O quadro da pandemia mudou radicalmente em pouco mais de 15 dias. Quando tudo parecia caminhar para um fim de verão tranquilo e o mais próximo possível de uma normalidade, o que se viu foi uma reviravolta triste em todos os sentidos. A variante brasileira do coronavírus, a P1, se espalhou pelo país e desde os últimos dias de fevereiro o quadro se agravou – o que não foi surpresa para quem está dia e noite debruçado em números e projetava esse quadro. Na região, são 274 mortes em 12 dias, o que faz de março um mês histórico da pior forma possível.
Para entender como se chegou até esse estágio é preciso voltar no tempo. Havia uma apreensão de que o final de janeiro seria de pressão e possível colapso no sistema de saúde devido às festas de fim de ano. Esse temor não se concretizou nos 30 dias seguintes a 31 de dezembro – Manaus, naquele período vivia a crise da falta de oxigênio e a explosão de casos com a nova variante. O cenário de janeiro e início de fevereiro trouxe uma falsa tranquilidade para o nordeste gaúcho, impulsionada pelas férias de verão e a vacinação, mesmo a conta gotas, andando.
O contexto era tão favorável que a prefeitura de Caxias do Sul expandiu o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais até as 3h, na véspera do Carnaval. Foi no dia 12 de fevereiro que o governo do Estado confirmava algo que iria mudar o rumo da pandemia no Estado: a variante brasileira estava em solo gaúcho, o que se concluiu depois já ser por contaminação comunitária – quando não é possível rastrear a origem do vírus. A vítima foi um idoso de 88 anos, morador de Gramado, que faleceu no dia 10 de fevereiro.
Em pouco mais de uma semana, o cenário mudou. No dia 22 de fevereiro, o governo do Estado recusou todos recursos e manteve metade do Estado sob as regras da bandeira preta, a mais rígida no modelo de distanciamento controlado. Criou protocolos para todas as cidades, barrando atividades comerciais das 22h às 5h.
Uma semana depois, com a explosão de casos que exigiam leitos de UTI, o Rio Grande do Sul ouviu um apelo para interromper a circulação de pessoas nas ruas, pois as semanas seguintes seriam ainda piores. Essa previsão se confirmou em números e o sistema de saúde colapsou em território gaúcho. Há 10 dias, o sistema estadual de tratamento intensivo trabalha acima de 100%.
O quadro de aumento é visível em gráficos e números. No dia 22 de fevereiro, o nordeste gaúcho tinha 1.198 vítimas da covid-19, sendo 433 em Caxias. No dia 1º de março, o número subiu para 1.272 – 445 em Caxias – e na última sexta-feira foi atingida a marca de 1.546 vidas perdidas para o coronavírus.
O salto em Caxias do Sul foi significativo, 101 mortes em 12 dias, média de uma vítima a cada 3 horas. Esse cenário tem relação direta com os hospitais improvisando leitos de UTI nas suas instalações, o Rio Grande do Sul segue em estado alarmante.
FUTURO INCERTO
O cientista de dados e membro da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt, acompanha esses dados de casos e hospitalizações desde março do ano passado. Os gráficos mostram que após a segunda onda de dezembro, quando Caxias teve 100 mortes em um mês, o quadro de hospitalização nunca reduziu de forma satisfatória.
O cenário já apontava que nunca houve uma tendência de queda no contágio, mas uma estabilidade. Com as notícias da nova variante, era possível projetar que haveria mais mortes e internações, o que se confirmou nos 12 primeiros dias de março.
As ondas de mortes e elevação de hospitalizações começaram pelo aumento no número de casos. Duas semanas depois, esse crescimento impactou na rede hospitalar para, enfim, refletir no número de mortes, geralmente 14 dias depois. São ciclos, mas o fim do estágio atual ainda é incerto.
— Para reduzir as mortes, só se reduzir os casos. E para reduzir os casos, só se a gente parar — diz Schrarstzhaupt, que complementa:
— Eu não estou vendo desaceleração nenhuma. A mobilidade recém começou a cair.
Mantendo essa média, ainda é difícil acreditar que em 22 de março, quando o governo planeja retomar a cogestão do distanciamento controlado, o cenário será melhor. Ainda se for, será ao custo de muitas vidas perdidas.