O retorno às aulas será marcado por dúvidas tanto dos pais e alunos, quanto dos professores na rede pública de ensino de Caxias do Sul. O ensino será híbrido, ou seja, o ensino remoto dividirá espaço com o presencial, com escalonamento dos alunos, o que gera insegurança e questionamentos, uma vez que nem todas as escolas têm claro como irá funcionar essa escala de estudantes.
Na rede municipal, o ano letivo recomeça em 19 de fevereiro, de forma remota, e segue até o dia 12 de março, por meio de estudos monitorados não presenciais para estudantes do Ensino Fundamental e para a Educação Infantil. As entregas de atividades (digitais e/ou físicas), conforme a realidade e a possibilidade de cada escola, ocorrem em 25 de fevereiro e 4 de março. No dia 15, inicia o presencial escalonado.
O calendário escolar foi definido levando-se em conta os protocolos de saúde necessários para recomeçar o ano letivo. Ao contrário de 2020, neste ano a tendência é que os colégios voltem às aulas presenciais. No dia 18 de fevereiro, os professores se encontram em reunião pedagógica. Eles estarão divididos por turno de trabalho. No dia 19 começa o ano letivo para os estudantes de forma remota.
Dessa data até 12 de março as atividades serão por meio de estudos monitorados para os alunos do Fundamental. Para as crianças da Educação Infantil, serão entregues atividades pedagógicas. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (Smed), a entrega de atividades, tanto digitais quanto físicas, será conforme a realidade e a possibilidade de cada escola. A primeira remessa de materiais será entregue dia 25 e, a segunda, em 4 de março.
— As aulas presenciais são uma prerrogativa para a retomada do vínculo com a escola, para que as crianças possam sentir-se mais seguras e, aos poucos retomarmos a mediação presencial, ferramenta indispensável para a aprendizagem e desenvolvimento, especialmente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental — explica a secretária de Educação, Sandra Negrini.
Segundo ela, há dados que indicam a necessidade de estar em contato com os alunos em sala de aula:
— A retomada é necessária, especialmente, para os estudantes com menores condições de acompanhamento das atividades escolares. A presencialidade vai beneficiar aqueles que mais precisam da escola, que ficam sozinhos, sem possibilidade de intervenção, com famílias com menor grau de escolaridade. Ou seja, temos que minimizar a perda geracional provocada pela pandemia.
A retomada leva em conta os planos de contingência para garantir a segurança da comunidade escolar. O escalonamento é um fator previsto no Plano de Contingência, bem como em todas as orientações sanitárias para que se respeite os 50% de ocupação dos espaços e o distanciamento de 1,5 metro entre os alunos.
— Como já estamos em bandeira laranja há algumas semanas, acreditamos que será viável o retorno com as atividades presenciais. Os pais que não se sentirem seguros em mandar os filhos à escola assinarão o termo, a exemplo de 2020, e continuarão com as atividades pedagógicas não presenciais — afirma Sandra.
Ainda segundo a secretária, as escolas receberam as orientações pedagógicas para trabalhar com maior equidade. Para Sandra, é preciso garantir atenção a quem mais precisa porque o aprendizado tem que chegar a todos da melhor maneira possível. A secretária lembra que a pandemia de coronavírus acentuou as diferenças e todos os alunos têm o direito às mesmas oportunidades de aprender.
— Temos que priorizar o atendimento para os estudantes com mais necessidades, bem como aqueles que não conseguiram, efetivamente, manter o vínculo permanente com a escola. Orientamos também a acolhida para os profissionais e para os estudantes, o planejamento para uma adaptação a este novo cenário, o olhar atento e acolhedor às famílias — diz a secretária.
Ela finaliza:
— É preciso pensar na escola como um lugar de vivências para além do ensino-aprendizagem, mas um lugar de vivências saudáveis, de aprendizagem com relação à resiliência, à empatia, do cuidado de si e do outro.
Escolas não podem escolher o modelo
Na rede estadual, as aulas recomeçam no dia 8 de março, com ensino remoto, e dia 15, com o presencial. As escolas não podem escolher qual modelo utilizar, sendo que é uma determinação que todas utilizem o ensino híbrido. Outro ponto que causa insegurança é a possibilidade do governo do Estado tornar obrigatória a presença de crianças e adolescentes no colégio.
A titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Viviani Devalle, ressalta que o retorno seguirá os mesmos moldes de 2020, mas a carga horária na plataforma e nos horários presenciais serão aumentadas. Ela explica que eram 9h semanais no ensino presencial e que, agora, irá passar para 15 horas.
— Os alunos vão voltar ao presencial como em 2020, escalonados, e as escolas vão ter mais dias para atender aos alunos em sala de aula. Todas as escolas receberam os equipamentos de proteção individual (EPIs) ainda em 2020, e acredito que estão bem preparadas. Fizemos a seleção de novos professores para ter o quadro completo e iniciar o ano letivo.
Ela afirma que no presencial segue a regra de receber 50% de alunos, conforme a capacidade de cada sala de aula.
