A visão de Edson Néspolo sobre o Parque de Exposições Mário Bernardino Ramos, endereço do gabinete em que trabalha diariamente, e a Festa Nacional da Uva, que preside pela segunda vez, vai além do desafio imediato de organizar a próxima edição do evento em fevereiro. Néspolo defende a transformação do espaço no grande parque temático de Caxias do Sul.
A forte movimentação da Plastech no final da tarde de quarta-feira à tarde, quando Néspolo atendeu o Pioneiro, também não abala uma convicção: além de negócios, Caxias do Sul precisa focar no turismo de lazer, aproveitando a localização privilegiada próxima a Gramado e Canela e a Bento Gonçalves, sua história e os encantos do Interior. A nova matriz econômica, sustenta, reduziria a dependência à indústria metalmecânica.
Pioneiro: Como é organizar a festa em um ano difícil, de crise econômica?
Edson Néspolo: Está sendo maravilhoso. A dedicação e o comprometimento da comissão comunitária têm superado os obstáculos. Agora, para o evento de escolha da rainha, nesses três meses de preparação, conseguimos mais apoio e patrocinadores do que na última edição. Estou muito feliz. Na festa como um todo, estamos muito próximos de atingir nosso objetivo de 50% do orçamento com patrocínios. A venda de espaços está muito positiva, agora temos de aguardar a outra parte que é a bilheteria. Também promovemos ações como o sábado solidário, o jantar da dupla Ca-Ju.
O Parque Mário Bernardino Ramos virou uma área muito procurada aos finais de semana. Depois da festa, há projeto de expandir as ofertas de lazer?
Estamos investindo quase R$ 20 mil por mês na manutenção do parque, só no paisagismo, arborização, corte de grama e plantio de flores. Investimos em três pontos de água quente para chimarrão, academia da melhor idade, parquinho infantil, bicicletas para as pessoas andarem de graça, melhora de banheiros. O parque ficou um espaço democrático e um dos mais visitados em finais de semana. A tendência para o futuro é investir ainda mais: melhorar a iluminação, proporcionar a cada dia mais acessos ao parque.
O empréstimo de bicicletas pode ser ampliado?
Estamos buscando para a próxima festa a mesma parceria que implantou há dois anos. Há boa perspectiva de a mesma empresa que patrocinou na última ampliar esse serviço e deixar como legado para o parque.
E a questão da mudança da sede dos escoteiros?
Renovamos até o final de 2016. Nossa empresa de topografia analisa uma área do outro lado da Rua Ivo Comandulli, de 4,4 hectares, possivelmente vamos destinar, por projeto de lei, entre mil e 2 mil metros quadrados como área definitiva para escoteiros, e que ele possam inclusive tomar conta do mato ali que pertence à Festa da Uva, ajudar a preservar a área.
Qual a ideia para o espaço que eles ocupam atualmente?
A Festa da Uva tem que ser o primeiro parque temático de Caxias do Sul. O turista vai ver a miniatura da cidade em rolhas, que estamos começando a construir; a Réplica de como era Caxias; o Som e Luz concebido diferente; um espaço temático que integra religiosidade com o Jesus do Terceiro Milênio. Nós temos o gaúcho presente na cancha de laço, podemos fazer ali uma ambientação do tradicionalismo. A Festa da Uva tem que se tornar o primeiro parque temático de visitação permanente, com a cultura italiana e gaúcha e a religiosidade. Quando houver a transição dos escoteiros, temos a ideia de integrar a área a esse parque temático. Ali pode ser o museu da professora Véra Zattera, que está hoje no campus oito da Universidade, podemos trazer os trajes, a mistura de trajes italianos e gaúchos, o acervo da Festa da Uva, com a réplica de coroas e material de ex-rainhas e ex-princesas... Por tudo isso vejo a tendência de a Festa da Uva ser um parque temático de grande atração de pessoas.
Dentro dessa ideia, por que nunca se levou adiante a ideia de trazer o corso alegórico para mais próximo da Festa da Uva? Por exemplo, na Perimetral?
