Na UTI do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, o domador Marco Aurélio Benites da Silva, 33 anos, recuperou-se de uma cirurgia no abdome após um grave acidente com um cavalo. Há poucas semanas morando na Serra – ele veio de Santiago, na região Central, em busca de melhor oportunidade de vida –, Marco Aurélio foi um dos primeiros pacientes do Tacchini a participar da segunda fase do UTI Visitas, um projeto experimental que faculta a familiares acompanhar os pacientes na unidade por até 12 horas. O estudo deve prosseguir pelos próximos dois meses.
Entre segunda e esta quinta-feira, quando foi transferido para o quarto, Marco Aurélio teve a companhia dos irmãos João Batista e Giovani, que se revezaram das 10h às 22h para acompanhá-lo na unidade de terapia intensiva. Se o projeto não estivesse em prática, a família poderia visitar o rapaz duas vezes por dia, em intervalos máximos de 30 minutos, a chamada visita social, que segue ocorrendo em paralelo.
– Ele se sente mais à vontade e mais seguro com a gente aqui perto. A gente consegue conversar, explicar o que está acontecendo. Acho que ele reage muito melhor ao tratamento assim. Para nós também é mais tranquilo, dá para saber como ele está, se precisa de algo – afirma João Batista, que é mecânico e se mudou para Bento Gonçalves há 10 anos.
O impacto positivo da presença dos familiares na recuperação dos pacientes é apenas um dos resultados que o estudo procura descobrir. No Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, que concebeu a ideia há cerca de dois anos e já avaliou os resultados com 300 pacientes, a experiência se mostrou muito bem sucedida: além da redução do estresse e da ansiedade do paciente, o tempo médio de permanência na UTI diminuiu em um dia e meio com o projeto.
Foram justamente esses resultados que levaram o Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), a patrocinar, desde dezembro de 2016, a experimentação do UTI Visitas em 40 UTIs de 33 hospitais brasileiros sob a coordenação do Moinhos de Vento. A intenção é avaliar a eficácia e a segurança do modelo de visita familiar ampliada ao enfermo, tornando assim o atendimento mais humanizado e centrado nas necessidades do paciente e sua família. O Tacchini é a única instituição de saúde na Serra a integrar a proposta (veja quadro).
De acordo com o médico Rogério Tregnago, coordenador médico da UTI do Tacchini, a ideia é comparar os aspectos clínicos dos pacientes que tiveram acompanhamento convencional e visita estendida. Entre eles está a ocorrência de um quadro chamado de delírium, quando o doente, por se afastar de sua rotina diária, está sujeito a alterações agudas de confusão mental, agitação e estresse psicológico.
– Esse quadro pode aumentar as chances de complicações e mortalidade entre os pacientes – explica Tregnago, acrescentando que a presença do familiar pode deixar o paciente mais orientado, reduzindo assim a necessidade de medicação.
Pesquisas já realizadas em outros hospitais, incluindo instituições dos Estados Unidos, conforme a médica Juliana Giacomazzi, coordenadora do estudo no Tacchini, revelam que o paciente em regime de visita estendida tem melhora mais rápida, além de haver diminuição nos casos de delirium e infecções relacionadas a ventilação mecânica em cerca de 50%.
O estudo também permitirá avaliar, nos dois regimes de visitação, a incidência de estresse entre a equipe que atua na UTI e a satisfação entre os familiares com o trabalho realizado no hospital. A partir das conclusões da pesquisa, segundo Juliana, existe a possibilidade de o Tacchini implantar em definitivo a visita ampliada, além de fornecer subsídios para a qualificação do atendimento intensivo.
A participação no UTI Visitas segue um protocolo rígido, que inclui orientações sobre cuidados com higiene e regras de conduta e segurança dentro da unidade, que conta com 20 leitos. Essas orientações são repassadas aos familiares em reuniões realizadas diariamente no próprio hospital. Entre elas estão dicas como não movimentar o doente ou mexer em sondas, cateteres e curativos sem autorização, além de transmitir calma ao paciente. Por conta desses cuidados, estudos já feitos pelo Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, mostram que não houve aumento nas taxas de infecção hospitalar.
A aposentada Noemi Melo Rodrigues, 61 anos, seguiu direitinho as recomendações da equipe de pesquisa e pôde acompanhar o marido, Valdir Bastos Rodrigues, 62, nos dois últimos dias da estada na UTI do Tacchini. Com um sorriso no rosto, Noemi comemorava a melhora da saúde do familiar e a transferência para o quarto, prevista para a última terça-feira, após uma delicada cirurgia na cabeça.
_ Achei essa ideia maravilhosa porque a gente pode ver como o familiar está. Antes, eu só podia vir duas vezes por dia e ficar meia horinha. Depois, se queria saber dele, só perguntando pelo boletim médico no hospital, o que não é a mesma coisa. Além disso, quando estou aqui, posso ajudar em coisas simples como dar comida ou ajuda-lo a fazer xixi. É a primeira vez que meu marido baixou hospital e acho que ele ficou mais tranquilo me vendo por perto _ explica Noemi.
Hospitais gaúchos participantes
Porto Alegre
:: Hospital Moinhos de Vento (coordenador do estudo)
:: Hospital de Clínicas
:: São Lucas PUCRS
:: Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia (hospitais Santa Rita, Pavilhão Pereira Filho e Dom Vicente Scherer)
:: Hospital Nossa Senhora da Conceição
:: Hospital Mãe de Deus
Interior
:: Hospital São Camilo (Esteio)
:: Hospital da Cidade de Passo Fundo (Passo Fundo)
:: Hospital Montenegro (Montenegro)
:: Hospital Ana Nery (Santa Cruz do Sul)
:: Hospital Santa Cruz (Santa Cruz do Sul)
:: Hospital Tacchini (Bento Gonçalves)