A primeira cirurgia de implante coclear da Serra aconteceu no Hospital Saúde, em Caxias do Sul, neste mês. Antes, o procedimento voltado a quem é diagnosticado com surdez severa ou profunda e vive na região serrana era feito em Porto Alegre. A cirurgia consiste na implantação de um dispositivo eletrônico dentro da orelha para estimular diretamente o nervo da audição, chamado de nervo coclear.
— Na Serra, Caxias do Sul é a primeira cidade onde foi realizado o procedimento, sendo que é a segunda maior cidade do Estado e referência de atendimento para moradores da região. Acredito que um dos fatores desta espera para a Serra estava na capacitação de profissionais qualificados para todo o processo de apoio aos pais e pacientes, pré e pós-cirúrgico, que inclui o amplo serviço de avaliação e reabilitação, de materiais e de acessórios. Foram cerca de 10 meses entre o atendimento e a cirurgia, e tudo foi feito em equipe. Realizar uma cirurgia desta importância na região é oportunizar para que mais pacientes tenham a chance de um recomeço — pontua o otorrinolaringologista Gustavo Vergani, de Caxias do Sul, que coordenou a cirurgia.
Além de colocar Caxias do Sul na história, a cirurgia traz esperança para quem tem surdez severa ou profunda. Esse é o caso do primeiro paciente a passar pelo implante na cidade. O momento agora é de espera e ansiedade, já que no dia 2 de setembro, quase um mês após a cirurgia realizada no dia 7 de agosto, o arquiteto Cristiano Rodrigo Faganello, 30 anos, ouvirá pela primeira vez sem o auxílio de aparelho convencional:
— Esse momento para mim é de curiosidade. É diferente do modelo de aparelho que eu estava acostumado. Vai ter uma adaptação diferente. Estou orando — conta ele.
Surdez de arquiteto foi diagnosticada aos dois anos
Faganello é caxiense e cresceu no bairro Serrano. A mãe dele teve rubéola durante a gravidez e ele nasceu com deficiência auditiva. O diagnóstico veio aos dois anos, depois de um exame na Capital. Na infância, ele frequentou a Escola Municipal Helen Keller. Lá, aprendeu a se comunicar em Libras (Língua Brasileira de Sinais). Ele contou com o acompanhamento de audiometria e fonoaudióloga, e usava o aparelho auditivo convencional. Com o apoio da família, deixou a escola voltada para a comunidade surda e seguiu para a Laurindo Formolo e, depois, para a José Protázio Soares de Souza. No Ensino Médio, ingressou na escola Érico Veríssimo. Faganello também fez cursos no Senac e Senai e depois passou no vestibular para Arquitetura e Urbanismo em Caxias do Sul:
— No Ensino Fundamental tinha poucos amigos e era mais sozinho. Não era compreendido pelos colegas. No Médio, as amizades aumentaram. A diferença é a comunicação, porque muitas pessoas ficam inseguras para se comunicar, não têm paciência de repetir, dependendo o contexto.
Antes de se tornar o primeiro paciente a receber o implante na Serra, o arquiteto pesquisou referências e encontrou informações em um grupo nas redes sociais chamado Crônica dos Surdos. Foi lá que encontrou relatos de pacientes que passaram pelo procedimento e tiveram resultados positivos.
— Tomei a decisão de fazer o implante, e fui a uma clínica em Caxias para pedir indicação de onde fazer o procedimento em Porto Alegre. Soube pelo Gustavo Vergani (médico) que poderia fazer na cidade. Depois que ele explicou os detalhes eu disse: "Bom, se dá pra fazer aqui, melhor ainda, não perco tempo para ir a Porto Alegre, eu topo"— lembra ele.
Agora, cresce a expectativa para o dia 2 de setembro, quando o dispositivo será ativado, já que é preciso esperar pelo período de cicatrização:
— Estou me acostumando com o novo aparelho, tenho que ter paciência. As minhas expectativas são de compreender melhor, ouvir um pouco melhor, a conexão com a tecnologia, qualidade de vida e aumentar a oportunidade de emprego. Ultimamente vejo muita dificuldade de encontrar emprego. Por enquanto não tenho entrevista e também não sei responder qual é o motivo de não me contratarem.
Para quem tem algum tipo de deficiência, ele aconselha a não se sentir rejeitado. E aos que não tem pede compreensão:
— O deficiente traz harmonia para a equipe de trabalho, a novidade, a curiosidade e também esconde muitas habilidades. Ele apoia o amigo, é bom companheiro e ajuda no que for possível. Isso é bom para todos, ser tratado igualmente. Também valorize a capacidade que eles possuem.