Dentro do Parque não vejo viabilidade. Durante a Festa da Uva a ocupação do parque é quase total. Na Perimetral, no trecho da antiga Via Vêneto, efetivamente poderia acontecer. Teria tudo a ver pela proximidade. Teríamos que fazer uma pista específica, tirar os canteiros do meio, ver a viabilidade de ter arquibancadas temporárias ou fixas.
O próximo corso será na Sinimbu ou Plácido de Castro?
Eu ainda sou daqueles que acha que o desfile tem a cara do Centro, uma questão nostálgica de praça, de Eberle, uma questão histórica ligada à Festa da Uva. Com o tempo vai ter que sair, não sei se será nesta edição ou na próxima.
A sua opinião é pela Sinimbu. Qual o peso dela na decisão?
É Sinimbu, mas eu trabalho com o grupo. Tem o grupo da cultura. Tem um grupo que contratamos de pessoas ligadas ao movimento tradicionalista, ao Carnaval, ao Natal Luz, contratamos profissionais de várias áreas para realizar o próximo desfile. Eu vou pela questão técnica. O que eles acharem melhor, aonde o desfile vai ficar mais bonito. Posso ser voto vencido e vou ficar tranquilo sobre isso. Aqui não é um sistema de impor as ideias. Vamos construir juntos. O que for definido pelo grupo da cultura, eu vou abraçar a decisão.
Se for para abrir mão da tradição da Sinimbu, por que levar para Plácido e não pensar em uma estrutura definitiva?
Na Plácido as adequações são menores para esse momento. Na Perimetral teria de fazer retirada de canteiros, mudança de trânsito. A Plácido é plana, já estão acontecendo alguns desfiles, vai receber o de Sete de Setembro. Está se tornando uma via de desfiles. O mais importante é nós fazermos um grande desfile, e é para isso que estamos agregando pessoas que podem dar essa contribuição, de continuar com cênico-musical mas melhorar muito carros alegóricos, alegorias, fantasias, dar mais vida ao desfile como um todo. Por isso, se vai ser no lugar A, B ou C é secundário. O que desejo mesmo é um grande desfile.
Essas pessoas foram contratadas ou são voluntárias?
Foram pessoas contratadas pela comissão de cultura, pela nossa secretária Rúbia. Buscamos um profissional roteirista, do melhor estirpe, o Nivaldo Pereira, que está dando uma contribuição maravilhosa. Quem lê o roteiro do Nivaldo já se emociona. Para agregar na concepção do desfile, profissionais de Porto Alegre, de Caxias, com experiência em desfiles de Semana Farroupilha, de Escola de Samba e em Natal luz. Vamos dar uma boa guinada no desfile.
De qual escola de samba?
Sempre é uma coisa polêmica, mas são profissionais ligados à Imperadores do Samba, de Porto Alegre.
Por que polêmica?
Sempre vai ter gente que vai dizer que não fecha com Festa da Uva. Mas por isso não agregamos um profissional, agregamos vários, e pessoas que já fizeram o desfile em Caxias do Sul.
E o custo disso?
O orçamento para fazer o desfile é de R$ 1,5 milhão. Aliás, as pessoas têm que respeitar muito a Festa da Uva. O retorno de bilheteria do desfile é de R$ 100 a 150 mil. Esse é um investimento que permanece pela tradição e pela história da Festa da Uva. Se vissem em números, alguns iriam dizer: ter que terminar com o desfile. Pela tradição, estamos mantendo e fortalecendo. Isso vem de patrocinadores, recursos captados pela lei Rouanet e pela LICS do Estado, e de alguns recursos que estão no plano de trabalho da prefeitura.
Houve uma guinada, uma surpresa, no desfile de 2012...
Foi um sucesso.
Em 2014, não causou o mesmo impacto.
Agora é uma guinada. Vamos ficar com a nossa orquestra, nosso coral, que é maravilhoso, que encanta, mas chegou a hora de aprimorar carros alegóricos, fantasias, alegorias, adereços. Temos de dar um upgrade nisso. Fui presidente na Festa de 2014 e reconheço que podemos melhorar muito.
