O ingresso na universidade é um momento da vida considerado fonte de angústia para a maioria dos adolescentes. Soma- se a esse momento de ansiedade viver em meio a uma epidemia que exige algo inédito, como o isolamento social, com medidas restritivas sem data para acabar. Essa situação aumenta a incerteza de quem precisa prestar vestibular e o Enem marcado para novembro. Desde que as aulas foram suspensas em Caxias do Sul, uma dose extra de preocupação, aliada à necessidade de disciplina redobrada, passou a fazer parte da rotina de quem se prepara para um processo seletivo.
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Se os últimos anos escolares já são considerados desgastantes para os estudantes, com a pandemia de coronavírus, a insegurança aumentou. Muitos alunos precisam se reorganizar para manter a frequência de estudos em casa e não perder o ritmo de preparação para as provas. Ainda não há uma definição sobre o calendário escolar e a alternativa tem sido o ensino à distância por meio de aulas ao vivo ou gravadas, envio de exercícios e redações por e- mail, entre outras opções.
A dúvida é se essa modalidade será capaz de suprir o aprendizado presencial e se os alunos terão disciplina e autonomia para estudar sozinhos. Outro fator preocupante é que nem todos têm computador ou acesso à internet para estudar. As dúvidas em relação ao conteúdo crescem com a manutenção do cronograma do Exame Nacional do Ensino Médio ( Enem). As inscrições para o Enem 2020 começaram no dia 11 de maio e seguem até as 23h59 do dia 22 de maio.
Nas redes sociais, estudantes e famosos têm se manifestado em vídeos e por meio de listas de abaixo- assinado pedindo o adiamento da prova, marcada para novembro. Aluno do 3 º ano da Escola Estadual de Ensino Médio José Generosi, em Forqueta, Weslen Crocoli, 17 anos, não se sente preparado para o vestibular.
– Apesar de eu estar estudando e me informando, ainda parece que falta algo. Estudo e pesquiso um pouco todos os dias em casa, mas ainda há uma insegurança, pois existem muitas dúvidas para serem tiradas, principalmente, sobre o vestibular. Para o Enem, eu tenho acesso à internet e fiz um roteiro de estudos, aí vejo um pouco todo dia. Não tenho tanta insegurança, pois fiz ano passado e tenho uma ideia de como funciona. Minha maior insegurança é em relação ao vestibular – conta o adolescente, que pensa em cursar Engenharia Mecânica.
A coordenadora pedagógica do Novo Ensino Médio e professora de Química da Escola Estadual Melvin Jones, Aline Santos Miotto, frisa que a maioria dos alunos das escolas públicas não tem os recursos necessários para estudar para o Enem, sendo que o programa é que pode ser a única forma de eles cursarem uma universidade por meio do ProUni.
– Acredito ser muito injusta a posição do MEC em prosseguir com a realização do Enem neste ano. Ninguém é culpado pela pandemia, mas, com certeza, o estudante de ensino público, sem condições de ter um local apropriado para estudar, sem ter um computador, sem ter internet banda larga, sem ter incentivo algum e ainda tendo de trabalhar para ajudar a família, esse sim terá seu sonho de continuar estudando ceifado.
Ela reitera que os alunos não têm acesso às ferramentas necessárias:
– Nós, professores e direção da escola, sempre nos dispomos a ajudar no que os estudantes precisarem. Incentivamos e orientamos a estudarem todo o material que tenham, que se organizem em um turno para cada componente curricular e que anotem suas dúvidas e, se possível, nos perguntem por WhatsApp. Mas temos pouca interação nesse sentido. Uma pena, pois são esses os estudantes que serão o futuro de Caxias do Sul – lamenta ela.
A diretora da Victorio Webber, Lucélia Dall’Agnol, considera o momento difícil para a educação. Ela conta que a escola tenta dar suporte aos estudantes para que lidem com a ansiedade:
– O certo é que todos temos que lidar com a insegurança da melhor maneira, então procuramos passar para eles que, por mais que estejam ansiosos, agora a prioridade é a saúde, seguir as recomendações que são passadas, para que todos possamos passar por isso da melhor maneira possível.
