O aumento do número de casos de coronavírus e a consequente superação da capacidade hospitalar em Caxias do Sul poderá exigir que os médicos tomem decisões difíceis perante a lotação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI): escolher quem salvar. Há uma recomendação do Conselho Federal de Medicina (CFM), criada em 2016, que leva em conta a prioridade de leitos para quem tem mais chances de sobreviver. A resolução classifica o paciente de um a cinco quando existem dúvidas sobre quem deverá ser encaminhado para a unidade. Nos hospitais de Caxias, as UTIs devem seguir a norma tanto para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), quanto para pacientes de planos privados.
Pela resolução, tem prioridade os pacientes com alta probabilidade de recuperação, com doenças crônicas em estágio inicial e controladas, com necessidade de suporte invasivo imediato, como intubação, ventilação mecânica e uso de medicamentos que necessitem cuidados intensivos. Em seguida, são priorizados os pacientes que necessitem de monitoramento em ambiente de UTI 24 horas devido a altas chances de descompensar subitamente e necessitar de suporte intensivo. Entre eles, estão os que precisam de máscara de reservatório para manter a oxigenação adequada e os que poderão progredir para insuficiência da respiração. Na prática, pela determinação do CFM, é mais fácil ter prioridade jovens que mais saem e não se cuidam do que um idoso que, talvez, tivesse chance de se recuperar também.
Aqueles que estão na linha de frente do combate à pandemia passam por um dos piores cenários possíveis da profissão: níveis perigosamente altos de ocupação. Em coletiva de imprensa na quarta-feira (16), os diretores dos seis hospitais da cidade admitiram que o momento de escolher quem será encaminhado à UTI se aproxima.
— Serão priorizados pacientes mais graves e com perspectivas de melhora, de se recuperar. Felizmente até o presente momento isso ainda não está acontecendo. Mas existe a possibilidade porque estamos no limite. As coisas estão muitos próximas disso acontecer — explica o intensivista Roger Weingartner.
Coordenador da UTI do Hospital Virvi Ramos e médico assistente e plantonista no Hospital da Unimed, ele lembra que há uma estrutura adequada montada, os leitos aumentaram, mas não há equipes. Ele alerta a população:
— As pessoas continuam achando que é brincadeira, agindo como se o vírus fosse uma invenção. Vimos isso acontecer na Itália: os médicos escolhendo quem iria viver. Se o rumo das coisas não mudar, irá acontecer aqui.
O intensivista ressalta que não é de hoje que os médicos lidam com a dificuldade de leitos. Por isso, a resolução de 2016 foi criada para orientar nas decisões legalmente e de forma ética.
— É uma determinação do Conselho Federal de Medicina, não é uma escolha médica. A gente espera não ter que tomar essa decisão de escolher. Tudo o que a gente quer é não ter que tomar essa decisão. Evitar isso depende da conscientização das pessoas para que pensem nos seus familiares, que pensem que talvez seu familiar não receba o atendimento necessário, se todos da família não se cuidarem, e o contaminarem — aponta.
Escolhas
A médica Nayane Brancher, da equipe clínica e UTI do Virvi Ramos, atua diariamente com situações difíceis. Ela é a coordenadora da Comissão de Cuidados Paliativos da instituição.
— Há um ano e meio já atuamos nesse sentido de abordar a família quando vemos um paciente que já está clinicamente muito debilitado nas funções, com doenças mais avançadas. Tentamos uma abordagem com a família para que percebam que esse familiar chegou ao limite clínico, e que muitas vezes vamos apenas controlar sintomas e confortar esse paciente — destaca ela.
Ela explica que, em relação ao vírus, as famílias têm mais dificuldade em entender a situação pela qual o familiar passa:
— Eles entendem que ele vai morrer, que está debilitado e tem demais doenças. Mas não admitem que ele morra em decorrência do vírus. Fazemos essa abordagem na internação para definir até onde a gente vai: vamos intubar, ventilação, partir para a hemodiálise, caso necessário... Essas conversas são rotineiras para algumas famílias e infelizmente temos que conversar porque esses pacientes não teriam benefício a longo prazo na UTI.
O próprio CFM recomenda que pacientes com doença em estágio avançado, irreversível, sem possibilidade de recuperação, sejam admitidos preferencialmente em unidades de Cuidados Paliativos:
— Temos sempre que priorizar quem tem alta chance de se recuperar, que tem perspectivas. Os recursos de UTI são usados para quem tem o melhor prognóstico.
A médica frisa que as equipes já se veem obrigadas a escolher.
— De certa maneira já estamos fazendo escolhas porque, com a UTI lotada e recursos limitados, deixamos de atender um paciente com câncer que precisa de um procedimento cirúrgico mas não tem leito. Está mais complicado a cada dia, nos vemos num beco sem saída. E as decisões têm sido cada vez mais complicadas. Vai chegar a hora que vamos ter que priorizar quem levar porque o pessoal não se cuida, não acredita no que está acontecendo. Mas a realidade está aí e o sistema está em colapso — ressalta.
Resolução
São listadas como prioridades para admissão na UTI, segundo o CFM:
1) Pacientes com alta probabilidade de recuperação, sem limitações e que precisem de aparelhos.
2) Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico.
3) Pacientes que precisam de intervenções de suporte à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica.
4) Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, mas com limitação de intervenção terapêutica.
5) Pacientes com doença em fase terminal ou sem possibilidade de recuperação.