As salas de aula vazias, sem abraços e o calor das risadas de crianças e adolescentes provocam tristeza a quem tinha o desafio de controlar e ensinar uma turma. A solidão da tela do computador também, já que nem todos os alunos ligam as câmeras. Também existe a preocupação com o futuro da educação.
O retorno às aulas presenciais é um assunto que segue dividindo opiniões de professores em Caxias do Sul. Por um lado, os profissionais sentem a necessidade, tanto deles, quanto dos estudantes do convívio em sala de aula e da interação com colegas e professores, mesmo com a atenção e os cuidados necessários para barrar a contaminação. Soma-se a isso, a saudade e o desgaste das aulas online.
A categoria chegou se preparar para retomar as aulas em Caxias do Sul, mas com a troca de bandeira para a preta no modelo de distanciamento controlado, as aulas voltaram apenas ao ensino remoto. Apenas algumas escolas particulares chegaram a ensaiar a retomada. Contudo, na rede municipal e estadual, a apreensão pela volta é ainda maior, porque até mesmo a estrutura das escolas não permite que os alunos fiquem afastados. O ensino será híbrido. Ou seja, o remoto dividirá espaço com o presencial, com escalonamento dos alunos, o que gera insegurança e questionamentos, uma vez que nem todas as escolas públicas têm claro até o momento como irá funcionar essa escala de estudantes.
Entre os principais desafios está o distanciamento das famílias e das crianças, porque os professores entendem e sentem falta do olho no olho e da interação social, do contato. Além do aspecto emocional, há desafios tecnológicos do professor, bem como das famílias e estudantes, seja ele pela falta de habilidade ou pelos recursos físicos, já que há crianças que não têm acesso à internet e dependem muitas vezes dos celulares dos pais. Em alguns casos, o aparelho é dividido entre mais de uma criança. Aliado a isso, a internet algumas vezes não funciona da maneira necessária para repassar o conteúdo.
Distância e apreensão
Os professores entendem que a retomada é necessária, especialmente para os estudantes com menores condições de acompanhamento das atividades online. Contudo, defendem a necessidade da imunização para retornar com segurança.
— O aprendizado é um desafio porque tem sido difícil medir o quanto está sendo significativo esta forma de aprender. Só com o tempo vamos poder observar mais o quanto ficará defasado. A propósito, pensar nisso tem me tirado o sono — desabafa a professora da rede municipal de ensino Salete Teresinha dos Santos Anderle, 56 anos.
Ela, que também é professora universitária e psicopedagoga, divide o dia entre as turmas de 1º ano da educação básica e os universitários.
— Como fico muitas horas em frente ao computador, sinto que a tecnologia acaba por acelerar a mente, gerando ansiedades maiores como consequência. Às vezes, perco o sono. Dependendo do dia, sinto cansaço e o sentimento de que faltou algo para que o dever fosse cumprido. Voltar é o desejo de todos para a saúde mental das crianças, famílias e a nossa também. É meu desejo a aula presencial, mas sabemos que neste momento corremos grandes riscos, especialmente em razão de os professores não estarem vacinados. O que eu me pergunto, a todo momento: não seria mais lógico, tanto para economia como para a educação, que fizéssemos parte de grupo prioritário? — questiona ela.
Entrega das atividades
Os professores da rede municipal também contam com a tecnologia, mas, ao contrário dos demais da rede estadual e particular, eles precisam sair de suas casas e se deslocar até os colégios para entregar as atividades às famílias dos alunos que não tem acesso a internet. Neste ano, seguem as entregas do material físico, bem como as orientações presenciais às famílias sobre como usar as ferramentas. A diretora Taísa Mano, 38, conta como é essa entrega de conteúdos, que precisa respeitar todos os protocolos para evitar riscos de contágio e manter os professores e a comunidade escolar protegida.
— A entrega do material físico é uma preocupação para nós. Ainda mais diante do atual cenário da pandemia. Procuramos evitar ao máximo a presença de pessoas na escola e trabalhamos com o mínimo de funcionários para garantir a oferta do nosso trabalho. No entanto, devido ao grande número de famílias que atendemos, é difícil evitar esse contato. Procuramos tomar todos os cuidados usando EPIs, higienizando as mãos com álcool gel e limpando as superfícies dos equipamentos que manipulamos durante os atendimentos. A escola é higienizada frequentemente, mas, mesmo assim, aqueles que atendem ao público estão sempre sob risco. Isso causa grande insegurança — avalia ela.
Ela desabafa sobre as incertezas quanto ao ano letivo e o ensino:
— O sentimento de angústia tornou-se nosso companheiro diário e temos tentado encontrar motivação para que o momento de aprender seja um momento feliz. A falta de equipamentos no horário de aula e o acesso a uma boa internet têm sido o maior desafio, mas nada se compara a falta do olhar, do contato, do diálogo e do sorriso. Nossa maior preocupação é como os nossos estudantes estão nesse tempo todo longe da escola. Recebemos relatos de famílias, pedidos pelo retorno e desabafos cheio de revolta, mas precisamos fazer nossa parte para darmos a volta nessa situação e podermos nos encontrar novamente em segurança.
Na rede estadual, atendimento é online
Nas escolas do Estado, as aulas estão disponíveis pela plataforma Classroom e por aula online - via Google Meet. Devido à bandeira preta, os colégios atendem aos pais e alunos somente por ligações e e-mails. Assim, os estudantes que não tem internet e buscavam as atividades na escola não têm acesso ao conteúdo.
Alguns professores optaram por usar as salas de aula, o que acentua a saudade dos alunos. A professora Andreia Camazzola Girotto, 48, leciona para o 7º e 9º anos do ensino básico e para as turmas de 3º do Ensino Médio do Colégio Estadual Imigrante. No horário de folga ela se voluntariou para ajudar na secretaria da escola devido a demanda de tarefas e atende ligações para orientar pais e alunos. Em casa, a demanda também é maior:
— Precisamos nos dedicar e dar atenção não só às atividades enviadas via plataforma pelos alunos, mas também às aulas online. Além do material postado durante a semana, temos que preparar uma aula para a semana seguinte. Em média, são corrigidos 300 trabalhos semanais — conta a professora, que leciona matemática.
Além disso, aumentou o trabalho burocrático, como preencher planilhas e relatórios. Soma-se a isso o desafio de despertar e manter o interesse dos alunos nas aulas, o que pode ser desgastante.
— Usamos o quadro, slides, vídeos, etc. São tantas coisas que estão levando os professores a desencadear doenças. Estamos só no início do ano e nos sentimos exaustos. Adoraria que voltasse tudo ao normal, mas acredito que muitos pensam como eu. Ou seja, sem estarmos vacinados, colocamos em risco a saúde dos nossos alunos, pais e equipe diretiva. No ano passado tínhamos salas de aula vazias ou com apenas um aluno.
Ela acredita que o ensino possa seguir online, mas os alunos precisam se comprometer com os estudos:
— Entendemos que o distanciamento gera um certo desânimo na hora de aprender, mas não pode se tomar uma desculpa para faltar às aulas online ou deixar de fazer as atividades. Muitos alunos acreditam que não é possível aprender desta forma. Mas, se cada um fizer a sua parte, existe a possibilidade da construção de uma aprendizagem sólida. Há grande esforço e seriedade dos professores para fazer esse aprendizado acontecer e evitar que o distanciamento deixe lacunas no desenvolvimento do estudante.