Doar, além de ajudar quem recebe, permite que o comércio local se mantenha aquecido. Em Caxias do Sul, o movimento de compra de produtos com destino aos milhares de gaúchos atingidos pela chuva entre os meses de abril e maio em praticamente todo o Estado garantiu que o varejo não registrasse grandes perdas.
Com um consumidor ainda receoso acerca do cenário atual e as dificuldades logísticas do Rio Grande do Sul, que dificultam o deslocamento por rodovias, a solidariedade joga a favor de quem depende das vendas para manter e gerar mais empregos, além de auxiliar na sustentação econômica da região.
Sem contar com problemas de abastecimento de produtos essenciais nos mercados e estabelecimentos do gênero alimentício, o Sindigêneros confirma um aumento na procura por itens para doações nas últimas semanas. O presidente Volnei Basso avalia que o movimento possibilitou um equilíbrio no setor, que já percebe queda nas compras habituais do consumidor.
— Os supermercados tiveram crescimento na compra de produtos para doações e cestas básicas. O pessoal tem mandado bastante produtos de limpeza e água, por exemplo, para as regiões mais atingidas. Foi um crescimento significativo. Mas a venda do dia a dia está retraída. Eu acredito que seja em função do impacto econômico. Há muitas queixas de clientes de que o poder de compra caiu. Por isso, a solidariedade aqueceu um pouco, com certeza — garante Basso.
O Sindilojas também acompanha o ritmo do consumo para estudar ações e compreender o cenário gerado a partir dos efeitos da chuva. Para o presidente Rossano Boff, o espírito solidário do caxiense possibilita um mês de maio movimentado.
— São várias as razões para esse movimento. Um deles é que muitas famílias que moram em Caxias têm parentes em algumas regiões atingidas. Comprando para mandar ou até mesmo trazendo essas pessoas para cá, há aquisição de mercadorias tanto para o dia a dia, como roupas e calçados para quem precisou sair correndo de casa. E nós precisamos desse estímulo, porque os empregos precisam ser mantidos, a economia precisa girar, mesmo diante do fato ocorrido, da tristeza, da destruição. Isso vai permitir ajudar o Estado como um todo logo ali adiante — aponta Boff.
Em relação a uma possível falta de produtos nas prateleiras do varejo caxiense, o presidente do Sindilojas afasta momentaneamente o risco. De acordo com ele, a situação favorável ocorre já que os lojistas se preveniram com estoques para as vendas de Dia das Mães, uma das datas mais importantes do ano para o comércio.
CDL prega cautela e prevê impacto negativo
Um pouco mais cauteloso, o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Eduardo Colombo, projeta dificuldades principalmente devido às obstruções das estradas, tanto no recebimento de produtos, com mercadorias demorando muito mais tempo para chegar, quanto no escoamento dos itens produzidos na região. Para ele, ainda é cedo para estimar prejuízos, mas as perdas já são observadas. Contudo, Colombo confia no papel do varejo da Serra na retomada da economia gaúcha.
— Nosso sentimento é de que, após os eventos climáticos amenizarem, Caxias do Sul, por ter sofrido menos com os impactos das chuvas, pode vir a se tornar um grande canal distribuidor para as cidades atingidas. Estamos solidários às vítimas e engajados na reconstrução do nosso Estado, buscando a união entre as entidades, o poder público e as comunidades — projeta o empresário.
Mais de 20 mil itens vendidos para doação
Um dos pedidos mais recorrentes para desabrigados e desalojados no Estado foi o de roupas íntimas. Com dificuldade de doar calcinhas, cuecas e meias, muita gente procurou lojas especializadas para atender à demanda. Opção neste segmento, a RC Roupas Íntimas, localizada em um shopping no bairro Cinquentenário, em Caxias, recebe desde o começo do mês centenas de pessoas com esse intuito. E oferece preços específicos para doações.
A empresária Ana Carolina Presotto Silva, que comanda o negócio junto com o pai Ronaldo da Silva, revela que a iniciativa partiu mais dos clientes do que deles, em uma onda de solidariedade que angariou muitos clientes.
— O estoque estava bem cheio porque queríamos fazer a feira em maio por causa do Dia das Mães. E aí aconteceu tudo isso. E como esses produtos precisam ser novos, é difícil doar usados, o movimento tem sido intenso. Buscamos fazer um preço mais acessível para quem quer doar. Temos calcinhas, por exemplo, custando R$ 3, R$ 5. Cuecas por R$ 15. Preço de custo que pagamos — salienta Ana Carolina.
Ela conta que a divulgação foi boca a boca e pelas redes sociais dos próprios consumidores. Na loja, a maioria das pessoas tem comprado vários itens, aproveitando os valores diferenciados e aumentando o volume de produtos destinados aos necessitados.
— Teve uma empresa que comprou mais de R$ 8 mil em calcinhas e cuecas. Uma senhora, sozinha, veio e gastou R$ 2 mil. Já vendemos mais de 20 mil itens e seguiremos vendendo nesses patamares por tempo indeterminado. É uma forma também de ajudar — conclui.
Compras e voluntariado para quem precisa
Foram muitos os caxienses que se envolveram com a campanhas de auxílio aos atingidos pela chuva no RS. Comprando para contribuir com vaquinhas ou preparando alimentos para desabrigados e voluntários, o que não faltam são exemplos de quem fez questão de participar de um momento tão difícil para o Estado. E, por consequência, ajudou o comércio daqui.
A enfermeira Daniela Pereira, 49 anos, organizou um grupo de pessoas que produziu 500 sanduíches enviados ao município de Roca Sales, no Vale do Taquari. Segunda Daniela, muita gente contribui com dinheiro para comprar pão e frios, além de alguns produtos de limpeza que foram remetidos aos necessitados.
— Foi uma ação da igreja que frequento e mais alguns amigos que ajudaram na causa. O importante foi fazer o que podíamos para ajudar o pouco que podemos — salienta.
Questionada sobre os hábitos de consumo das últimas semanas, Daniela confirma que diminuiu as compras em alguns setores. Para a enfermeira, a realidade atual é de menor poder de compra.
— O mercado do dia a dia ficou mais caro. Claramente, tenho comprado menos — revela.
Outro caxiense que contribui para o aquecimento das vendas na cidade é o ferramenteiro Marco Aurélio Kny, 45. De forma voluntária, ele explica que comprou diversos itens e entregou para uma associação que angaria fundos para as famílias que perderam tudo com os eventos climáticos recentes.
— Procurei água, produtos de higiene pessoal, de limpeza. Tudo adquirido no nosso comércio. Foi uma ação mais minha mesmo, e doei para um grupo que está bem envolvido — aponta Kny.