Na 10ª Semana Municipal da Pessoa com Deficiência de Caxias do Sul, a reportagem do Pioneiro ouviu entidades e usuários de serviços para saber quais os desafios da cidade e de que forma o município pode evoluir para atender esse público com mais qualidade e inclusão. Entre os aspectos que precisam melhorar, na visão dos entrevistados, está a acessibilidade na área central, modernização do transporte público e respeito às vagas de estacionamento para deficientes (veja mais abaixo).
Um dos pontos mais interessantes da programação deste ano, que foi adaptada ao modelo virtual em função da pandemia, é um estudo que será divulgado amanhã. Trata-se da apresentação do Mapeamento das Pessoas com Deficiência em Caxias do Sul que irá trazer dados sobre esse público no município. A pesquisa, que durou mais de três anos, é organizada pelo presidente Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência, José Carlos dos Reis. O mapeamento deve substituir dados defasados do censo demográfico do IBGE de 2010, onde consta que 23% dos moradores de Caxias possuem alguma deficiência, sendo a maior parte delas visual.
— Vai ter dados sobre os deficientes na escola, nas empresas, deficientes que usam ortoprótese, tudo detalhado conforme é necessário. É um material que vai ajudar nas leis para as pessoas com deficiência em Caxias do Sul — resume Reis, que apresentará o estudo a partir das 9h, no auditório do centro administrativo.
Para a assistente social Lucélia Amaral Gomes, responsável pela Coordenadoria da Acessibilidade da prefeitura de Caxias, ter uma semana dedicada à pessoa com deficiência é um instrumento importante para reflexão sobre a acessibilidade, inclusão social e tudo que envolve o universo das pessoas com deficiência.
— Desejamos que essa cultura de inclusão e acessibilidade se espalhe por todos os espaços, não fique só restrita aos locais que atendem as pessoas com deficiência, mas que sejam fomentadas em locais públicos, serviços, estabelecimentos particulares. Que as pessoas possam ser mais bem recebidas e possam participar da vida em sociedade, sem preconceito, sem exclusão e sem depender da ajuda de terceiros — afirma a assistente social.
O QUE PODE EVOLUIR EM CAXIAS? A COMUNIDADE RESPONDE
Mais acessibilidade na área central
Para a coordenadora do Instituto da Audiovisão (Inav), Fernanda Ribeiro Toniazzo, a autonomia e independência dos cerca de 170 usuários da entidade passam por melhores condições de acessibilidade, principalmente, na área central de Caxias.
— Eles (usuários) costumam até fugir do centro da cidade pelas questões de acessibilidade. A Avenida Júlio de Castilhos é uma das ruas de difícil tráfego pela quantidade de obstáculos. Outra sugestão é uma campanha forte para as calçadas, onde cada morador fosse mais responsável pela manutenção da sua, porque acontecem muitos acidentes nesses espaços. Não adianta fazermos todo um trabalho de habilitação e reabilitação para que eles sejam autônomos, se a cidade não está preparada — analisa a coordenadora da entidade, que oferece atividades para pessoas surdocegas, cegas e com baixa visão gratuitamente no bairro Cristo Redentor.
Campanhas para instruir a população
Outro aspecto que precisa evoluir, na visão da coordenadora do Inav, é oferecer mais informação para a população sobre as particularidades das pessoas com deficiência visual. Pouca gente sabe, mas há diferença, por exemplo, entre as bengalas que ajudam na locomoção deste público: a branca é utilizada por cegos; a verde por pessoas com baixa visão e a bengala branca com listras vermelhas é indicada para os surdocegos. E por que isto é importante? Fernanda explica:
— Para as pessoas entenderem como lidar com os deficientes visuais. Quem tem baixa visão, não é cego, aí pode entrar num ônibus, com a bengala, e mexer no celular. Quem vê, pode pensar que essa pessoa está enganando, agindo de má fé — observa.
Modernização do transporte público
Algo comum na rotina de quem não tem deficiência, pegar um ônibus e chegar ao destino desejado pode ser um grande desafio para quem tem deficiência visual. Por isso, para o professor de informática Giovani França Pereira, 29 anos, o transporte público precisa se modernizar para atender com mais qualidade aqueles que, assim como ele, convivem com a cegueira.
