Daqui a exatos 366 dias, a delegação brasileira estará desfilando na abertura das Paralimpíadas de Paris em 2024. Os Jogos acontecerão de 28 de agosto a 8 de setembro na cidade luz. São esperados mais de 4,4 mil paratletas, de 182 países, para 549 provas em 22 modalidades. E três paratletas de Caxias do Sul podem estar no seleto grupo da delegação brasileira, que deve ser composta por 250 esportistas, segundo projeção do Comitê Paralimpíco Brasileiro (CPB).
A meta do CPB para os Jogos de Paris 2024 é se manter no top 8 e conquistar entre 70 e 90 medalhas. Na última edição da Paralimpíada, em Tóquio 2020, o Brasil deixou a capital japonesa com 72 medalhas. Foram 22 medalhas de ouro, 20 de prata e 30 de bronze, a melhor campanha do país em uma edição dos Jogos.
Marcelo Casanova do judô, Larissa Rodrigues da natação e Maria Eduarda Stumpf do taekwondo poderão desfilar na cerimônia dos Jogos, que pela primeira vez não será dentro de um estádio. Paris promete inovar com a abertura na Champs-Élysées e na Praça da Concórdia.
Enquanto somam pontos em competições internacionais e buscam seus índices, os paratletas treinam na Serra com o objetivo bem definido. Casanova e Larissa fazem parte do Recreio da Juventude. E Maria Eduarda integra o projeto da ACTKD/UCS.
Mais de 10 mil quilômetros separam Caxias do Sul de Paris. No entanto, para o trio é distância não é um problema, pois já enfrentaram inúmeras adversidades. A bússola para superar os muros e os caminhos sinuosos foi o esporte. Eles ainda não aprenderam a falar francês, mas uma palavra não faz parte do vocabulário deles: limitação. Pois quem se limita é o próprio ser humano.
LARISSA RODRIGUES
Larissa tem 18 anos e veio de Ipê para Caxias do Sul. A Serra Gaúcha virou o seu lar. Apesar da pouca idade, a desenvoltura nas palavras é de palestrante experiente. Ela nasceu com uma má formação congênita em seus braços e pernas. Na infância foi adotada aos três anos e a expectativa de vida era até os seis, pois não tinha cuidados específicos. A jovem afirma que o esporte a fez enxergar as suas qualidades.
— O esporte tem muita a significância para mim em aceitação, em sair da zona de conforto, em me desafiar. Com a natação, eu pude perceber que as minhas qualidades são muito superiores a qualquer restrição. Dentro da natação eu posso dizer que eu consigo expressar com o meu corpo, quem eu realmente sou. Dentro de água eu consigo mostrar a minha melhor versão para mim mesma e para todas as pessoas — contou.
Dentro da natação eu posso dizer que eu consigo expressar com o meu corpo, quem eu realmente sou
LARISSA RODRIGUES
Paratleta do Recreio da Juventude
Quando fala em Paris, Larissa tenta lidar com a ansiedade. Ela ainda não tem os tempos que serão exigidos para garantir a presença nos Jogos. Enquanto isso, a jovem treina com base nas métricas da última edição, de Tóquio. Sobre o sentimento de estar na França, ela ainda não consegue descrever o sentimento.
— Eu não sei qual vai ser o sentimento, mas eu já consigo imaginar. Eu acho que todo atleta de alto rendimento sonha muito participar da Paralimpíada. É o meu maior sonho como atleta. Vai ser acho que um alívio ao mesmo tempo, a felicidade de representar todos os brasileiros. A Paralimpíada vai ser total recompensa tanto para mim quanto para minha família.
MARCELO CASANOVA
Com albinismo e 6,75 graus de astigmatismo, Marcelo Casanova, 19 anos, começou no judô em 2012, com nove anos, por influência do pai, Antônio Casanova, também judoca. Agora, Paris está mais perto que ele imagina. Os seis primeiros do ranking garantem presença na capital da Torre Eiffel.