Mantêm-se apenas noturno?
Todos noturnos. Oito desfiles noturnos.
Por que a escolha do local foi protelada?
Por causa da concepção, do roteiro, das condições técnicas. Agora, vamos aguardar a experiência do desfile de 7 de setembro.
Néspolo não decide. E o prefeito Alceu?
O prefeito tem sido um parceiro, um colaborador em tudo. É um apaixonado, um entusiasta. Não participou de uma definição de jurado, deu liberdade para a comissão. Trocamos ideias com ele, sempre muito acessível.
O modelo de Festa rainha-corso-feira deve ser revisto para edições futuras?
Se não tivéssemos algumas coisas costuradas com antecedência, de patrocínios, ia ser muito difícil viabilizar essa festa. Quem for fazer as próximas festas certamente vai ter que definir se vale a pena investir R$ 1,5 milhão sem ter retorno. Pode ser que tenha de se fazer alguns cortes... Agora, a Festa da uva, a gente vai no Brasil inteiro e é referência. Aqui no Estado, todas as festas se espelham na Festa da Uva. Olha a mobilização com uma simples escolha da rainha e princesas. Um case para o Brasil inteiro. Vamos reunir 12, 15 mil pessoas para assistir à escolha entre 20 meninas. É a tradição de 85 anos. É a magia de as rainhas e as princesas virarem pessoas símbolo de um dia para o outro. Essa magia da Festa contagia a todos. Nosso concurso não exalta o corpo da mulher, não é feito para biquíni. Exalta a mulher como um todo, com a garra, a beleza, a tradição, uma gama de coisas que está em jogo. Não é uma exaltação do corpo como nas escolhas de miss.
Como está sendo preparada a feira agroindustrial? Ficou no passado aquela coisa pejorativa do edredom?
A Festa da Uva só vai sobrevier se a cada edição for mais festa. Por defendo a manutenção do desfile? Porque lá é uma celebração. Por que defendo a presença dos municípios da região? Eles trarão mais festa para dentro. Por que a valorização do meio rural, das colônias? Porque são o retrato vivo da Festa, da gastronomia, da alegria, todo mundo tem laços com o interior. Ambientações temáticas, exposição de uvas, essas atrações que enchem os olhos, esse caminho de mais festa é sem volta. O filo é um exemplo disso, representa, a cada dois anos, com sucesso, cultura, gastronomia, música, família.
O filó estará presente na festa?
Por isso vamos ampliar o espaço da colônia. É polenta brustolada na hora, fortaia, copa, queijo, salame, pessoas cantando, fazendo artesanato, reproduzindo como era uma ferraria. Enfim, o espaço das colônias é um grande filó.
A agenda de shows está definida?
É (franzindo a testa) uma das cosias piores de tratar na Festa da Uva.
Por causa da experiência anterior (anúncio frustrado de show do Maná)?
Não, não... Já vivi com outros presidentes... É angustiante fechar shows. Parece que na Festa da Uva eles têm de ganhar mais, sabem que a Festa é grande e o cachê sobe, tem muitas pessoas não confiáveis nesse meio. Mas posso garantir uma coisa: vamos pensar grande. Vamos pensar grande. Teremos artistas de ponta na Festa da Uva. Não tem nenhum fechado ainda.
O que mais precisa melhorar na Festa?
O grande problema é na chegada e saída do parque. A Secretaria de Transportes está pensando uma solução de acesso que pode ajudar muito, de ter uma minirrótula nos portões de acesso para fluir melhor. E alguns ajustes também para melhorar a chegada e saída do transporte coletivo, de táxis. Em alguns dias nada vai resolver. Em um domingo às 11h, em noites de grandes shows, pelo tamanho que a Festa tem, nada vai resolver.
Qual o orçamento da Festa?
Em torno de R$ 14 milhões e meio.
Qual a previsão de receita?
A gente trabalha com R$ 15 milhões, para deixar algum legado. Na última festa tivemos uma sobra e investimos no parque: água quente, churrasqueiras coletivas, arborização, bicicletas.
