A vida ordinária, o homem comum, o banal, o simples. Por que esses temas deveriam ganhar espaço nas intenções da missa de hoje? Bem, vamos aos fatos, a maior parte dos nossos dias é de rotina, a maior parte dos nossos encontros ocorre sem grandes emoções. As refeições na nossa mesa não costumam ser dignas de foto, muito menos o "look do dia" que montamos apressados para não perder o ônibus da 7h. Nossos caminhos são, geralmente, os mesmos. Sem grandes novidades, nem nas paisagens nem nas pessoas que as compõem.
Há quem se sinta sufocado - a rotina também prepara armadilhas das mais cruéis - mas é possível olhar para a vida banal com certa poesia. Sem gastar muito esforço lembro de pelos menos dois filmes lançados em 2014 que elegeram como temática a pura trivialidade do passar dos dias. Dos irmãos Cohen veio Inside Llewyn Davis (que no Brasil ganhou um certeiro complemento de título: Balada de um Homem Comum). Já Richard Linklater dirigiu o premiado Boyhood, fazendo da passagem do tempo um de seus personagens principais. São obras que valorizam o caminho, não o destino. Até porque, quem de nós sabe exatamente onde está indo?
O exercício é enxergar no nosso dia a dia um filme tão bom quanto os que Linklater ou os Cohen fizeram. Por exemplo, a quem você concederia o prêmio de fotografia do seu longa-metragem diário? Quem sabe àquela árvore que recebeu o recorte forçado e belo pela janela do seu escritório. Seu cão teria grandes chances a levar a estatueta de ator, exibindo dia após dia a mesma interpretação eufórica para sair e dar uma voltinha no pátio.
O prêmio de edição certamente iria para aquela sua amiga que tem o maior talento para resumir histórias somente com as informações mais relevantes. A trilha vencedora seria aquela que te fez sorrir ouvindo o rádio em meio ao trânsito caótico das 18h (eu sugeriria o mestre Raul exaltando a vida banal nos versos: "E no subúrbio, com flores na sua janela/Você sorri para ela/e dando um beijo lhe diz/felicidade é uma casa pequenina/é amar uma menina/e não ligar pro que se diz").
Apenas lembre, o melhor diretor é sempre você, orquestrando o olhar em mais um dia como qualquer outro.
Opinião
Siliane Vieira: a maior parte dos nossos dias é de rotina
É possível olhar para a vida banal com certa poesia
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