Se antes o desafio era encarar uma turma de adolescentes cheios de energia e que precisam ser estimulados para prestar atenção no conteúdo, com a pandemia de coronavírus os professores tiveram que redobrar os esforços para lecionar. Com as aulas suspensas, precisavam preparar as aulas e criar ferramentas para manter as atividades dos alunos a distância. Agora, com o retorno das aulas presenciais para os estudantes do Ensino Médio em Caxias do Sul, eles dividem, ao mesmo tempo, a atenção entre os alunos em sala de aula e os estudantes que estão em casa para atividades online.
— No começo foi bem enlouquecedor, pois tínhamos que aprender sobre a plataforma, como ensinar de forma remota, a burocracia, a casa, os filhos, os horários.... Aos poucos reestruturamos a rotina, mas o regime de trabalho se estendeu e hoje não temos horários _ conta a professora Katiuscia Hemann, 43 anos.
Ela leciona Química e Física na Escola Estadual de Ensino Médio José Generosi, no bairro Forqueta. Pelo calendário do governo do Estado, as aulas presenciais acontecem às segundas, terças e quartas das 8h30min às 11h30min e nas quintas e sextas, o ensino é remoto:
— Passamos nossos contatos de telefone para os alunos e pais para ter uma ferramenta a mais e facilitar o acesso ao conteúdo. Às vezes, nos enviam perguntas às 20h, às 22h e claro que, dentro do possível, a gente responde. São recados a todo momento, da direção, dos pais e dos alunos. Tem professores que respondem apenas pelo Classroom e outros pelo whats, mas tudo deve ser respondido.
Ela ressalta que o plano de aula é o mesmo para quem vai até a escola ou para quem optou por seguir com o acesso online.
— Os que estão indo para a escola são aqueles que não conseguiam acompanhar o conteúdo porque não tinham acesso à internet, não entendiam as explicações online, não tinham interesse em assistir vídeo aula ou sentiam falta do ambiente escolar — destaca.
Para a professora, mesmo que os alunos não possam se abraçar ou ficar próximos, e a rotina na escola tenha mudado, os adolescentes sentiam falta do convívio com os colegas e de estar na escola:
— Os poucos alunos que estão indo é mais pelo fato de sair de casa do que propriamente para os estudos. Eles não têm contato um com o outro e não têm recreio.
Katiuscia explica que a pedido dos pais e com autorização da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), as professoras trabalham na escola com planos de aula quinzenais. No caso dela, as atividades são postadas na plataforma Classroon na segunda-feira. Em sala de aula, Katiuscia explica o conteúdo aos alunos e faz o mesmo com os que estão em casa:
— Lá no começo, fazíamos atividades diárias e muitos alunos se perdiam e não conseguiam acompanhar, até porque muitos trabalham. Então, em conversa com os pais e a Seduc, optamos na escola por postar atividades nas segundas. Quem está em sala de aula assiste três períodos e como são horários reduzidos, retomo com eles o conteúdo e explico a tarefa num período e na outra semana fazemos os exercícios juntos. O mesmo com quem está em ensino remoto. Eles têm a mesma aula
O desgaste e a sobrecarga aumenta para quem é mãe, caso da professora. Ela tem três meninas, sendo que duas delas estão em idade escolar.
— Tem dias que tem aula no mesmo horário. Tenho que dar aula e elas estudarem. Tivemos que comprar outro notebook, pois não estávamos dando conta. Nós tivemos condições, mas muitas famílias não conseguem lidar com isso e os filhos acabam não participando das aulas, ou acompanham às vezes — diz.
A escola entrega material impresso para os alunos que não conseguem acessar a plataforma, mas para esse estudante o ensino fica comprometido:
— A explicação fica em déficit por isso que os alunos também optaram por retornar para tentar suprir essas necessidades.