Atualmente, o judoca é quarto do mundial. Ele ainda tem mais competições para somar pontos na busca da vaga. Na última semana, Casanova foi medalha de bronze no Mundial da Federação Internacional de Esportes para Cegos (IBSA), na categoria J-2, no peso médio (-90kg). No calendário de 2023 ainda constam disputas dos Grand Prix de Tóquio e Azerbaijão.
— A expectativa é a melhor possível. Sabemos que não estamos classificados 100% para os Jogos, mas com a ansiedade a mil, sabendo que temos muitas competições ainda para somar pontos no ranking, que é o critério classificatório para as Paralimpíadas. Seria uma hora muito grande representar a minha cidade, meu país, meu clube, numa competição tão grande como essa. Digo que a preparação de um atleta para os Jogos e para competições, é de uma vida inteira, mas a gente vê esse objetivo nesses últimos quatro anos.
A gente tem que abdicar as vezes de ficar com a família, ficar com os amigos ou até mesmo outros projetos para conseguir almejar esse objetivo.
MARCELO CASANOVA
Paratleta do Recreio da Juventude
Para atingir o sonho, todo o paratleta tem uma rotina regrada. A vida de um desportista é feita de renúncias para manter o foco. São horas e mais horas de treinos, cuidados com alimentação e sono. Pontos que podem ser determinantes para ter o nome na lista final dos Jogos.
— O foco é total, então a gente tem que sempre se tentar escolher o que é melhor. É dormir, comer melhor, abdicar de algumas coisas em prol do treinamento. Então, a gente tem que abdicar as vezes de ficar com a família, ficar com os amigos ou até mesmo outros projetos para conseguir almejar esse objetivo maior que é que essa conquista de estar nos jogos e possivelmente conseguiu a medalha para a cidade, para o país.
MARIA EDUARDA STUMPF
Maria Eduarda Stumpf, 18 anos, faz parte da seleção brasileira de parataekwondo. No tatame, ela encontrou respostas para as inúmeras perguntas que surgem na cabeça de um adolescente. Quando criança, foi diagnosticada com lesão braquial no braço esquerdo, sofrida ainda no parto. Em 2006, a pequena saiu de Itaqui e veio para Caxias do Sul com a família em busca de tratamento. Ela já conhece Paris, pois competiu recentemente e conquistou uma medalha de ouro e outra de bronze. Contudo, nada se compara a emoção de estar em uma Paralimpíada.
— As expectativas estão bem altas. Como eu venho seguindo a uma sequência boa de resultados nas competições, ainda temos três Grand Prix. Que só os 12 do ranking são convidados a participar. Todos os campeonatos tem uma quantidade de pontos que vai somando ao ranking. O resultado de quem vai para as Paralimpíadas só vai sair no ano que vem no final de abril — explicou.
Tudo o que as outras pessoas podem fazer eu também posso, mas do meu jeito. A minha própria limitação era a minha cabeça
MARIA EDUARDA
Paratleta da ACTKD/UCS
Maria Eduarda quer estar com a delegação brasileira daqui um ano em Paris. Uma possível medalha não simboliza apenas uma conquista. Representa o poder da persistência, de nunca desistir e que a limitação está na cabeça das próprias pessoas.
— O primeiro objetivo era fazer um esporte em prol da minha lesão para me movimentar, me desenvolver. Depois que eu descobri a paixão pelo taekwondo virou meu objetivo. Não é só de estar nas Paralimpíadas, mas poder representar o Brasil. Eu sou muito mais do que as pessoas enxergam. Eu não sou só a Maria Eduarda que tem deficiência. Sou a Maria Eduarda atleta. Depois que entrei no taekwondo eu descobrir que não é uma limitação. Tudo o que as outras pessoas podem fazer eu também posso, mas do meu jeito. A minha própria limitação era a minha cabeça — finalizou.