O implante
A operação envolveu uma equipe de cerca de 10 profissionais, entre eles otorrinolaringologistas e neurologista, além de fonoaudiólogas especializadas em programação e reabilitação de implante coclear. Em 2h30min, o dispositivo médico eletrônico foi inserido em Cristiano Rodrigo Faganello. Para a adaptação do paciente quanto ao som, o procedimento foi realizado apenas do lado direito. O dispositivo implantado apresenta uma unidade interna, com eletrodos que são implantados por cirurgia dentro do órgão sensorial da orelha interna (chamado de cóclea). A parte externa, semelhante a um aparelho auditivo que capta o som do ambiente, faz o processamento e envia diretamente para a unidade interna através de um imã.
— O implante estimula as terminações do nervo auditivo dentro da cóclea. Ele transforma as ondas mecânicas, as sonoras, em estímulos elétricos, que é basicamente a função das células que temos dentro da cóclea. Ele estimula o nervo auditivo e o paciente tem a percepção sonora, o que possibilita que a pessoa volte a ouvir — explica Vergani.
A opção pelo implante contempla dois perfis de pacientes. No primeiro grupo estão aqueles surdos desde o nascimento, identificados pelo teste da orelhinha, e, no segundo, os que perdem a audição após ter desenvolvido a fala. No entanto, é necessário que o paciente tenha a integridade do nervo auditivo:
—Para o paciente ser elegível, ele tem que ter integridade anatômica do nervo auditivo e da cóclea. Há pacientes que nascem sem a formação do nervo ou que perderam a audição devido a algum trauma e tiveram uma fratura da cóclea. Nesse caso não tem como pensar em implantar o dispositivo. A recomendação do implante coclear ocorre quando os aparelhos auditivos já não são mais suficientes para os pacientes. É uma oportunidade de audição para quem tem perda auditiva severa ou profunda.
Ele ressalta ainda que o implante é indicado desde recém-nascidos até idosos que não tem benefícios com os aparelhos auditivos convencionais. O especialista reforça, contudo, que quanto mais cedo melhor a adaptação do paciente e mais qualidade de vida ele terá.
— Nas crianças que tiveram perda de audição há uma limitação, normalmente, até os cinco anos. Tanto que todas passam pelo teste da orelhinha para identificar o quanto antes.
Depois da ativação do implante
Após a ativação do implante, em setembro, o paciente terá sessões de reabilitação semanais e, a cada três meses, realizará o acompanhamento para mapeamento do dispositivo:
— Fazer a cirurgia de implante coclear é uma decisão importante para o paciente e para a família. Os benefícios não se resumem apenas a uma melhor audição. Ela traz de volta a socialização com amigos e parentes e melhora o desempenho do cérebro como um todo. No caso de bebês, assegura o desenvolvimento da fala, linguagem e aprendizagem — observa a fonoaudióloga Tatiana Garbin Bueno, da Audizione Neuroaudiologia, que é especialista em audiologia com enfoque em tecnologia para reabilitação auditiva
Serviço
A cirurgia de implante coclear tem cobertura obrigatória dos planos de saúde, segundo determinação da Agência Nacional de Saúde e pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a porta de entrada é a Unidade Básica de Saúde (UBS), que encaminha o paciente ao Centro Especializado de Saúde (CES) e, se for o caso, para o Centro de Saúde Clélia Manfro, do Hospital Virvi Ramos, referência para pacientes de 49 municípios no atendimento auditivo.
De lá, se o paciente estiver apto ao implante, será reencaminhado para a central de regulação do Estado e será operado em Porto Alegre. Alguns centros recebem pacientes por inscrição por e-mail ou pelo site. No Rio Grande do Sul, apenas o Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, está habilitado.
:: Nome: Serviço de Otorrinolaringologia
:: Horário: de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h30min às 16h15min
:: Informações sobre consultas: (51) 3359-8264 (recepção da Zona - das 7h30min às 18h)
:: Chefia do Serviço: (51) 3359-8314
:: E-mails:
Secretária da chefia: Deise Moré (dmore@hcpa.edu.br)
Chefia: prof. Sady Selaimen da Costa (sscosta@hcpa.edu.br)
Centro de Referência
O Centro de Saúde Clélia Manfro, do Hospital Virvi Ramos, é referência para pacientes de 49 municípios no atendimento auditivo. Na unidade são realizados exames preventivos, como o Teste da Orelhinha, que investiga a perda auditiva em bebês recém-nascidos e a produção de próteses auditivas. Telefone: (54) 2108-8506