Realidades diferentes
A professora Paula Pontalti Marchioro, 42, leciona História no Colégio Estadual Imigrante, no bairro Bela Vista. Ela ressalta que a demanda aumentou porque os professores precisam dar aulas presenciais em três dias da semana e aulas online nos outros dois:
— Agora piorou porque enquanto estamos dando aula segunda, terça e quarta, presencial. Mesmo que apenas dois ou três alunos da turma estejam em sala, não podemos dar aula para quem está em casa ao mesmo tempo. São dois trabalhos para nós, ao contrário da escola particular, que tem como dar aula presencial e remota ao mesmo tempo quando o professor está em sala.
Esse é o caso da professora Alexandra Cemin,38. Ela leciona Matemática no Colégio Madre Imilda. Mesmo que a forma de ensinar tenha passado por adaptação, ela tem ferramentas à disposição que permitem que os alunos que estão em casa acompanhem a mesma aula dos que estudantes que estão na escola.
— O retorno à escola foi com muita cautela e cuidado, estamos nos adaptando a essa nova realidade, trabalhamos com alguns alunos presencialmente e outros remotamente. A escola disponibilizou todos os equipamentos, desde microfone a computadores. Assim como as aulas presenciais, as aulas virtuais requerem organização e planejamento. Percebo que elas se complementam, conseguimos personalizar a educação e valorizar ainda mais a presencial idade.
Já Paula tem que se desdobrar para garantir a atenção aos dois grupos:
— A rotina está mais pesada. O nosso dia a dia é ficar o tempo todo com o celular. O meu telefone fica no silencioso, mas o app está no celular e as tarefas são entregues em horários diferentes. Há alunos que entregam depois da meia-noite. Temos grupos de conversa também com professores, pais e tentamos atender da melhor maneira, mas é desgastante. São todos muitos educados, mas entram em contato em qualquer horário, então é como se estivéssemos sempre trabalhando.
Outro ponto que tem pesado na rotina de quem leciona na rede estadual é a burocracia:
— Temos que preencher tabelas, olhar e-mail, muitos papéis, enfim, se estivéssemos em sala de aula normal, não teria esse desgaste. Temos que olha aluno por aluno e fazer as porcentagens de quem fez os exercícios e quem não fez, monitorar os alunos e contatar quem não fez e tem os prazos, e mais a questão de estar um tempo em casa enquanto leciona para quem optou pelo remoto, e cuidar das tarefas domésticas.
Alexandra, por sua vez, se sente em constante evolução no uso das ferramentas para interagir com a turma:
— A pandemia mudou a minha forma de ensinar. Precisei me adaptar às aulas remotas, aprendi e estou em constante evolução, seja através do uso de ferramentas de interação com os alunos ao uso de softwares matemáticos que estimulam ainda mais o gosto por aprender.
Quanto à aprendizagem, ela percebe mais interesse por parte de muitos alunos.
— Certamente darei continuidade às formas de interação virtuais, pois o aluno pode retomar em outros momentos o que foi apresentado em aula e ter mais uma oportunidade na aquisição do conhecimento.
Emocional
As professoras Katiuscia Hemann e Paula Pontalti Marchioro também relatam que muitos alunos precisam de atenção devido ao lado emocional:
— Além de todo trabalho em casa, ainda fiquei com essa parte mais difícil que é o emocional dos nossos alunos. Por exemplo, há os alunos que entregavam os trabalhos, eram estudiosos e passaram a não entregar. Ao analisar a situação, fomos percebendo que eles passaram a lidar com situações complicadas para a idade, como os pais que perderam emprego, a falta de recursos para estudar em casa, a tristeza por não ver os colegas _ afirma Paula, que integra a Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipave).
Katiuscia concorda:
— Temos alunos que ingressaram no mercado de trabalho para ajudar em casa, que viram os pais perder o emprego e tomaram para si a responsabilidade de sustentar o lar, e isso afeta a aprendizagem, sobrecarrega. Outros não queriam sair do quarto, estavam tristes e deprimidos. Temos lidado com diversas realidades na escola.