— Estamos dependendo da questão da bandeira também, torcendo para quem sabe termos uma bandeira amarela na região para o retorno das aulas. Precisamos retomar com força o ensino presencial, sem deixar de lado os cuidados com a segurança. Vamos voltar com todas as medidas de segurança necessárias para evitar o contágio.
A coordenadora de Educação explica ainda que a escola tem que estar adequada às normas para receber os alunos. Por exemplo, caso o colégio esteja sem o funcionário que trabalhe no setor de limpeza os alunos vão ficar em casa, com o ensino remoto, até que o servidor seja contratado, e então os estudantes podem frequentar a sala de aula, e mesclar o remoto com o presencial.
— É uma decisão de rede que em 2021 o ensino seja híbrido. Temos que recuperar o máximo que pudermos. Mais do que nunca ficou provado que nada substitui o contato do professor com o aluno. Defendo essa necessidade de retorno para que eles recuperem o aprendizado e tenham um ensino de qualidade, principalmente os que estão no Ensino Médio e precisam se formar. Vamos retomar o ensino com segurança para não colocar nenhum aluno, funcionário ou professor em risco — aponta ela.
Dúvidas e questionamentos dividem opiniões de diretores da rede municipal e estadual
A diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Ilda Clara Sebben Barazzetti, Cristiane Beltrame Padilha, acredita que é cedo retomar o ensino presencial sem a vacinação. Entre as preocupações está a adaptação dos alunos à nova realidade. As direções também estão preocupadas com questões como o deslocamento nas vans e ônibus.
— Como será o retorno para casa de cada um sem que levem na mochila um convidado indesejado, o vírus da covid 19. Outra preocupação é com a absorção pelas crianças menores dos protocolos sanitários. E com os adolescentes, o agrupamento normal para as relações de amizade. Nos bairros há uma grande parcela da população circulando sem uso de máscaras, e sabe-se que o exemplo educa mais que um longo discurso.
Por outro lado há a preocupação com a aprendizagem que precisa ser retomada:
— Iniciaremos o ano retomando as aprendizagens planejadas no ano anterior, pois sabemos que os estudos remotos não atingiram os estudantes como no espaço escolar e suas interações. Fica muito clara a importância da presença dos professores na relação ensino x aprendizagem. As funcionárias da alimentação escolar e de higienização tem papel fundamental, muito estratégico e de necessária valorização neste processo. Sem elas estamos desprotegidos — frisa a diretora.
O diretor da Escola Municipal de Ensino Fundamental Cidade Nova, Alex Catuzzo Lopes, afirma que 2021 será desafiador, mas a equipe do colégio está preparada para encarar os desafios:
— Estamos com as salas organizadas e higienizadas, bem como os demais espaços escolares. Na próxima semana, teremos a primeira reunião com o grupo de professores, após o retorno das férias e, nesta reunião, serão passadas orientações e procedimentos quanto ao cumprimento da legislação vigente de enfrentamento ao coronavírus.
Já a diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental José Protázio Soares de Souza, Letícia Comerlato, teme o retorno de aulas presencias no colégio que conta com 1.017 alunos.
— A nossa preocupação é imensa porque é uma comunidade bem presente. Estamos preocupados até com como será a chegada das crianças. Como os pais vão deixar as crianças no portão da escola? — indaga ela.
Letícia afirma que direção e professores estão atentos aos protocolos, fazendo a demarcação para que os alunos caminhem apenas em um sentido na entrada e outro na saída, e também a divisão nas salas para que eles fiquem distantes um dos outros.
— Temos turmas de 30 a 35 alunos e vamos ter que atender a metade em cada sala. Eles não têm recreio, mas são três blocos e os alunos precisam se deslocar para o refeitório, o que provoca movimentação. Estamos criando estratégias para evitar que se encontrem nos corredores. Outro fato que nos preocupa é que somos em 85 profissionais se encontrando no mesmo ambiente e, apesar de todos os cuidados, é arriscado. Se um pegar vira um bola de neve — afirma.
Ao mesmo tempo ela entende a necessidade dos alunos retomaram esse convívio com professores e colegas:
— Sabemos que o estudante precisa dessa interação. Temos uma realidade bem diferente das escolas particulares. Os recursos são diferentes, os acessos e temos que pensar na realidade dos nossos alunos e nas dificuldades que as famílias podem estar enfrentando. A prioridade agora é para quem teve dificuldades para que desenvolvam o aprendizado.
No Estado o sentimento é o mesmo
As aulas presenciais exigiram dois trabalhos dos professores da rede pública estadual porque não há equipamentos que permitam que as aulas presenciais e remotas ocorrram ao mesmo tempo, como na rede privada. Esse é o caso dos professores da Escola Estadual de Ensino Médio José Generosi, no bairro Forqueta. A diretora Suzana Nilson de Barro afirma que ainda há detalhes sobre como será a questão da obrigatoriedade ou não dos alunos que voltarem ao presencial e da alternância de turmas ou alunos. Como os colégios estão em férias, as professoras percebem pelas redes sociais e por contato de alunos e pais por e-mail que há muitos dúvidas sobre como será o retorno.
