Um acordo assinado na terça-feira (15) entre o Ministério Público (MP), o Banrisul e moradores do loteamento Recantos das Cascatas, em Caxias do Sul, deu fim a uma disputa de pelo menos cinco anos. A área na localidade de Santa Bárbara, interior de Ana Rech, foi ocupada irregularmente a partir de 2009. Contudo, os moradores que se instalaram na área não sabiam que o terreno de 17,5 hectares já tinha dono. Agora, o entendimento entre as partes abre caminho não só para a regularização das terras, como também para a implementação da infraestrutura pública.
A área pertencia oficialmente ao Banrisul, que a recebeu como garantia de um empréstimo concedido a um antigo clube esportivo de Caxias do Sul, em 1991. Como a dívida não foi paga, o banco arrematou oficialmente o terreno em 2009. Ainda nesse ano, porém, loteadores se apropriaram da região, parcelaram os lotes e iniciaram a comercialização por meio de contratos de gaveta. As famílias acreditavam que estavam de fato adquirindo a área e não estranharam o baixo valor dos terrenos — por volta de R$ 30 mil — porque o loteamento não contava com a infraestrutura normalmente oferecida, como pavimentação.
Em 2012, o banco tentou leiloar a área, mas não houve interessados em função da ocupação. Também nesse ano o Ministério Público passou a investigar o caso. Durante as apurações, os grileiros, como são conhecidos os loteadores ilegais, foram identificados. São pessoas já conhecidas do MP por ações semelhantes em outros loteamentos.
O passo decisivo para o desfecho ocorreu em 2015, quando o Banrisul passou a reivindicar a área na Justiça. O ato levou o advogado Rodrigo Balen a abrir em 2018 processos que representam atualmente 200 das 500 famílias que vivem no Recanto das Cascatas. As ações pediam a indenização, por parte do banco, dos valores que haviam sido pagos na compra — atualmente em cerca de R$ 17 milhões — ou o repasse da área. O entendimento é de que o banco não tomou nenhuma medida para evitar a invasão do terreno.
— A grande sorte dos adquirentes de boa fé foi o banco ter pedido a posse. Aí eu vi a possibilidade de colocá-lo como réu. O Banrisul, por omissão dele, acabou contribuindo para a ocupação — observa Balen.
A disputa judicial, que agora deixa de existir, abriu caminho para as negociações que ocorreram nos últimos meses. Para evitar prejuízos ainda maiores a ambas as partes, o banco concordou em ceder 17,5 hectares a uma associação que será criada pelos moradores. A entidade será a proprietária da área até que a questão fundiária esteja regularizada e os moradores recebam as escrituras. Além disso, é a entidade que ficará responsável por buscar junto ao poder público a pavimentação de vias e a instalação de redes de esgoto, entre outros serviços. No entanto, a associação vai ter que assumir responsabilidades, como a compensação ambiental pela derrubada da vegetação.
— Com as ações judiciais, se criou um ambiente de que se começa a calcular que um acordo pode ser a melhor solução. Todos tiveram que abrir mão de algo. Me parece que houve o entendimento do Banrisul de que é uma área consolidada e que seria muito difícil retomar. E tinha como assumir o prejuízo — avalia o titular da 2ª Promotoria de Justiça Especializada de Caxias do Sul, promotor Ádrio Gelatti.
De acordo com Ádrio, uma ação paralela segue investigando ação dos grileiros, que responderão criminalmente e também por dano moral coletivo.
Serviços inexistentes
Atualmente, as cercas de 500 famílias do Recanto das Cascatas contam somente com água e energia. A área é acidentada e não conta com serviço de coleta de lixo ou vias pavimentadas. Há cerca de três anos, a prefeitura determinou que nenhuma obra fosse realizada no local a fim de não criar passivos judiciais, já que não podem ocorrer investimentos públicos em áreas irregulares.
Agora, as obras poderão ser viabilizadas e terão acompanhamento do Ministério Público. Ainda nesta terça, após a assinatura do acordo, Gelatti protocolou o pedido de homologação do entendimento. Já Balen solicitou ao município o cascalhamento das vias do loteamento.
Entenda o caso
- Em 1991, o Banrisul concedeu um financiamento para um antigo clube esportivo de Caxias do Sul, entidade atualmente extinta. Para conceder o empréstimo, o clube deu em garantia a área onde está hoje assentado o loteamento Recanto das Cascatas, em Santa Bárbara.
- Motivado pelo não pagamento da dívida, o Banrisul arrematou a área de 17,5 hectares em 27 de setembro de 2009, conforme consta na matrícula n° 19.882, no Registro de Imóveis da 2ª Zona, tornando-se dono e responsável pelo grande terreno.
- Logo após, loteadores já conhecidos do Ministério Público, se apropriaram e parcelaram a área, alienando a propriedade do Banrisul para várias famílias por meio de contratos de gaveta.
- Em 2012, o Banrisul tentou leiloar a propriedade por R$ 544 mil. Apesar de ser atrativa, não houve interessados, pois quem comprasse teria que lidar com as moradias erguidas no local — na época, cerca de 30 casas.
- Sem opção, em 2015 o bancou abriu ação para reivindicar a área, processo que ainda tramita na Justiça. Para evitar prejuízos às famílias que compraram os lotes, o advogado Rodrigo Balen abriu processo em maio de 2018 para exigir indenização aos moradores. A intenção era forçar um acordo com o banco para que elas ficassem com as propriedades pelas quais pagaram. Nem todos os residentes no loteamento ingressaram com ações. Alguns moradores também compraram os lotes após 2015, mas desconheciam a ação movida pelo Banrisul.
- As ações movidas a partir de 2018 abriram caminho para o acordo assinado nesta terça-feira. Agora, a área será repassada para uma associação que será responsável pela regularização. Depois que o processo estiver concluído, os moradores receberão as escrituras das propriedades.