O efeito da suspensão das aulas devido à covid-19 pode ser sentido de forma diferente entre os níveis de ensino em Caxias do Sul. Uma das principais dúvidas é se o ensino remoto será capaz de suprir o aprendizado necessário para cada série escolar. Com o final do ano letivo, qual o legado ficará de 2020? Se por um lado os professores se tornaram mais criativos e usaram a tecnologia para incentivar os alunos a terem mais autonomia para estudar, os reflexos dessas mudanças bruscas serão diferentes para cada estudante e professor.
As aulas à distância e plataformas digitais foram as alternativas usadas para tentar manter a normalidade. Contudo, na educação básica, o cenário é diferente. A fase de alfabetização, por exemplo, é vista como uma das mais difíceis de se transpor para o ambiente virtual. O retorno às aulas no Ensino Médio nas redes privada e estadual também foi desafiador. Especialistas em educação, professores e alunos relatam percepções e aprendizados do ano que marcou para sempre a educação e o ensino, e obrigou os alunos a deixaram as salas de aula e estudarem em casa.
Realidades e percepções diferentes
Para a professora Bianca Santos Trindade, 33 anos, 2020 foi um ano de aprendizado tanto para os profissionais, quanto para os estudantes. Ela leciona Biologia aos estudantes do 7°, 8° e 9° anos do Ensino Médio do Colégio Madre Imilda, no bairro Nossa Senhora de Lourdes:
— Acredito que todos os alunos que acompanharam as nossas aulas tiveram êxito em alcançar os conteúdos que estavam previstos no ano letivo porque continuamos a nossa rotina. Conseguimos concluir os conceitos de todas as disciplinas e os alunos também seguiram a rotina de fazer os processos . Tivemos um olhar cuidadoso e atento a todos. Fazíamos momentos de escuta para verificar como estava o processo de aprendizado na turma e individualmente.
A percepção não é a mesma para quem leciona no Estado. As aulas presenciais exigiram dois trabalhos dos professores porque não há equipamentos que permitam que a aula presencial e remota aconteçam ao mesmo tempo, como na rede privada. Esse é o caso dos professores da Escola Estadual de Ensino Médio José Generosi, no bairro Forqueta. Para a diretora Suzana Nilson de Barros, 55, a pandemia comprovou uma realidade já conhecida: a educação pública está em crise.
— A realização do Enem vai marcar muito esse déficit porque os nossos alunos não foram preparados para ter autonomia. Eles precisam de orientação e essa é uma falha da educação pública e uma lacuna a ser superada. Esses prejuízos ficarão por algum tempo. Fica um grande desafio para 2021 de como vamos recuperar isso, como vamos preencher essas lacunas. A recuperação das aprendizagens e essa preparação do que é essencial ou não nesse processo — ressalta a diretora.
Ela lembra ainda que a adequação das escolas para receber os estudantes de maneira segura é outro fator essencial porque não há estrutura física nos colégios para receber os alunos e manter o distanciamento adequado. Ela defende também que diretores, professores e alunos sejam ouvidos:
— Nós, educadores, tivemos que rever e refletir sobre o que é essencial no mundo em que a gente vive. Então, até a questão da matriz curricular, que é a reunião de tudo o que trabalhamos ao longo do ano tem que ser revista no ano que vem para ficar mais de acordo com a realidade. O mundo está muito dinâmico. Precisamos rever muitos dos nossos valores e refletir sobre o que é essencial para a educação nesse momento.
A professora Sabrina Alano Martini, 38, leciona Matemática aos alunos do 6°, 7°, 8° e 9° anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ilda Clara Sebben Barazzetti, no bairro Santa Fé. Ela também acredita que será necessário um longo tempo para recuperar a aprendizagem:
— Ficaram lacunas porque muitos não conseguiram estudar sozinhos, não conseguiam retirar material, não tiveram aulas síncronas. O professor ajudava como podia, gravava vídeos, mas não tinha o contato cara a cara para tirar dúvidas ou alguma interação. Essas lacunas no ano que vem ou nós próximos anos, vamos ter que suprir.
Tanto Suzana, quanto Sabrina, avaliam que alunos que contaram com o apoio da família para estudar conseguiram melhores resultados ao acompanhar os conteúdos.
Alunos também sentem a diferença
Assim como as professoras, alunos que estudam na rede privada e na pública também sentem as diferenças, que foram acentuadas pela pandemia. Nicole dos Santos Varela, 18, está concluindo o 3° ano do Ensino Médio no Madre Imilda. Para ela, mesmo que 2020 tenha sido atípico, a escola esteve presente, de forma online, atendendo às demandas dos estudantes.
