Caxias do Sul tem uma histórica ligação econômica com a Argentina, justificada, principalmente, pela proximidade geográfica. Até por isso, a recente corrida eleitoral por lá fez com que os olhos dos empresários locais se voltassem ao país vizinho. Com o economista Javier Milei eleito para o primeiro mandato à frente da Casa Rosada, há expectativa para um estreitamento dos laços e até mesmo desburocratização no processo de exportação de produtos brasileiros. O novo presidente toma posse em 10 de dezembro.
Em dado momento da corrida eleitoral, Javier Milei chegou a dizer que poderia romper os laços econômicos com o Brasil, com a China e outros países que hoje têm governos de esquerda, além do próprio Mercosul. Discurso que já começa a ficar distante após conseguir a preferência dos argentinos no resultado das eleições. Em algumas falas mais recentes, começa a dizer que quer modernizar o bloco econômico da América do Sul.
— A Argentina precisa do Brasil, e o Brasil precisa da Argentina. Temos muita esperança de agora, (com) a Argentina resolvendo os seus problemas internos, (que) possa continuar sendo um dos melhores parceiros econômicos do Brasil, e da nossa região consequentemente — analisou o vice-presidente de Relações Institucionais do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), Ruben Bisi, que também é vice-presidente de Indústria da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC).
Com 13% das produções caxienses tendo a Argentina como destino, o país vizinho é o terceiro maior comprador da cidade, atrás dos Estados Unidos (21%) e do Chile (16%). Conforme levantamento da CIC Caxias, com base em dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, até outubro a Argentina já havia comprado mais de 76 milhões de dólares em produtos oriundos do maior município da Serra gaúcha. Resultado que poderia até ser maior.
— É um número extremamente afetado por essas dificuldades diárias da relação com a Argentina. Ela não consegue importar, não consegue pagar, é uma relação muito tensa. Se normalizasse essa relação, eu diria que muito rapidamente esse número iria crescer. A Argentina tem uma relação (histórica) muito forte com a região (da Serra)— opinia o presidente da CIC Caxias, Celestino Loro.
Em 2017, a Argentina chegou a ser o país que mais comprava de Caxias do Sul. Naquele ano, figurou na primeira posição, com 19% das mercadorias indo o país vizinho. Entretanto, a mais recente crise financeira tirou esse posto. Tanto Bisi como Loro acreditam que a retomada econômica da Argentina, que teria um impacto positivo em Caxias do Sul, não será rápida. Pela amostragem recente, com a desvalorização da moeda e uma inflação elevada, Milei terá um trabalho delicado pela frente.
— Agora, sob um novo governo que fala em reerguer a Argentina, nós acreditamos que vai haver ainda uma degradação mais forte nestes primeiros dois, três meses. A Argentina deverá aumentar a inflação justamente no início do governo Milei, porque ele vai precisar dar o choque da economia para poder depois restabelecer a economia como um todo — projeta Bisi.
Em termos de produtos, autopeças, componentes para ônibus, para chassis, aços especiais e guindastes são os principais itens exportados por Caxias do Sul à Argentina.
ESPERANÇA NA RECUPERAÇÃO
Com duas unidades fabris localizadas no bairro Santa Catarina, em Caxias do Sul, a empresa Hyva do Brasil tem longevos laços econômicos com a Argentina. Desde 2005, exporta para o país vizinho principalmente guindastes articulados, cilindros e kits hidráulicos, entre outros produtos.
A Argentina representa um bom volume das exportações da empresa, sendo o maior comprador dentro da América do Sul, e ficando atrás apenas dos Estados Unidos em um contexto geral. Atualmente, a Hyva do Brasil tem uma vasta cartela de clientes no país vizinho, e conta com boas parcerias comerciais.
Em 2022, a Argentina representou cerca de 22% do faturamento das exportações da empresa. Porém, a crise financeira, que se agravou ainda mais nos últimos anos, fez esse número cair pela metade em 2023, como destaca o diretor-presidente da Hyva do Brasil, Rogério De Antoni.
— A demanda interna é grande, é fantástica, nós só tínhamos crescido na Argentina até o ano de 2021, mas essas dificuldades (econômicas) fizeram um encolhimento nas exportações.
Conforme o diretor-presidente da Hyva do Brasil, Milei terá que fazer um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a fim de trazer maior tranquilidade para os países que são parceiros comerciais da Argentina e até mesmo reduzir a inflação no país. Segundo ele, problemas econômicos como o do país vizinho "não se resolvem do dia para a noite".
Mas, De Antoni vê com olhar esperançoso os próximos passos. Analisa que 2024 será um ano de início da recuperação, ainda com alguns obstáculos, e que no futuro isso pode proporcionar a melhoria dos laços entre a empresa e os parceiros na Argentina. Algumas das ações que trazem o sentimento de esperança pela retomada econômica é a redução nos gastos e uma reestruturação do governo, prometidas por Javier Milei durante a campanha eleitoral.
— Obviamente (que) não esperamos isso para 2024, vai ser um ano de recuperação e de muita negociação, mas acreditamos que, em dois ou três anos, a Argentina volte ao patamar de importância no comércio com a nossa empresa.
MELHORIAS A MÉDIO E LONGO PRAZOS
O Grupo PCP Steel, formado por três unidades de negócio ligadas ao aço, tem parcerias com a Argentina desde os anos 1990. Entretanto, conforme aponta o gerente geral, Eduardo Cervelin, os problemas financeiros no país, iniciados na primeira metade dos anos 2000 e intensificados na década seguinte, impactaram nas negociações.
Atualmente, apenas 5% do faturamento das exportações é oriundo do país vizinho. Com as chapas de aço como matéria-prima e os componentes de conjuntos soldados sendo os produtos mais enviados, Cervelin acredita que, caso a situação econômica fosse mais estável, as negociações com companhias de lá seriam muito maiores. E o país representaria, ao menos, 25% do faturamento de itens enviados para fora do Brasil. Os Estados Unidos, o Chile e o Uruguai são os três principais parceiros comerciais internacionais atualmente.
— A gente faria no mínimo 10, 15 vezes mais negócios do que fazemos hoje, tranquilamente.
Conforme o gerente geral da PCP Steel, algumas barreiras técnicas e burocráticas impedem que as negociações sejam melhores. Um dos problemas econômicos mais fortes é visto no próprio Banco Central argentino, com a falta de divisas para repassar pagamentos em dólar aos vendedores brasileiros.
Soma-se a isso, segundo o empresário, o Sira — Sistema de Importação da República Argentina —, que está em vigor desde outubro de 2022 e faz o rastreamento das operações internacionais. Esse documento, que é obrigatório, pode levar mais de 90 dias para ser emitido, e os pagamentos são vinculados a ele, o que atrasa o processo de exportação.
— Sempre foi um país importante, um grande consumidor de tudo o que se faz no Brasil, e o grande problema é que tivemos que limitar as nossas exportações a aquilo que conseguíamos receber os recursos — descreveu sobre o cenário atual.
Segundo Cervelin, algumas das propostas de Milei, como a redução de gastos e a reestruturação do governo podem ser positivas, mas algo que não será resolvido logo.
— Que a médio prazo, com reformas que o Milei quer implementar, com ações de redução de máquina pública, de eficiência e redução de gastos, isso signifique que a Argentina volte a crescer e, por consequência, o país volte a se estabilizar economicamente.