E de público?
Queremos esse ano efetivamente passar de 1 milhão. É um desafio, em um ano de crise, claro que tira o sono. Tira o sono. A gente teve por aí muitas festas com dificuldades. Mas também a gente vê uma questão interna melhor. A alta do dólar beneficia o turismo interno. Estamos trabalhando melhor com as agências, parceiros trabalhando a divulgação. As oportunidades estão aí e temos que saber explorá-las.
Qual a chance de presença da presidente da abertura, diante dessa crise que Dilma enfrenta?
Claro que quero que a Dilma venha. Se ela está com rejeição, essa questão é secundária. O Itamar (Franco, em 1994) estava com uma rejeição enorme, houve aquele incidente do Carnaval, e depois que veio à Festa da Uva começou a dar a volta. As pessoas não podem confundir a paixão política com uma questão maior. A presença da presidente vai dar projeção à festa. Vou ter muito orgulho de convidá-la, lá por novembro.
Como professor e político com experiências no Legislativo e Executivo, como avalias essa crise institucional? Tem saída?
Tem saída por que as coisas estão vindo à tona e não está se poupando ninguém. É presidente de Câmara dos Deputados, senador, grandões da política que foram presos no mensalão, é Lava-Jato pegando grandes empreiteiros que a gente não imaginava que seriam presos. Mesmo com toda essa podridão, vejo o lado positivo, sim: o fortalecimento dos poderes da Procuradoria Geral, do Ministério Público Federal, da Justiça Federal, enfim, dá uma garantia de que as coisas estão sendo feitas. Agora, lógico que estamos em um cenário econômico horrível. Coisas que tinham de ter sido feitas no ano passado não fizeram por causa do ano eleitoral e estamos pagando o preço. A nossa perspectiva, principalmente nós que dependemos do metalomecânico, é de uma crise muito forte. Por isso eu falo: a perda no setor metalomecânico nos próximos anos em Caxias deverá ser compensada com o fortalecimento do turismo. Não tem outra forma. Estamos com tudo para isso. Ficamos no meio de Gramado e Canela e de Bento Gonçalves, que estão à nossa frente hoje. É só nos articularmos um pouco melhor que vamos pegar uma carona muito grande. Mas temos de unir todos que têm interesse nessa área. Parques temáticos, uma nova mentalidade de turismo, uma nova forma de investir... A uva está em evidência, o vinho está em evidência, nossa Serra é belíssima, temos de nos fortalecer.
Por que Caxias perdeu essa vocação turística?
Foi por conta de nosso conformismo com o turismo de negócios. Achamos que isso bastava. O turismo de lazer está sustentando Gramado e Canela, Bento está recuperando. Precisamos direcionar, implantar parques temáticos, melhorar os roteiros pelo nosso interior, que é maravilhoso. O turismo é uma fonte de saída para Caxias do Sul.
Quem tem de liderar esse processo?
Todos. A Festa da Uva dá uma contribuição grande, interagindo com Bento, com Gramado, com essa regionalização, e temos aprendido muito com eles. Um orçamento que tem de ser aumentado numa próxima administração é o do turismo. Não podemos repetir o que fazemos há 30 anos em Caxias. O poder público tem que colocar mais recursos no turismo, a iniciativa privada ter uma visão como tem nesses municípios. Prefeitura, Comtur, CIC, CDL, agências de turismo, é uma questão para todos.
Na distribuição de cargos, que sempre tem um componente político forte, a Secretaria de Turismo não é das mais cobiçadas, nenhu8m partido a trata como primeiro escalão. Está na hora de mudar isso também?
Já tivemos e temos bons secretários, pessoas que dão boa contribuição, mas falo de uma visão como um todo: todos têm de ver que estamos no meio de dois polos. É só dar uma articulada melhor.
Entrevista
"O fortalecimento do turismo é a única saída para Caxias", afirma presidente da Festa da Uva
Edson Néspolo defende transformação do Parque de Exposições em um atrativo temático de visitação permanente
GZH faz parte do The Trust Project