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A situação de Weslen é a mesma enfrentada por Narryman Ráira Mazotti Traiber, 17. Aluna da Escola Estadual de Ensino Médio Santa Catarina, ela sonha em ser acadêmica de Gastronomia, mas tem se sentido angustiada longe da rotina escolar:
– Estou me sentindo bem perdida, porque era uma rotina de anos estudar e estar na sala de aula com os colegas. Com eles, me sentia mais motivada a estudar. Estou me preparando ( para o vestibular) buscando conteúdos através da internet, mas é difícil, pois as dúvidas surgem e não temos os professores para nos ajudar. A falta de preparação para a prova me preocupa e acredito que o Enem devia ser adiado – desabafa ela.
Eric Rodrigues Santana, 17, está no último ano da Escola Estadual de Ensino Médio da escola Victorio Webber, no bairro Serrano. Mesmo com acesso às ferramentas para estudar, ele não se sente preparado para o Enem. O aluno se solidariza com colegas e demais estudantes:
– Tenho estudado em casa conforme os professores mandam as atividades e procuro assistência nas aulas em vídeo no YouTube quando tenho dúvidas. Pretendia fazer o Enem este ano, mas desisti da ideia porque como vou ficar muito atrasado, fica ruim fazer a prova. Eu acho que devia ser cancelado porque, se pessoas que como eu que têm acesso à internet estão atrasadas no conteúdo e se sentem perdidas, fico pensando em que não tem computador e está sem essas ferramentas – pondera.
O adolescente complementa:
– Eu queria cursar Letras, mas com essa epidemia e a perda de conteúdo, sinto que é melhor repetir o ano que vem para não perder este ano, porque se eu repetisse seria melhor porque iria absorver mais conteúdo e estaria mais bem preparado para a vida, o vestibular e o Enem – afirma Eric.
Rayana Barp, 17, que também estuda na Victorio Webber, que cursar Psicologia. Para ela, é preciso vencer obstáculos ao estudar em casa:
– Estudar em casa atrapalha bastante, pois se tem meios para isso: família, rede social, entre outras coisas. Na maioria das vezes, não temos o autocontrole de parar e focar, logo deixamos para outra hora, inclusive, teve um período em que fiz isso. No final das contas, virei noites para fazer tudo e para tentar aprender matérias novas, não dando o meu máximo, e no fim não aprendi muito – admite a aluna.
UNIVERSIDADES OFERECEM VESTIBULAR ONLINE COMO ALTERNATIVA
As universidades e faculdades também foram obrigadas a se adaptar à nova realidade e buscar alternativas para preservar a saúde de professores, alunos e funcionários. Em três instituições de ensino superior da cidade, a Universidade de Caxias do Sul (UCS), o Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) e a Uniftec, a saída foi implantar a modalidade de provas online em substituição ao vestibular presencial.
UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
O vestibular da UCS já havia mudado no ano passado, quando a seleção de estudantes para 77 bacharelados e licenciaturas passou a ficar disponível durante o ano todo, e não apenas no começo de cada semestre. Apenas o ingresso para Medicina, Odontologia e Medicina Veterinária continua sendo exclusivamente pelo vestibular regular. Com a epidemia, a universidade enfrentou mais um desafio:
– Aí é que nasce, num tempo recorde, a criação de uma plataforma, e passamos a oferecer o mesmo processo seletivo em fluxo contínuo, mas na modalidade online. O que estabelecemos foi que a prova aconteceria no mesmo horário e com a mesma duração, como se estivéssemos todos no mesmo ambiente. Não é o ideal, mas é a melhor alternativa – explica a professora Valneide Luciane Azpiroz, coordenadora da Comissão Permanente de Seleção da UCS.
As provas acontecem sempre às sextas- feiras e, caso ocorra problemas na conexão, o candidato pode retornar na segunda- feira seguinte. Quem se inscrever precisa produzir uma redação sobre um dos dois temas propostos. Antes de acessar a plataforma, são realizadas conferências dos dados do candidato. Durante a da prova, a UCS monitora o que ocorre e, após a entrega, utiliza softwares para verificar autenticidade do texto. Em caso de plágio, o candidato é eliminado. Neste processo não está incluída a Medicina, que terá um edital separado. As provas já foram realizadas em 17 de abril e 8 de maio. A próxima está marcada para 22 de maio.
– A procura está dentro das expectativas. Em abril, quase 150 candidatos realizaram e, em maio, cerca de 80. As provas ocorreram das 19h30min às 21h30min – finaliza a coordenadora.
