Ir ao caixa eletrônico pagar contas e sacar dinheiro, embarcar no ônibus, fazer compras no supermercado, apertar os botões do elevador. São tarefas tão simples que a maioria dos moradores de Caxias do Sul nem sequer percebe que nem todos que vivem na cidade conseguem executar essas atividades sem precisar de ajuda.
No Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, comemorado nesta segunda-feira (21), a reportagem conta a história da Licilene Inês da Silva, 33 anos. Ela tem nanismo e mede 1m05cm. Lici, como é chamada pela família e amigos, encara desafios diários, sempre em busca não apenas de acessibilidade, mas de empatia.
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Ela sente falta em parte da sociedade desse olhar para o outro, do perceber as diferenças e pensar nas dificuldades que cada uma dessas pessoas, como ela, enfrentam nas ruas e espaços públicos da cidade, e até mesmo dentro de casa.
As cidades não foram planejadas para pessoas com algum tipo de deficiência. Quando se fala em acessibilidade, geralmente, se pensa em elevador, rampa, piso tátil, sinalização adequada, portas largas, vaga preferencial, entre outros aspectos que ainda estão longe de serem adequados. Há outros pontos que sequer são lembrados, principalmente, no no caso de quem tem nanismo, como subir no ônibus, alcançar os produtos mais altos nas prateleiras e até mesmo abrir portas com maçanetas mais altas.
"Hoje eu lido melhor, mas ainda tem dias que me sinto abalada", conta ela
Lici nasceu e cresceu na Várzea do Cedro, no interior de São Francisco de Paula. Lá morava com os pais e dois irmãos. Ela é a filha do meio. A mais velha tem 44 e, o caçula, 32. Tantos os pais quanto o irmão têm estatura normal. Saiu da sua cidade natal aos 18 anos para concluir os estudos em Caxias do Sul. Ela trabalha como estofadora na Marcopolo há 12 anos, e é casada há 11 com Marcos da Rosa da Silva, 34. Sem filhos, Lici é apaixonada pelos felinos do casal: Príncipe, Sófia e Luna. No trabalho, ela encontrou amparo:
- Lá eu tenho tudo adaptado e até no refeitório tem uma pessoa para me ajudar a me servir.
No dia a dia, ela não se sente parte da sociedade. Sente dificuldade para embarcar no ônibus, só vai ao mercado com o marido e há lugares onde ela leva uma cadeira para poder realizar atividades simples.
- Me sinto triste, constrangida e até humilhada quando saio para ir ao médico, ao banco ou ao mercado. Todo dia tenho uma luta para enfrentar. Eu fui ao caixa eletrônico para sacar dinheiro e não alcançava no terminal. Não tinha ninguém para pedir ajuda e mesmo assim é complicado passar a senha. Eu olhei para o lado e tinha uma lixeira vazia, então eu peguei, virei ela e subi em cima e saquei o dinheiro. Será que ninguém nos vê? - questiona.
Na adolescência se sentia ainda mais excluída:
- Não foi nada fácil e depois que vim morar em uma cidade grande foi bem mais complicado. Sofri e chorei muito, porque as pessoas me veem como uma criança e não como uma adulta.
Ela conheceu o esposo na escola, e o reencontrou anos mais tarde, mas, antes disso, encarou o preconceito por parte de rapazes e das famílias.
- Quando era solteira e saía para festas ninguém dançava comigo, até que encontrei uma turma de amigos que me aceitou. Depois reencontrei meu marido, que tem 1m75cm, estatura normal, casamos e construímos nossa vida - diz ela.
Com o tempo, ela passou a aceitar e encarar essas dificuldades com mais facilidade, mas, mesmo assim, ainda sofre.
- Hoje lido melhor com as minhas dificuldades, mas tem dias que o psicológico fica mais abalado, porque é muita falta de respeito da maioria das pessoas. Alguns se cutucam, apontam, riem falando de mim - desabafa com tristeza.
Devido ao nanismo, ela também sofre com escoliose e lordose, e sente dores que são aliviadas com Pilates e massagem:
- Para eu conseguir ter uma boa qualidade de vida futuramente preciso fazer. Sinto muita dor no quadril e nas minhas pernas e, muitas vezes, tenho dificuldade até de caminhar e tenho problema de pulmão no lado esquerdo então tenho que me cuidar bastante.
Um sonho? Ser respeitada, vista com empatia e ter um espaço adaptado dentro e fora de casa:
- Ainda não tenho nada adaptado, mas pretendo ir arrumando tudo para que tanto eu quanto o meu marido possamos usar.
"Existem tantas barreiras" avalia Coordenadora de Acessibilidade
A titular da Coordenadoria de Acessibilidade da prefeitura de Caxias, Lucélia Gomes, afirma que há programas e projetos em elaboração para tentar minimizar os problemas enfrentados por quem convive com deficiências. Ela afirma que existem barreiras e, quando se fala de barreiras, não é apenas referente às rampas, que é o item mais associado à acessibilidade, mas também barreiras arquitetônicas, sociais, comunicacionais e pedagógicas:
- Existem tantas barreiras que impedem a realização de atividades diárias comuns para as pessoas com deficiência. O desafio é começar a enxergar essas barreiras e começar a diminuí-las. Esse caminho perpassa a conscientização das pessoas sem deficiência em treinar seu olhar para identificar as barreiras e colocar em prática a questão da acessibilidade (nas suas empresas, nas suas calçadas, nos parques, etc.), que é direito das pessoas com deficiência.
Apesar das dificuldades, ela aponta que nos últimos 10 anos houve avanço, tanto em contexto mundial e nacional, quanto municipal.
- Muitas leis e decretos foram criados para assegurar e regulamentar direitos das pessoas com deficiência. O avanço que ainda precisamos fazer é materializar esses direitos cada vez mais e mais, através de políticas públicas e sociais _ diz a coordenadora.
Sobre o acesso ao caixa eletrônico, ela explica que existe uma Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que trata desse tipo de acessibilidade em todo território brasileiro, a NBR 15250. Em caso de descumprimento, tanto dessa norma, quando do acesso ao ônibus, a falta de adaptação pode ser denunciada em ouvidorias, tanto dos próprios bancos e da empresa que detém a concessão, quanto para a ouvidoria do município, que será direcionada à Coordenadoria de Acessibilidade.
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