar em tempo integral a partir de 2023.
— Irá demorar. O espaço já existe. São estruturas enxutas, mas que possibilitam o atendimento. As comarcas estão preparadas para receber o novo cargo. Claro, todo esse movimento depende da sanção do governador e da criação das vagas. O projeto já é importante porque garante essa estruturação institucional para os próximos anos — explica a defensora Rafaela.
Fazer as pessoas conhecerem seus direitos é um desafio do defensor público
Em Antônio Prado, a Defensoria Pública funciona dentro de uma sala do Fórum. O defensor Santos conta com o apoio de um técnico e um estagiário, que recebem as demandas e agendam os horários com a população. Nesse ano, a equipe já realizou 2.903 atendimentos, encaminhou 1.131 peças processuais eparticipou de 26 audiências judiciais.
A missão da Defensoria Pública é de promoção dos direitos humanos e de defesa dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, às pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, social ou jurídica. Entre as ações mais comuns, estão pedidos de medicamentos, vagas em creche, abrigo para vítimas de violência, entre tantas outras orientações jurídicas. O volume em Antônio Prado é tanto que o defensor Santos diz não ter tempo para conhecer melhor a cidade.
— Fico restrito a dentro da estrutura. Nossa rotina em deslocamento é reativa. O que tem prazo, tenho que fazer. Não sou proativo. Defensoria em deslocamento é uma pseudodefensoria. Fazemos pouco, o que basta só para a pessoa que vem aqui conseguir um remédio ou um aluguel social, mas algo mais proativo, que irá fazer a diferença na vida da comunidade, só quando tiver um defensor integral — relata.
Um exemplo é a própria chegada do defensor público na cidade, em 2011. Na ocasião, Santos deu uma entrevista para a rádio local e falou sobre o direito de crianças enquanto os pais trabalham. No expediente seguinte, havia uma fila de mais de 10 pessoas que tinham ouvido a rádio e buscavam por atendimento.
— O bom defensor tem que ter filtro no olhar e no ouvido. Escutar algo e dizer que isso não está certo. Mesmo que a pessoa não se dê conta. Quando circula e interage com a cidade, conhece mais. Mais que isso, é atribuição nossa fiscalizar instituições de ensino e ver como estão as crianças, mas não consigo. O defensor é orgânico da cidade, pode e deve ajudar a melhorar muita coisa para a comunidade — ressalta.
Outro caso de repercussão foi a história do menino de 11 anos que doou ao hospital da cidade R$ 21,45 arrecadados com a venda de latinhas. A família vivia em uma moradia precária e à beira da fome, situação que o defensor ficou sabendo pela imprensa, interveio e conquistou um aluguel social para eles.
— Após a repercussão dessa notícia, tive que fazer mais cinco ações de aluguel social. São situações terríveis, pessoas que moram em condições horríveis. Toda a repercussão leva as pessoas a saberem os seus direitos e aumenta a procura da Defensoria. É papel do defensor levar esse conhecimento, afinal estamos aqui por quem mais precisa. Só que, com o tempo limitado, fica difícil — lamenta o Santos.
O defensor admite que só consegue fazer ações preventivas e de educação em Flores da Cunha, cidade em mora e atua quatro dias por semana. Claro, a demanda no município de 31 mil habitante também é bem maior.
— Quando conseguirmos prover esses cargos, a comunidade da comarca maior também será beneficiada. O colega poderá se dedicar integralmente à demanda local, sem precisar se deslocar. É um beneficio amplo — salienta a subdefensora pública-Geral.