Mais um passo em defesa das comunidades terapêuticas será dado nesta quarta-feira (16) em Farroupilha. A reunião promovida pela frente parlamentar presidida pela deputada estadual Fran Somensi (Republicanos) quer ouvir o segmento e estabelecer uma ponte entre as entidades, o Estado e a União. É um trabalho alinhado ao discurso do governo federal, que apoia as comunidades como saída contra o crack e outras drogas e não reconhece tratamentos considerados mais liberais como a redução de danos.
Hoje, são 272 comunidades no Estado, sendo que apenas 74 delas têm vagas contratadas pelo Ministério da Cidadania. Na região da 5ª Coordenadoria Regional da Saúde (5ª CRS), que abrange 49 municípios incluindo Caxias do Sul e Farroupilha, são nove entidades conveniadas ao governo federal. Todas têm viés espiritual ou ligação com as igrejas católica e evangélica. Para cada paciente acolhido, o governo repassa mensalmente, em média, R$ 1.172.
Para a deputada, as comunidades trabalharam muitos anos sem o devido reconhecimento. Hoje, a maioria sobrevive de doações e da atividade voluntária.
— Vi que ainda tem comunidade com estrutura precária, falta incentivo. São dezenas que não estão conveniadas e mantêm o atendimento. O nosso objetivo é tentar criar uma política pública efetiva e o governo federal criou uma lei para isso. Antes, as comunidades não eram enxergadas — salienta a parlamentar.
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Do encontro em Farroupilha, serão elencados apontamentos para fortalecer o setor. Há entendimento de que as comunidades podem, por exemplo, oferecer cursos profissionalizantes para que o acolhido tenha mais facilidade de reinserção ao final do tratamento. Serão três reuniões até o final do ano — os próximos ocorrem em Passo Fundo (22 de novembro) e Pelotas (2 de dezembro). O objetivo é ter um plano de trabalho para guiar as ações em 2020. Em cada encontro, haverá representantes das entidades e do governo federal.
Fran Somensi decidiu abraçar a causa durante a campanha eleitoral do ano passado. Ela diz ter recebido a visita de uma mãe que pedia ajuda para o filho usuário de crack.
— Fui ver esse rapaz na sinaleira. Ele não tinha dentes na boca, pesava menos de 50 quilos e tinha apenas 24 anos. A mãe não via ele há 11 meses. Após, ele ficou numa comunidade e saiu de lá pesando 80 quilos, era outra pessoa. Precisamos devolver essas pessoas para sociedade com um norte de vida. Não dá para deixar nove meses ali e soltar para ela voltar às drogas novamente — reforça a deputada.
SERVIÇO
:: O quê: reunião da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas
:: Onde: salão nobre da prefeitura de Farroupilha
:: Quando: hoje, às 18h
:: Acesso: a participação é aberta para representantes das comunidades e interessados no tema
"As pessoas precisam aceitar a variedade de tratamentos"
Uma das comunidades mais antigas de Caxias do Sul aguarda com expectativa as promessas anunciadas pelo governo federal. O presidente do Centro Vita, Júlio César Tavares, acredita que a ampliação de vagas serve para mobilizar um setor estagnado. O ministro da Cidadania Osmar Terra prometeu chegar a 20 mil vagas abertas na comunidades até 2020 — hoje são 11 mil vagas pagas com recursos federais em todo o país.
Tavares e representantes de outras entidades dizem que os recursos são importantes, mas não cobrem os custos do atendimento. Numa conta simples, o governo federal repassa R$ 39 por dia para cada paciente. No caso das vagas contratadas via Estado, o valor baixa para R$ 33/dia. Com esse valor, a comunidade precisa arcar com cinco refeições diárias, água, luz, manutenção da estrutura, pagamento de profissionais e transporte para pacientes para atendimentos médico e psiquiátrico, entre outros.
É aí que entram as doações e outras medidas para arrecadar fundos. Em resumo, sempre falta dinheiro para cobrir as despesas. O Centro Vita mantém uma boa estrutura em duas fazendas em áreas rurais, mas precisa de apoio para construir uma quadra esportiva como opção complementar do tratamento dispensado ao público masculino obra estimada em R$ 100 mil.
— A quadra é uma forma de agregar o acolhido. Ele sabe que terá local para praticar esportes. Se recebo recurso a mais, consigo contratar uma psicóloga e um assistente social a mais — conta Tavares.
Tavares prega a abstinência total do usuário de drogas, mas faz uma reflexão:
— Todo método tem a sua eficiência. Não dá para desprezar o trabalho do Caps (Centro de Atenção Psicossocial). A comunidade terapêutica não trata a mente, o acolhido precisa de medicação e de psiquiatra. Tem dependente químico que não é para nós, as pessoas precisam aceitar a variedade de tratamentos — pondera.
ENTENDA
:: O apoio do governo federal às comunidades terapêuticas vem sendo gestado pelo ministro Osmar Terra desde o tempo em que ele era deputado federal. No entendimento dele, o trabalho desenvolvido por essas entidades são mais eficientes do que os métodos que vinham sendo empregados no Sistema Único de Saúde (SUS), que opera de forma mais técnica e baseado em teorias menos conservadoras.
:: A comunidade terapêutica geralmente é ligada a uma instituição religiosa ou prega conceitos religiosos no tratamento. É um serviço que não pode ter fins lucrativos e a adesão do paciente precisa ser voluntária.
:: O tratamento varia de nove meses a um ano de permanência em uma propriedade afastada da zona urbana. No local, o usuário deve permanecer em abstinência e é estimulado a participar de oficinas de artesanato ou de atividades agrícolas, entre outros.
:: O tratamento é pago por meio de convênio do Estado e governo federal. No caso do Estado, o paciente precisa ser encaminhado via Caps. Em relação às vagas federais, o paciente precisa apresentar uma recomendação médica para ser aceito.
:: Na área da 5ª Coordenadoria Regional da Saúde, são 110 vagas disponibilizas pelo governo do Estado em oito comunidades que oferecem o serviço de acolhimento em nove fazendas. O governo federal disponibiliza 208 vagas em 10 fazendas mantidas por nove entidades.