— O transporte sonorizado seria muito útil não só para os deficientes, como também para os idosos, que podem ter dificuldade para ler — explica Giovani.
Olhar mais sensível às pessoas com deficiência
Para Claudia Beatriz Xavier Acosta, são diversas questões que precisam evoluir quando o assunto são as pessoas com deficiência, desde o aumento de ônibus exclusivos para esse público até um olhar mais sensível da comunidade em atividades do cotidiano. Mãe de Jaisson Acosta Soares, 21 anos, que é cadeirante e usuário da Apae há 18 anos, ela pede mais respeito e inclusão:
— O transporte é o básico para termos inclusão, ter a liberdade de se sentir cidadão, poder cumprir seus compromissos, sem chegar atrasado. Acontece também que, às vezes, você chega numa loja e não consegue entrar. Ou, quando consegue, te olham atravessado, porque tem que empurrar cabides para o cadeirante entrar. A gente se sente acuado. Não é um favor que estamos pedindo, são direitos que todos têm, independentemente da sua condição física — afirma Claudia.
Respeito às vagas de estacionamento
Basta circular pela área central da cidade que é nítida a falta de respeito com as vagas de estacionamento destinadas exclusivamente a deficientes. O assunto já foi tema inúmeras vezes de reportagens do Pioneiro e tem mais a ver com conscientização do que qualquer outra ação.
— A pessoa estaciona e pensa "vou ficar só cinco minutinhos", e aí um familiar tem que pedir para que o motorista procure outro lugar, porque a pessoa com deficiência precisa usar a vaga, que é sua por direito. Na minha opinião, é um assunto que precisa se trabalhado e discutido — aponta a presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Caxias do Sul, Bernardete Pavan Vezaro.
PROGRAMAÇÃO EM CAXIAS DO SUL
O quê: live Desafios e perspectivas: pessoa com deficiência na pandemia.
Quando: quinta-feira, às 14h.
Convidado: professor Adilso Corlassoli.
Como acompanhar: pelo canal do YouTube da prefeitura de Caxias do Sul.
O quê: exposição Traços possíveis: uma poética sobre a baixa visão.
Quando: aberta até o fim da semana.
Onde: saguão do centro administrativo da prefeitura.
O quê: apresentação do Mapeamento das Pessoas com Deficiência.
Quando: sexta-feira, das 9h às 12h.
Onde: auditório do centro administrativo.
"Eles são protagonistas de suas histórias"
Na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Guaporé, a parceria com a iniciativa privada e a comunidade têm transformado a vida profissional dos usuários. Há mais de uma década, a entidade mantém um programa para inserção no mercado de trabalho. Tudo começou com a parceria de uma empresa de embalagens para a produção de sacolas ecológicas e, hoje, evoluiu para um projeto que inclui rotinas de um emprego real, com atividades como utilização do crachá, noções de pontualidade, hierarquia dentro da empresa, relação interpessoal, educação financeira, com orientações de como e onde aplicar o salário recebido.
A coordenadora pedagógica Emanuele Lidiane Bassani explica que o programa de inclusão no mercado de trabalho, que hoje conta com 23 usuários, serve para preencher uma lacuna que ficava após eles concluírem os estudos:
— Eles não teriam mais para onde ir, assim como acontece com os alunos que finalizam o segundo grau (Ensino Médio) do ensino regular. No nosso caso, então, os alunos iniciam um acompanhamento com duas professoras que começam a introduzir rotinas de trabalho, hábitos dentro de uma empresa. As professoras começam a perceber quais são as habilidades de cada um para entender quais empresas eles combinariam melhor, onde a inclusão ocorrerá realmente — explica Emanuele.
O projeto é dividido em três etapas: formação básica para o trabalho; qualificação profissional e inclusão laboral: emprego convencional, emprego apoiado e trabalho autônomo. Atualmente, há pelo menos seis alunos atuando em empresas da cidade e outros 14 em preparação para ingressar no mercado de trabalho.
— Os alunos realmente são protagonistas das suas histórias. Todo o grupo de profissionais frisa bastante a independência deles e que eles saibam interagir em sociedade — diz a coordenadora pedagógica.