Segundos antes da decisão por pênaltis começar no Estádio Centenário, no dia 30 de julho, o goleiro do Caxias se dirigiu até o fundo da goleira e pegou um objeto. Muitos torcedores nem perceberam a ação de André Lucas. Ali estava o terço dado pela avó, Juraci Maria de Souza. Sempre quando tem um pênalti contra, o arqueiro grená coloca o terço de Jesus Cristo dentro da luva, na mão direita. Movido pela fé, foi com esse braço que ele defendeu a batida de Tite, do Oeste, na segunda fase da Série D e manteve o caminho de devoção pelo acesso.
— Essa fé que tenho começou com a minha vó. Ela era benzedeira. O pessoal sempre a procurava. A última lembrança que a gente teve ela disse: "toma cuidado com as pessoas que vão cruzar teu caminho. Te vejo conquistando coisas que você nem imagina. Mas vão aparecer coisas que podem fazer você desviar". Ela benzeu esse terço branco, e sempre carrego comigo. Foi a última lembrança nossa junto. Desde 2011 carrego ele em todos os jogos, sempre comigo — revelou o goleiro no programa Show dos Esportes, da Rádio Gaúcha Serra.
Mais de 10 anos depois ganhar o terço de sua avó, o jogador lembra de um momento delicado na vida. Ele não teve a oportunidade de dar um último adeus a quem lhe tratou como um filho. Durante uma viagem para jogar no Espírito Santo, o atleta da base do Cruzeiro recebeu a notícia que ninguém está preparado para ouvir.
— Quando estava no Cruzeiro eu perdi a minha avó. Fui para um jogo no Espírito Santo, em Vila Velha, e esconderam de mim que ela tinha falecido, pois eu estava jogando e não quiseram contar — revelou André, que após ser surpreendido pela triste notícia decidiu largar tudo:
— Quando cheguei de viagem, estava jantando, meu telefone tocou e quando tem número estranho não atendo. Meu amigo da mesa recebeu a ligação do meu primo e me passou o telefone. Quando ele me disse que há duas semanas a minha vó tinha falecido, desliguei o celular, subi para o quarto e fui para casa. Ali eu queria largar o futebol e não queria mais jogar. Fiquei duas semanas em casa, mas depois de muita insistência voltei para o Cruzeiro — contou o goleiro grená.
O goleiro perdeu a sua avó no mesmo ano em que ela deixou o presente em suas mãos. Terço que carrega as marcas de muitos jogos e três decisões de pênaltis positivas para o goleiro. Os braços que conduzem o terço, nos dias dos jogos, também têm as marcas da fé. No braço esquerdo está tatuado o Pai Nosso. Todos os dias André faz a oração. No direito, a imagem de Jesus.
DE LATERAL A GOLEIRO
Na vida, o goleiro André decidiu não ter pressa e preferiu seguir uma direção. Em cinco anos de Caxias, ele soube esperar o seu momento. Na atual temporada, são 21 jogos com a camisa grená. Aos 28 anos, ele classifica ser o melhor momento da sua carreia.
— Em 2016 vivi um bom momento no Rio Preto, de São Paulo, onde consegui o acesso e pude estar presente jogando. Mas de sequência de jogos este é o melhor momento da minha carreira — declarou.
Nem sempre André teve sucesso nas traves. Aliás, não era nem essa a posição que ele começou no futebol. O atleta foi lateral no início da sua trajetória. Mas tudo mudou quando um amigo, ainda pequeno, se decepcionou ao levar três gols em um campeonato da base. O que André não sabia, era que sua vida mudaria depois da atitude.
— A minha carreira começou de um jeito meio inusitado. Eu fui lateral-direito, e bem novo quando fui para uma competição, o goleiro. que era amigo meu, levou três gols e saiu chorando, não querendo jogar mais. Olharam para trás e ninguém levantou as mãos para ir pro gol. Daí eu fui, já brincava na quadra de ir para o gol. Era o mais alto. Quando a bola vinha, ia com pé e não com a mão. Assim comecei a treinar, fui para a primeira competição no time da minha cidade e fui o melhor goleiro da competição — detalhou o jogador, que é fã do ex-goleiro Jefferson, ídolo do Botafogo:
— Quando fui para a base do Botafogo, no Rio de Janeiro, treinei várias vezes no profissional e conheci o Jefferson, goleiro, que é meu ídolo. Ele conversou bastante comigo, a gente mantém contato ainda — disse.
André tem uma trajetória forjada pela persistência. Ele esperou a sua chance e, abraçado pela fé e com o terço da avó, quer chegar ao tão sonhado acesso com o Caxias. Neste sábado, diante do Real Noroeste, no Centenário, será mais um dia para acreditar e, como dona Juraci já dizia, conquistar algo que muitos esperam.