— Em 2020, nos adaptamos para que o nosso quarto, nossa sala ou algum lugar da casa virasse nossa "nova sala de aula", onde acompanhávamos as aulas e mantínhamos a rotina de estudos. Mesmo estando em um ambiente diferente do que era a escola, consegui aprender e manter a rotina de estudos. A escola, em conjunto com a família, proporcionou a base que eu precisava para a vida e para prestar um vestibular ou Enem e me sair bem.
Para Ana Luísa Pellicioli Minuzzo, 17, estudante do 2° ano do Ensino Médio da José Generosi, 2020 foi um ano que exigiu muito dos alunos:
— Tivemos que nos aprofundar mais nas tecnologias para aprender as matérias, estudar e conversar com os colegas e professores. Eu acho que teria que dar uma repassada novamente, pois em sala de aula sempre revisamos a semana inteira aquele conteúdo, com ajuda dos professores. Esse ano estamos em casa e, em casa, tudo é mais difícil.
Já Augusto Maidana Machado, 11, conta que sentiu muita falta da escola.
— Senti falta dos colegas e professores, das brincadeiras no pátio na hora do recreio e das aulas de Educação Física. Estudando em casa tive muitas dúvidas, mas meus pais me ajudaram muito. Também tive o apoio dos professores, com o uso das redes sociais. Em alguns momentos gostei de ficar em casa por causa do vírus e sei que temos que nos proteger. Mas, também, senti muita falta de ir para a escola e conviver com meus amigos e professores — conta o menino, que cursa o 6° ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ilda Clara Sebben Barazzetti.
Especialistas
A professora Nilda Stecanela, doutora e mestre em Educação e pró-reitora acadêmica da Universidade de Caxias do Sul (UCS), avalia que a Saúde, Educação e Economia foram as áreas mais afetadas com a pandemia, até porque estão entrelaçadas.
Em termos de educação básica, ela acredita que as perdas foram significativas porque as crianças e adolescentes complementam os processos de socialização na escola. Outro ponto é que a pandemia acentuou as desigualdades sociais.
— Nem todos os alunos tiveram acesso às aulas remotas ou tiveram acompanhamento de um adulto. Ou mesmo uma disciplina diária para acessar os conteúdos. Muitas famílias não tinham condições adequadas até de espaço físico. Os professores também sofreram porque precisaram se reinventar para ensinar — afirma.
Ela ressalta que os processos de aprendizagem precisam ser revistos:
— Ficaram muitas lacunas conceituais nos conteúdos tradicionais escolares, que podem ser gradativamente atendidas. O que se define para estudar em cada ano, série e idade é uma convenção estabelecida pelo mundo adulto e por órgãos reguladores da qualidade de educação do que as gerações mais novas estão aprendendo. Então, isso terá que ser revisto.
A psicóloga, Doutora em Psicologia e Pró-Reitora acadêmica do grupo Uniftec, Débora Frizzo, considera que 2020 foi um ano de rompimento:
— O ano de 2020 significou essencialmente um ano que pode ser chamado de disruptivo. Enquanto educadores, devemos olhar para ele como um ano que trouxe a necessidade imperiosa de professores, alunos e dirigentes aprenderem a aprender . Foi o ano de tirar do papel teorias e ideias e colocar em prática de forma rápida.
Ela cita as transformações nas metodologias de ensinar e aprender como pontos positivos:
— Para 2021, o desafio de todos será a acomodação e o aprimoramento de tais novas práticas mediadas pela tecnologia . Historicamente, a escola era a instituição que mais morosamente se modernizou, e agora está pressionada para mudar rapidamente. Todos precisamos nos adaptar a isso, inclusive pais e famílias.
Para as especialistas, as crianças foram as que mais sofreram impacto negativo da pandemia. Isso porque a escola integra o desenvolvimento social e cognitivo e as crianças perderam esse espaço.
— As crianças mais jovens e os adolescentes foram os mais afetados. Os pequenos, porque passavam pela alfabetização e o começo da socialização. E os adolescentes que viram o sonho de ingressar no Ensino Superior ser adiado — afirma Nilda.
Débora concorda e acrescenta que esse contexto deve ser visto como uma chance de desenvolvimento do ambiente escolar:
— Todos nós devemos enxergar esse contexto como uma mola propulsora para o desenvolvimento individual e organizacional dos ambientes escolares. O ano nos ensinou que devemos praticar aquilo tudo que ensinamos em nossos livros. Portanto, foi positivo.