Mesmo no momento mais grave da pandemia, com o sistema de saúde de Caxias do Sul entrando em colapso, ainda há quem ignore as medidas de segurança difundidas desde março. Desde que a cidade voltou à bandeira vermelha do Modelo de Distanciamento Controlado, no início do mês, a prefeitura intensificou a fiscalização dos protocolos. As medidas mais rigorosas resultaram, entre outras penalidades, em uma detenção por crime contra a saúde pública.
A mulher identificada como a responsável por uma festa no bairro Esplanada, que aglomerou cerca de 200 pessoas, a maioria jovens, em uma sala de cerca de 70 metros quadrados, foi detida na madrugada do sábado passado. A prisão simboliza a nova estratégia da fiscalização para tentar frear as contaminações: mais do que responsabilizar estabelecimentos comerciais, punir individualmente cidadãos que insistem em colocar a vida dos demais em risco.
— A situação está grave como nunca antes esteve, os hospitais não têm mais como dar conta das internações. Então a gente vai, com certeza, apertar de todas as formas possíveis. E se for o caso de criminalizar, apresentar as pessoas para responder criminalmente pelos atos, a gente vai fazer de novo — afirma o diretor da fiscalização da Secretaria Municipal do Urbanismo (SMU), Rodrigo Lazzarotto.
No caso da festa do Esplanada, a Guarda Municipal conduziu a mulher ao plantão da Polícia Civil e Lazzarotto comunicou a infração. O delegado, então, abriu um processo pelo crime previsto no Artigo 268 do Código Penal. Embora não tenha permanecido presa, a mulher responderá em inquérito policial, que pode gerar indiciamento na Polícia Civil, denúncia no Ministério Público e, posteriormente, um processo criminal. Segundo Lazzarotto, se ela não for reincidente em algum crime, provavelmente vai receber uma transação penal, como o recolhimento de cestas básicas. Caso já tenha algum crime anterior, o processo pode resultar em prisão de um mês até um ano.
Flagra sem máscara gera multa de R$ 700
A fiscalização também apertou o cerco a quem dispensa o uso da máscara. Já são 242 pessoas autuadas. Quem é flagrado sem a proteção recebe uma notificação que, caso não haja recurso no período de 15 dias, é revertida em multa de R$ 700.
— Esses dias apareceu uma senhora com um recurso dizendo que a filha dela estava em casa quando foi multada. Isso não basta, tinha a assinatura dela na notificação, a carteira de identidade. Ela tentou forjar um álibi, mas o recurso tem que ser palpável, provar que houve algum erro na identificação da pessoa de fato — explica Lazzarotto.
Como consumir bebida alcoólica pode servir como desculpa para não utilizar a máscara na rua, a prática também está proibida no município. A SMU já expediu 80 notificações relacionadas ao descumprimento da regra, o que provocou reações, principalmente de quem ainda nega a gravidade do momento.
— A gente recebeu reclamações na Ouvidoria do município dizendo que era um absurdo (não poder beber na rua). Ao invés de simplesmente usar uma máscara e não beber, não se reunir, eles contestam o que está escrito no decreto — conta o chefe da fiscalização.
Até agora, as multas expedidas ainda não foram executadas. A prefeitura ainda analisa juridicamente se as penalidades serão transformadas em dívida ativa junto ao município ou se vai haver execução judicial das cobranças. Mesmo que a punição não seja imediata, uma vez que ainda há ritos burocráticos a cumprir, Lazzarotto garante que aqueles que forem flagrados cometendo irregularidades não serão isentos de responder pela irresponsabilidade em um momento que a colaboração coletiva é capaz de salvar vidas.
Apelo por conscientização
Em relação aos estabelecimentos comerciais, os protocolos de distanciamento já geraram 116 interdições formais por parte da SMU. Lazzarotto explica o procedimento nos casos de flagrante descumprimento das normas de prevenção: primeiro, o local passa por uma notificação. Posterior a isso, caso a irregularidade persista, o alvará de localização é cassado e, na falta do documento, o estabelecimento é interditado. Caso o proprietário insista em manter a irregularidade, recebe uma multa de R$ 17 mil — que até agora foi expedida apenas para um sacolão 24 horas do bairro São Leopoldo. Os demais comerciante regularizaram a situação após a notificação ou a cassação do alvará.
Com a frequente mudança das regras previstas dos decretos municipais e estaduais, a fiscalização também realiza vistorias focadas em orientações e advertências verbais, que também são previstas no Código de Posturas do Município.
— A gente não quer prejudicar ninguém num momento que já é conturbado. A nossa função é fazer com que as pessoas não se aglomerem para que não acarrete problemas no nível hospitalar. Não é sair punindo todo mundo de forma desmedida — garante Lazzarotto.
Para conseguir intensificar as fiscalizações, a SMU conta com o reforço de agentes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Vigilância Sanitária. Mesmo assim, Lazzarotto afirma que, sem conscientização ampla da população, os fiscais não conseguem atender todas as denúncias — que chegam a ser 30 a cada hora nos finais de semana.
— Se as pessoas não se conscientizarem que a pandemia é uma coisa séria, tem cada dia mais gente internada, cada vez mais gente morrendo, a fiscalização sozinha não tem braço, nem a Guarda Municipal, nem a Brigada Militar, para dar conta de tudo. Não vamos vencer essa batalha sem as pessoas se conscientizarem — apela Lazzarotto.
OS NÚMEROS
Segundo a Diretoria de Fiscalização da Secretaria Municipal do Urbanismo, desde o início da pandemia, já foram:
- 7,2 mil denúncias
- 790 advertências verbais
- 242 notificações por falta do uso de máscaras*
- 116 interdições formais
- 80 notificações por consumo de bebida alcoólica em espaço público*
* Quem é flagrado cometendo infrações aos decretos, como falta de máscara ou consumo de bebida alcoólica em via publica, recebe uma notificação que, caso não haja recurso no período de 15 dias, é revertida em multa.
O QUE DIZ A LEI
Quem é flagrado promovendo aglomerações pode ser enquadrado no Artigo 268 do Código Penal
DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA
Infração de medida sanitária preventiva: infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.
Pena: detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único: A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.