Leite que deveria ser jogado no lixo estava sendo negociado no mercado como produto bom e saudável. É o que indica investigação do Ministério Público, que cumpriu quatro mandados de prisão e cinco de busca e apreensão em Esmeralda, município vizinho a Vacaria, e também em Água Santa, no norte do Estado, na manhã desta quinta-feira.
"Eu fazia, mas não achava certo", diz homem preso por adulteração de leite nos Campos de Cima da Serra
Um dos presos é Márcio Fachinello, dono de uma transportadora de leite. Segundo o MP, ele seria responsável por comandar o esquema de adulteração do produto com a ajuda de funcionários. A venda do alimento deteriorado foi descoberta após quatro meses de investigação e inclui pela primeira vez a região dos Campos de Cima da Serra na rota da Operação Leite Compen$ado.
Fraudadores do leite nos Campos de Cima da Serra usavam código para desviar investigação
Segundo o promotor de Justiça Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, o alvo é a transportadora Fachinello, responsável por adquirir o produto cru de produtores de cidades da região e repassar para uma empresa de laticínios de Água Santa. De lá, a mercadoria era encaminhada para a indústria de processamento e abastecia os Estados de Espírito Santo e São Paulo.
Conforme Alcindo, o dono da transportadora e funcionários adicionavam produtos químicos ao leite in natura para mascarar a adição de água e aumentar o volume do produto final. O objetivo era aumentar os lucros e evitar a perda de leite azedo.
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A legislação estipula que o prazo máximo para a coleta do leite até o seu recebimento e processamento pelos postos de resfriamento é de 48 horas. Contudo, os suspeitos recolhiam o alimento em até sete dias após a ordenha.
- Eles compravam o leite que iria fora de qualquer jeito. Após, adicionavam bicarbonato de sódio para mascarar a acidez. Também colocavam água para aumentar o volume. Como o produto estava vencido, eles pagavam ao produtor menos da metade do preço médio do litro, que é de R$ 0,90. Assim, os lucros ficavam maiores - explica o promotor.
Motoristas eram orientados a adulterar produto
Promotor Mauro Rockenbach analisa leite na transportadora Fachinello.
De acordo com as informações obtidas pelo MP, a transportadora recolhia entre 40 e 50 mil litros de leite cru diariamente. Os motoristas eram orientados a acrescentar água e bicarbonato de sódio ainda no caminhão. O leite da transportadora era encaminhado para a Laticínios Unibom, localizada em Água Santa. Segundo o MP, não ficou comprovado se a Unibom sabia do esquema.
O bicarbonato de sódio é uma substância usada para adequar o leite impróprio ao consumo, deixando-o dentro dos parâmetros legais. As análises de quatro coletas feitas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) nos meses de agosto de 2014 e agosto de 2015 apontaram adulteração do produto.
O promotor Alcindo diz que leite e derivados em estágio avançado de deterioração perdem o valor nutritivo, pois a degradação natural reduz os padrões de vitaminas, sais minerais e proteínas estipulados pelo Mapa. A operação desta quinta-feira foi concentrada nas casas de Fachinello e de funcionários. O empresário e os motoristas João Paulo Alves da Silva, Claudiomir Rodrigues de Souza e Tiago da Luz Pereira foram presos. Agentes tinham ordem para apreender quatro caminhões usados na coleta e no transporte do leite.
A fiscalização também apreendeu um saco de bicarbonato em um galpão ao lado da casa de Fachinello. De acordo com o promotor Mauro Rockenbach, este produto poderia estar sendo usado no leite. O MP também pretende interrogar produtores e empresários que adquiriram o leite fraudado.
- Na próxima semana, vamos ouvir 17 pessoas para complementar a investigação -adianta Alcindo.
A 9ª etapa da Operação Leite Compen$ado tem apoio do Mapa, da Receita Estadual e da Brigada Militar. A ação é coordenada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) - Núcleo Segurança Alimentar -, coordenado pelos promotores Alcindo e Mauro Rockenbach. A promotora de Justiça de Vacaria Bianca Accioli também participa das diligências.
Contraponto
O que diz Márcio Fachinello:
- Eu trabalho com transporte de leite há 10 anos. Se eu estivesse envolvido em alguma fraude, não teria contas para pagar. Estou pagando financiamentos. O bicarbonato que acharam aqui eu uso para alimentar os animais no sítio. Jamais faria algo assim. Eu nego, mas se encontrarem alguma coisa, eu assumo.
Fraude persiste
A produção de leite no Rio Grande do Sul é investigada desde maio de 2013, quando foi descoberta a presença de água de poço e ureia com formol. Na época, o MP cumpriu mandados em Guaporé, na Serra gaúcha, e em outras duas regiões do Estado. A partir daí, a ofensiva não parou mais. Batizada de Leite Compen$ado, a operação do MP teve vários desdobramentos e fases. Na primeira, o alvo foram os intermediários. Depois, a indústria.
No ano passado, o Ministério da Agricultura encontrou álcool etílico e apontou duas cooperativas de Carlos Barbosa e Nova Petrópolis. A ação não teve relação com as investigações do Ministério Público. Em maio deste ano, a operação flagrou leite azedo em uma transportadora e cooperativa no norte do Estado. E agora, a operação se concentra nos Campos de Cima da Serra.
Segundo o promotor Mauro Rockenbach, 112 pessoas já foram denunciadas por envolvimento nas fraudes em todo o Estado. Desse total, o MP obteve a condenação de 14 réus.