Um levantamento inédito estima que há cerca de 8 mil pessoas com algum tipo de deficiência em Caxias do Sul. Destes, 3.731 foram identificados depois da aplicação de um questionário encaminhado a escolas, universidades, postos de saúde, serviços, empresas e entidades do município.
Os dados foram apresentados na manhã desta sexta-feira (27) no auditório da prefeitura durante o encerramento da Semana da Pessoa com Deficiência. Contudo, a pesquisa, que durou mais de três anos, e foi organizada pelo presidente do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência, José Carlos dos Reis, estima que há pelo menos o dobro de PCDs no município.
Ainda conforme a levantamento, a maioria dos 3.731 frequenta ou concluiu o ensino fundamental e médio. Uma parcela não tem ou não necessita de auxílios como Benefício de Prestação Continuada, Bolsa Família ou Passe Livre. A necessidade de órteses, óculos, muletas e bengalas é superior a de meios auxiliares de locomoção, como a cadeira de rodas.
Além disso, essa parcela da população tem dificuldades no acesso de consultas com especialistas como fonoaudiólogos e fisioterapeutas. Já na escola, o maior problema são os recursos pedagógicos e o acesso ao Atendimento de Educação Especializado (AEE) no contra turno da escola e de material adaptado nos diversos espaços escolares.
— Infelizmente, somente 48% das respostas aos questionários retornaram. Foi um trabalho árduo porque lá em 2018 não tivemos o apoio da prefeitura. Com a ajuda de funcionários da Casa da Cidadania começamos a encaminhar os questionários. Muitos deles eram respondidos e enviados para a prefeitura, o que dificultava o avanço, outros voltavam em branco ou com o envelope vazio. Em 2020 conseguimos uma secretária para o Conselho, e então começamos a tabular os dados para mapear _ explica o presidente do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência, José Carlos dos Reis.
Alipas, Reis abriu o evento nesta manhã de uma forma curiosa. Para mostrar a importância de pequenos ações, capazes de incluir pessoas com deficiência, ele descreveu como é a prefeitura e como foi chegar até o auditório, que fica no terceiro andar. Em seguida, falou sobre o espaço, citando a cor das paredes cores, como são as cadeiras, e finalizou descrevendo suas características físicas e como ele estava vestido.
— A inclusão é necessária no dia a dia. Para buscar políticas públicas eficientes nós precisávamos desses dados. Agora, precisamos que as pessoas abram os corações para promover mudanças — afirmou Reis.
O mapeamento
O mapeamento quer mostrar quem são, onde estão e do que precisam essas pessoas para encaminhar políticas públicas para cada tipo de deficiência, promovendo maior acessibilidade. Pelo levantamento, a maioria dos PCDs é do sexo masculino. O documento divide as faixas etárias da seguinte forma: de 3 a 10 anos, de 11 a 20 e de 21 a 30, que coincide com as etapas de escolarização e ingresso no mercado de trabalho, que são justamente os espaços onde foram aplicados os questionamentos.
O maior número de pessoas identificadas nesta amostragem é portador de deficiência intelectual. Em seguida estão os autistas. Já na deficiência física, os dados apontam volume elevado, segundo o Conselho, em função da inclusão de adultos amputados e pessoas com sequelas após sofrer Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Na relação repassada pelas unidades básicas de saúde (UBSs), aparece um número alto de deficientes visuais, mas nessa relação encontram-se pessoas que usam óculos. Esse mapeamento substitui dados defasados do censo demográfico do IBGE de 2010, em que constava que 23% dos moradores de Caxias possuem alguma deficiência, sendo a maior parte delas a visual.
— O que tínhamos antes era vago, se referia ao Estado, e não a Caxias. Agora estamos mais próximos da realidade — acredita José Carlos dos Reis.
Buscar melhorias e promover mudanças
Depois da apresentação dos dados ao prefeito Adiló Didomenico (PSDB) nesta sexta, o Conselho irá mostrar o levantamento aos conselheiros e às entidades de Caxias, e encaminhar aos secretários. A ideia é buscar melhorias e desenvolver políticas públicas capazes de promover mudanças.
— Tem professores de educação especial nas escolas do município, mas muitos não preencheram os questionários ou não sabiam relatar a deficiência dos alunos. Recebemos muitos envelopes em branco, então será necessário alternativas para esclarecer essas questões porque precisamos de acessibilidade em todos os espaços — afirma o presidente do Conselho.
Reis finaliza:
— Me refiro a escolas, empresas, mercados, bancos, parques, e essa mudança só pode ser construída com união e empenho de toda a sociedade.
Políticas públicas
A assistente social Lucélia Amaral Gomes, lembra que cabe a Coordenadoria da Acessibilidade de Caxias, articular as políticas públicas e elaborar projetos e programas para essa parcela da população:
— Com base nesses dados vamos poder direcionar as demandas. Já articulamos as políticas públicas e somos a ponte entre essas necessidades e as secretarias. A partir desse levantamento vamos ver onde estão as falhas, melhorar o que já existe e ampliar o nosso trabalho — destaca Lucélia.
Ela ressalta ainda que será mais fácil direcionar os assuntos:
— Com o mapeamento podemos ter uma ideia melhor do cenário de Caxias do Sul. Vamos pensar melhor e articular essas políticas públicas e inclusive especificar as demandas de cada setor para buscar essa inclusão e acessibilidade.