CENTRO UNIVERSITÁRIO DA SERRA GAÚCHA (FSG)
O Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) também conta com a prova online para permitir que o vestibulando faça as provas de casa. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas gratuitamente pelo link no site da instituição. Por meio de nota, a FSG afirma que “ a modalidade fica disponível 24h por dia, e o candidato pode escolher o melhor horário para a realização da prova. O resultado sai em 24h, em função de um sistema que assegura a idoneidade e confiabilidade do processo, com regras e ações de validação. Se o vestibulando for aprovado, poderá dar prosseguimento à matricula digital, sem a necessidade de ir até o campus para finalização da mesma. Além disso, o Centro Universitário conta com outra forma de ingresso no processo seletivo: a nota do Exame Nacional do Ensino Médio ( Enem), de 2013 a 2019, para a aprovação do candidato. O ingresso via Enem tem inscrição gratuita e é realizado digitalmente.”
UNIFTEC
Na Uniftec, a principal forma de entrada durante esse período de pandemia é o vestibular com ferramentas próprias. Quanto ao retorno do vestibular presencial, a faculdade aguarda as recomendações do governo estadual. O vestibular online é uma prova considerada como a presencial, só que realizada 100% no site da instituição de ensino. O candidato acessa um link, seleciona o formato online da prova e é encaminhado para a avaliação. Em seguida, ele faz a prova e a redação e recebe o resultado por e- mail ao final do teste. O formato é certificado pelo Ministério da Educação e foi colocado em prática com a pandemia para facilitar o ingresso do aluno na faculdade. Há uma equipe designada para fazer o atendimento desse aluno, com a correção da prova, envio do e- mail com o resultado e matrícula do aluno, também online. O site possui um sistema que identifica se o candidato mudou de aba enquanto estava fazendo a prova. O aluno tem um tempo determinado para realizar a avaliação, sendo que esta é uma forma de garantir que o candidato não acesse outros sites. O sistema exige ainda que o aluno apresente alguns documentos para tentar evitar fraudes. O vestibular online está sempre disponível, assim o aluno pode fazer a prova quando desejar.
ESTUDANTES PODEM ACUMULAR AULAS
Os estudantes da rede estadual de ensino terão de acumular aulas presenciais e remotas se as escolas permanecerem fechadas no mês de junho. A informação consta em nota técnica enviada pela Secretaria Estadual de Educação ( Seduc) à Assembleia Legislativa, após pedido de esclarecimentos do deputado Gabriel Souza ( MDB). No documento de nove páginas, o secretário Faisal Karam detalha o que já está planejado quando as atividades escolares presenciais forem retomadas e o que falta definir. Para permitir as aulas remotas, a Seduc afirma que vai disponibilizar franquia de internet para todos os alunos e professores da rede.
A ferramenta, segundo a nota, ainda está em fase de elaboração. Não foi explicado, no entanto, se haverá o avanço das aulas deste ano em 2021. Outra informação que consta no documento é referente ao recesso escolar. Conforme a Seduc, as férias de inverno, que ocorreriam no final de julho, foram antecipadas para maio. Ou seja, quando as aulas presenciais forem retomadas, não haverá nova paralisação. A secretaria também estuda ampliar a oferta de aulas em canais de TV aberta. Conforme a Seduc, os professores estão recebendo cursos gratuitos online durante a pandemia. A rede estadual de ensino possui 2.497 escolas e 812 mil alunos no RS.
O governador Eduardo Leite afirmou, na última quinta-feira, que nesta semana serão divulgados os protocolos de retorno às aulas presenciais. A previsão inicial era de que esse anúncio fosse concluído até sexta- feira passada, contemplando as regras para retorno das atividades na educação pública e privada no Estado, porém a data foi adiada. Em sua fala, Leite indicou que a retomada será gradual, com uso das ferramentas da educação a distância. A reabertura das escolas estará condicionada à execução dos protocolos estipulados pelo governo e à bandeira de classificação definida em cada cidade. A definição dos protocolos, assim como a decisão sobre o retorno às aulas, é do Governo do Estado e das prefeituras.
DICAS PARA ESTUDAR EM CASA
Não pare.
Manter o ritmo é fundamental.
Mantenha uma rotina de estudos, se possível a mesma de antes da pandemia.
Tire o pijama e se arrume como se fosse sair de casa.
Use todos os recursos que tiver à mão: livros, vídeoaulas, podcast, plantões de dúvidas de cursinhos.
Fique ligado nas notícias de fontes confiáveis sobre o coronavírus.
Questões de atualidades podem ser cobradas nas provas, principalmente, na redação.