O prefeitura de Caxias do Sul ingressou com mais um recurso na Ação Rescisória que pede que o município deixe de ser réu no processo do Caso Magnabosco, que trata da invasão de terras da família que deram origem ao bairro Primeiro de Maio. É o terceiro embargo de declaração protocolado na ação, que já teve sentença favorável à família em novembro de 2019 e dois recursos da prefeitura indeferidos em 2020. Os embargos declaratórios mais recentes foram protocolados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) na sexta-feira (12), último dia do prazo.
— É uma anomalia o Município estar figurando no processo na forma como ele transcorreu, então estamos buscando a anulação — justifica o procurador-geral, Adriano Tacca.
Quem representa a prefeitura nessa nova etapa do processo é o escritório José Delgado & Angelo Delgado Advocacia e Consultoria, de Brasília. A contratação ocorreu por meio de inexigibilidade de licitação, sob o argumento de que os representantes possuem notório saber jurídico e trânsito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). José Augusto Delgado, um dos responsáveis pelo escritório, é ministro aposentado do STJ e atualmente presta serviços de advocacia. O valor a ser pago pelo trabalho até o fim do processo é de R$ 500 mil.
Segundo Tacca, a contratação ocorreu para elaboração de embargos de declaração a respeito do processo e acompanhamento dos próximos passos.
— Conversei com a comissão da PGM que cuida do Caso Magnabosco e eles foram unânimes e dizer que seria importante ter uma representação em Brasília. A PGM acredita que ainda é possível reverter a situação, por isso teve essa intenção de contratar o escritório de um ministro aposentado, de notório saber jurídico, com trânsito no STJ. Não haveria como o município cruzar os braços e não fazer um recurso ou não tentar com todas as suas forças — destaca.
Conforme o procurador, os valores pagos pelo município estão dentro dos padrões de Brasília e são por serviços contratados até o fim do processo. Além disso, a PGM é obrigada a atuar dentro da esfera jurídica, o que não impede o município de fechar um acordo com a família Magnabosco.
Para advogado, não há novidade no recurso
Para o advogado da família Magnabosco, Durval Balen, o novo embargo declaratório pela prefeitura não apresenta argumentos que já não tenham sido analisados no processo. Ele afirma também que causa estranheza a contratação de um outro escritório de advocacia, sendo que o Município já foi representado pelo escritório do ex-ministro do STJ, Ilmar Galvão, na capital federal.
— O que me chama atenção também é o fato de o município querer um escritório que tenha trânsito junto ao Superior Tribunal Federal. Como trânsito? Que trânsito é esse? Quer dizer influência? É o que se percebe. Acho que é uma ofensa ao Judiciário uma posição dessa. Como é que um advogado vai ter trânsito no tribunal? No judiciário nós temos, como advogados, oportunidades de nos manifestar através de petição. Eu fiquei perplexo com esse termo. E não cabe a mim falar dos honorários dos colegas, mas o valor me parece um pouco fora do tom — avalia.
Em cálculo da prefeitura, dívida seria de R$ 129 milhões
A Procuradoria-Geral do Município (PGM) fez um novo cálculo para estimar o valor devido no processo do Caso Magnabosco. Pela atualização da PGM, a dívida seria de R$ 129.523.171,52 — ou seja, apenas 16% do valor estimado pela defesa da família com base nos critérios determinados pela Justiça e que estão amparados na legislação, que ultrapassa os R$ 800 milhões. O valor original da dívida sem juros e correção monetária é de R$ 53 milhões.
Segundo Tacca, o cálculo foi feito levando em consideração a Ação direta de Inconstitucionalidade 2.332 e a Súmula 345 do Supremo Tribunal Federal (STF). A correção monetária leva em conta o IGP a partir da data do laudo, que é de 2011, até a data da inscrição do precatório, em 2016. Compõe o cálculo IPCA, juros compensatórios de 6% ao ano, juros moratórios de 3% ao ano e honorários limitados ao valor máximo de 5% da ação.
— Nós chegaríamos então a um valor atualizado em 1° de novembro de 2020 no montante de R$ 129.523.171,52. Esse é o valor que temos apurado para a referida ação. Há uma divergência muito grande de valores do que é entendido como devido e do que se fala, que são mais de R$ 800 milhões — afirma Tacca.
Em outra frente, a prefeitura protocolou, em junho do ano passado, um recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a incidência de juros sobre o valor total da indenização. No entanto, o recurso teve seguimento negado.
Contrato é questionado
A contratação do escritório virou alvo de questionamentos na Justiça. A ação é movida pelo ex-vice-prefeito Ricardo Fabris de Abreu, e questiona a necessidade, a forma de contratação e o valor do contrato. Fabris argumenta que a atuação de Delgado na corte era voltada para matérias administrativas e comerciais, especialmente sobre reforma agrária e que o ministro aposentado integra, de fato, a banca do escritório que possui em Natal (RN), não em Brasília. O processo questiona ainda que "se o ente público possuir quadro de procuradores e o serviço for ordinário, em regra não há que inexigibilidade, uma vez que, por imperativo constitucional", o administrador tem o dever de recorrer a advogados públicos".
A ação pede a suspensão do contrato em caráter liminar e a restituição dos valores gastos, além de multa aos agentes públicos, quando o mérito da ação for julgado.
De acordo Tacca, uma manifestação oficial sobre o processo movido por Fabris deve ocorrer somente após o Judiciário encaminhar a notificação. A equipe tomou conhecimento da ação por meio da imprensa e das redes sociais.
— É estranho a ação já circular nas redes sociais e imprensa sem que o município tenha sido notificado. Isso leva a questionamentos de qual é a intenção de quem está movendo a ação — aponta.
"Eu não poderia desautorizar", diz Adiló
À reportagem, o prefeito Adiló Didomenico (PSDB) disse que o município deve procurar nos próximos dias representantes da família para buscar um acordo. Afirmou ainda que a inexigibilidade é um processo lícito e que a contratação do escritório foi uma recomendação dos procuradores para tentar reverter o cálculo dos juros.
— A Procuradoria vinha trabalhando e eu não poderia desautorizar eles, porque é dever de ofício dos procuradores defender o município até a última instância. Aí nos foi sugerido a contratação desse escritório, que tem expertise e capacidade de fazer essa defesa e esse mesmo escritório também vai nos assessorar na negociação com os procuradores da família. Esse trabalho que está sendo contratado agora basicamente é para discutir questão de juros que nós discordamos, porque foi aplicada uma correção de juro e correção monetária que tornou a dívida uma bola de neve. Nesses patamares de R$ 800 milhões, R$ 900 milhões, é impagável, o município não tem essa capacidade e a área não vale isso — afirmou.