O prefeito Adiló Didomenico afirmou que Caxias do Sul avançou, mas precisa evoluir ainda mais na questão de acessibilidade. Ele ressaltou que a partir de 2022 o município irá se dedicar a promover mudanças, começando, inclusive pelo passeio público do próprio centro administrativo:
— A nossa cidade precisa evoluir muito na questão de acessibilidade. Vamos a partir do próximo ano nos dedicar muito sobre isso, mas precisamos dar o bom exemplo, e isso significa começar pelo nosso pátio. Vamos melhorar a acessibilidade no nosso entorno — ressalta.
Ele aponta que no município tem aumentado, por exemplo, o roubo de tampas de equipamento, o que se torna uma armadilha para os portadores de deficiências e idosos:
— Nesses casos temos que sinalizar onde fica o buraco e acionar as empresas de energia ou telefone. Pode causar um acidente todas essas situações.
O prefeito ressalta ainda que em função da pandemia e do programa de regularização fundiária, a demanda da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) é alta, mas a partir do ano que vem, fiscais vão atuar, especialmente, na área central, para fiscalizar o passeio público:
— Com todas as secretarias e os setores da sociedade aliados podemos partir para ação concreta em busca da inclusão. Conhecer os números é um passo importante para concretizar mudanças na acessibilidade. Tivemos avanço na questão de rampas que começou ainda no governo passado. Vamos seguir com melhorias na área central, fiscalização, retirada de tocos de árvores e cuidados com o desnível no passeio público.
Acessibilidade nas redes sociais para cegos
Ao lado da prefeitura, na Sala de Comissões Vereadora Geni Peteffi, na Câmara de Vereadores, também ocorria um evento para tratar da acessibilidade. A diretora da Escola do Legislativo, a vereadora Marisol Santos (PSDB) comandou o encontro que teve a presença da audiodescritora Milena Schneid Eich. Ela falou sobre o projeto #PraCegoVer e a descrição visual das imagens.
A ideia é realmente levar a sociedade a reflexão e se colocar no lugar de quem é cego, não apenas nos espaços físicos, mas também nas redes sociais. O convite, no formato de um celular reproduz o layout do Instagram, rede social com foco em imagens, e uma das mais usadas no momento. No lugar da foto, uma tela preta e na legenda uma provocação para despertar o interesse e a curiosidade: "O que você achou desta foto? Ela é o tema da reunião pública da Escola do Legislativo".
— Em uma conversa com a Milena ela fez uma provocação sobre as redes sociais, e me dei conta de que não usamos nas nossas redes a acessibilidade. No caso do Insta, uma pessoa cega irá ouvir uma voz descrevendo a imagem, e tudo começa por aí. O que é uma imagem? Pode ser uma fotografia, um vídeo, uma figura. Esse evento é um alerta para que todos nós possamos com uma ação pequena tornar as nossas redes um pouco mais acessível — afirma a vereadora.
Marisol ressalta ainda que na maioria das vezes se pensa na mobilidade, como o corrimão, a rampa, o piso tátil, mas é necessário ampliar esse olhar.
— Será que estamos nos comunicando bem? Levando nossas mensagens e chegando a todos? A gente sabe que existem leitores de voz para o que está escrito, mas em muitos casos a foto diz muito mais do que o texto. Às vezes uma legenda apenas complementa a foto, e assim quem é cego não vai entender. Pensei que todos nós podemos fazer isso, a mudança tem que ser coletiva — afirma a vereadora.
Milena, por sua vez, contou que é professora de Língua Portuguesa e Inglesa, e que ao ter um aluno cego na classe dela se sentiu instigada a incluir o estudante da melhor maneira possível:
— Dentro da minha inquietação eu busquei alternativas para que ele se sentisse incluído e aprendesse da melhor maneira possível. Como eu usava imagens, comecei usar a descrição para comunicar — conta Milena.
Para o encontro, ela separou materiais para mostrar como pensar a acessibilidade. Na tela uma pergunta: "Você já pensou em como seria compreender o mundo sem a dimensão visual?". Então, Milena pediu que todos fechassem os olhos para entender como funciona a audiodescrição. Com os olhos fechados, todos ouviram a descrição dos detalhes de uma fotografia:
— Essa audiodescrição foi realizada a muitas mãos. Teve o roteiro feito por uma pessoa que tem visão, a participação de uma pessoa cega e uma pessoa para narrar a imagem. É importante quem não vê participar do processo para indicar o caminho e a melhor maneira de comunicar.
— Todos conseguiram imaginar a foto enquanto ouviam? — questionou ela, que seguiu:
— Para os cegos, sem a descrição, a foto seria apenas uma tela preta, um vazio. Com descrição, a tela ganha vida e inclui. A audiodescrição é uma tecnologia que torna os conteúdos visuais acessíveis e ela pode ser usada não apenas para quem não enxerga, mas também para quem tem baixa visão, deficiência intelectual e dislexia. Com esse recurso, nas redes sociais traduzimos as imagens em palavras e qualquer pessoa pode ter a compreensão ampliada — explica.
Ela aponta ainda que há como descrever o que vê, de maneira oculta, por baixo da imagem, e assim apenas o captor de tela, irá perceber e traduzir o conteúdo. Basta selecionar no Instagram, por exemplo, os três pontos a direita, escolher o editar que abre a imagem e no canto inferior editar texto alternativo. Assim, a cada nova postagem pode criar uma descrição da foto. Essa descrição será acionada por pessoas que utilizam o celular com leitores de tela — específico para cegos — ligados como Talk Back do sistema operacional Android e o Voice over do iOS.
A indicação é descrever o que é a imagem: fotografia, ilustração, charge, meme, print de tela ou outros. Depois pode descrever da esquerda para a direita, de cima para baixo, que é ordem natural de escrita e leitura ocidental ou apenas fazer um movimento lógico nas descrições.