— Os pais estão com muitas dúvidas e os alunos do Ensino Médio também nos procuram para saber se será presencial, se será obrigatório, mas não temos muito o que responder. Se as escolas voltaram em outubro, elas estão preparadas para receber os alunos. Foi falado em 50% de uma turma numa sala que cabe 25 alunos, mas na nossa escola a maioria das salas podem receber no máximo 10 alunos — ressalta Suzana.
A diretora da Escola Melvin Jones, Leila Solange Ramos, acredita que até o começo de março tenha o detalhamento de como será o retorno:
— Teremos os dois modelos, o presencial e o online, mas ainda não sabemos quantos alunos podem estar em sala de aula — afirma Leila.
Ela ressalta que a categoria espera ansiosa pela vacinação dos professores.
— Até que todos sejam vacinados não tem como regularizar, mas é importante que as crianças e adolescentes vão para a escola no presencial até para esclarecer as dúvidas e ter contato com o professor. No ano passado foi assim e foi muito bom — avalia Leila.
A diretora do Cristóvão de Mendonza Roseli Bergozza também destaca que a escola aguarda orientações para receber os estudantes.
— A questão do escalonamento já usamos em 2020 e nossas salas estavam adequadas para receber até 20 estudantes, com o distanciamento de 2 metros. O problema é como vamos fazer isso agora. Se eu tiver uma turma de 30 alunos, vou precisar de duas salas? — questiona ela.
O diretor do Colégio Imigrante, Leandro Fanchin, ressalta que ainda não está definido como será o ensino presencial:
— Acredito que muitos pais vão continuar não concordando com a volta. Mas outros, como eu, já estão sendo vencidos pelo cansaço. Outro ano letivo igual a esse seria o caos e teria consequências ainda mais desastrosas na aprendizagem. Alguma alternativa tem que ser encontrada e a vacinação teria que ser mais rápida — lamenta ele.
Pais também estão divididos
A psicóloga Leila Bertin Minuzzo, 37 anos, é mãe de Gustavo Minuzzo, 16, e Letícia Minuzzo, 10. Para ela, o retorno é essencial para o processo de aprendizagem dos filhos.
— Eu gostei da proposta de ensino presencial escalonado. Acredito que as crianças precisam socializar. Sei que voltar com tudo não dá porque a vacina não chegou para todos, mas essa volta com revezamento é bacana porque será um momento na semana que vão ter essas trocas com colegas e professores e isso vai auxiliar na aprendizagem.
Ela lembra que em 2020 foi complicado porque os filhos foram privados do ambiente escolar e os pais tiveram que tentar aprender como ensinar, sem ter aptidão para isso:
— A ideia de voltar é positiva e, com menos alunos em sala de aula, será melhor até para o professor ensinar e manter os cuidados. Vai ser bom para todos e espero que não demore muito para a vacina chegar para todos.
Alessandra Rivieri, 48, é mãe de três filhos em idade escolar: Júlia, 17, Eduardo, 13, e Diego, 6, que entra esse ano na escola. Ela afirma que os filhos não vão voltar enquanto não se sentir segura, principalmente porque a mais velha é grupo de risco.
— Sou contra enquanto não houver segurança, enquanto não houver vacina suficiente aos alunos e profissionais que os assistem. A vacinação recém foi iniciada. A Júlia tem diabete tipo 1. Na época da gripe A, minha filha ficou afastada da escola por 40 dias. Eles não voltam de jeito nenhum - frisa ela.
Para ela, as escolas da rede pública não estão preparadas para receber os alunos:
— As crianças são assintomáticas, mas podem transmitir. São muitas crianças, as quais não têm acesso ao básico em casa, quem dirá a máscaras que devem ser higienizadas e trocadas a cada 2h. Professores que estão em grupo de risco ou têm pessoas em casa nesses grupos.
Alessandra aponta ainda que falta estrutura física para o retorno presencial. Ela aponta que as escolas tem poucos banheiros que atendem, em média, 500 alunos por turno, refeitórios que atendem as mesmas 500 crianças, salas de aula com mais de 30, 40 alunos por turma. A mãe frisa que na rede estadual há problemas de falta de professores em determinadas disciplinas, falta pessoal de apoio, as salas não estão adaptadas para os alunos que frequentarão presencialmente.
— Os alunos estão sem se encontrar há quase um ano. Como evitar que se abracem e que tenham contato direto ou próximo? Nós procuramos ter esses cuidados, mas os professores não conseguirão dar aulas e cuidar as ações dos alunos. Por mais que se esforcem, será quase impossível. Mesmo tendo um protocolo, acredito que não está havendo capacitação através de cursos e preparação para os profissionais envolvidos. Enfim, são inúmeras dificuldades que as escolas apresentam diariamente e que refletirão na segurança de nossas crianças e adolescentes, além dos profissionais que lá trabalham — pontua.