“As oportunidades aparecem para quem está querendo e devemos agarrar”, diz o assessor de investimentos e mentor Cléber Bossle para a turma do Programa Miniempresa no Colégio Estadual Imigrante. Neste contexto, a oportunidade é o próprio projeto, que chega à 24ª edição.
Após uma interrupção, por conta da pandemia, a Diretoria de Jovens Empresários da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC Jovem) retomou a iniciativa em 2022, tendo a adesão de oito escolas em Caxias e seis em Farroupilha, alcançando cerca de 260 estudantes. Os alunos ganham a oportunidade de aprender conceitos do mercado de trabalho e tem uma aventura positiva com a experiência de constituírem o próprio pequeno negócio.
Em Caxias, cada escola participante forma uma turma, ou empresa, dentro do programa. Os alunos viram achievers (termo em inglês para empreendedores) e precisam criar o negócio do zero, contando com marca, logotipo, missão, valores e um produto. Para isso, em 15 encontros ganham conselhos de quatro mentores, chamados aqui de advisers (termo em inglês para conselheiros). Estes mentores são profissionais das áreas de finanças, marketing, produção e recursos humanos, que são voluntários no programa.
— O grande foco do miniempresa é eles aprenderem como funciona esse mundo empresarial e do mercado de trabalho. E o segundo foco é abrir porta para eles, inclusive se descobrirem dentro desse negócio. A gente traz essa oportunidade de se integrarem, se descobrirem mais e se prepararem para o mercado de trabalho — explica o coordenador da Diretoria CIC Jovem, Júlio César Chiappin.
As escolas que participam em Caxias e suas miniempresas
- Cetec: Le Cetim - com produção de kit de cetim, com touca e scrunchies (acessório para amarrar cabelo)
- Irmão Guerini: IG Plants - com produção de vaso auto-irrigável
- Murialdo Caxias: LovNiju - produção de pulseiras e colares
- São João Batista: Compactus Bag - com produção de bolsa transversal
- Murialdo Ana Rech: Unslipp - com produção de chinelo de pano
- Imigrante: Stuff´s - com produção de cobertor almofada
- Santa Catarina: Candelarte - com produção de velas aromáticas
- Caminho do Saber: Umbag - com produção de porta guarda-chuva
O programa é voltado para os alunos do 2º ano do Ensino Médio e o pré-requisito, como destaca Chiappin, é “ter vontade de participar”. Aplicado pela CIC Jovem na região, o Programa Miniempresa é global, com idealização da Associação Junior Achievement.
Integração e foco
No Colégio Imigrante, os estudantes, que criaram a Stuff´s, são exemplos de integração e comprometimento. Os 13 alunos são de turmas diferentes e nem todos se conheciam antes do projeto. A professora da escola, Paula Pontalti Marchioro, 43 anos, vê que o programa também ajudou na ressocialização após os jovens voltarem a frequentar presencialmente as aulas.
— Eu sentia que um cobrava do outro aqui dentro e eles tiveram a coletividade de, 'Eu não consigo fazer isso, mas meu colega me ajuda' — observa a professora.
Os integrantes da Stuff's reconhecem que no início estavam "travados", até mesmo pela comunicação. Mas, a experiência trouxe lições diferentes - algumas mais práticas, como usar o Pix ou costurar - e outras que são uma semente para que estes jovens escolham uma profissão, que talvez eles não conheciam antes, como contou o grupo no Imigrante.
— Por ter 17 anos e nunca imaginar que iria costurar um cobertor, está sendo bem diferente. Agora, está indo mais para frente, nós estamos começando a nos dar melhor, nos entender. No começo estava travado, até problema com máquina, não sabia lidar com quase nada — descreve Jean Santos, 17, que está na equipe de produção da Stuff's.
Os números da 24ª edição do Programa Miniempresa
:: 14 escolas de Caxias e Farroupilha participando
:: 260 estudantes formando miniempresas
:: 32 empresários e profissionais voluntários para orientar jovens
A turma escolheu produzir um cobertor que vira almofada, comercializado por R$ 125. Os próprios alunos costuram e customizam o item. A recomendação é para quem tem filhos, ou quem precisa fazer uma viagem e quer economizar espaço.
Os próprios alunos compraram a matéria-prima e apenas uma parte foi terceirizada com uma costureira. No Miniempresa, as turmas devem produzir do zero o produto e podem terceirizar, no máximo, 30% dele. As decisões e a iniciativa são tomadas pelos alunos, que também aprendem sobre liderança.
— Olhando para nossa adolescência, é um momento de dúvida, de construção. Para eles, é uma oportunidade de pegar uma visão de alguém que já está no mercado e aprimorar o trabalho em equipe — destaca Cleber Bossle, adviser da Stuff's ao lado de Franscielle Girotto, Gabriel Jahn Lopes e Natália Pessuto Ruzzarin.
Chances para jovens após o Miniempresa
Além dos ensinamentos, o Miniempresa pode trazer a primeira oportunidade no mercado de trabalho. Há empreendedores que ficam de olho nos estudantes do programa, como é o caso dos irmãos Maurício e Dayana Gimenes, 30 e 35, que atuam juntos na Introduce, focada em soluções de tecnologia para empresas. Dayana participou do projeto quando estudante, no Imigrante, e hoje é mentora na Escola Caminho do Saber, bem como o irmão, que já participou do projeto como adviser.
Com o espírito empreendedor, os irmãos sabem a importância de dar uma primeira chance aos jovens. A Introduce já contratou, primeiro para estágio, pelo menos dois estudantes que passaram pelo Miniempresa.
— Tivemos um menino em vendas, uma funcionária no marketing, e já queremos contratar dois alunos desta edição, mas dá vontade de trazer quatro ou cinco — revela Dayana.
Dayana lembra que, quando estudante, foi estimulada a participar do Miniempresa, onde até ganhou o prêmio de melhor vendedora. Os aprendizados e a motivação em aprender e empreender marcam a administradora de empresas até hoje, como o trabalho em equipe - mensagem que ela passa sempre como adviser.
Já Maurício, que empreende "desde antes dos 18 anos"ao lado dos outros sócios da Introduce (Brayan Poloni Cislaghi e Esdras Moreira), tenta passar aos jovens a realidade do mundo dos negócios. De pais metalúrgicos, os irmãos buscaram uma realidade diferente e novas experiências, inclusive fora do país, para adquirirem mais conhecimento. Hoje, a Introduce, que existe desde 2013, possui cerca de 300 clientes e parcerias com empresas como Google e Amazon.
— A lição que tentamos trazer é despertar o lado empreendedor, do negócio e o lado do tomador de risco. A lição que passamos é que esse é o jogo que se joga aqui fora, fora da escola, fora da faculdade. Tentamos passar a visão que um projeto está sendo construído e precisa ser levado a sério porque vai resolver um problema de um cliente. Tentamos transparecer que tem um mundo real aqui fora e que tomar riscos vai fazer que eles despertem as outras competências deles — explica Maurício.
Miniempresa é negócio sério
Na Escola São João Batista, a miniempresa Compactus Bag produz bolsas transversais, em uma sala de aula que virou exemplo de organização para linha de produção, onde as classes se tornaram mesas de apoio para recorte e costura. Os achievers mostram que o negócio é bastante sério. Para definir o produto, os estudantes foram criteriosos, realizando uma pesquisa de mercado detalhada para decidir se usavam a ideia da bolsa ou se fariam cintos de sementes, com fins medicinais.
— Foram discutidas várias ideias e vários produtos. Foi por eliminatória e a nossa bag (termo em inglês para bolsa) ganhou. Então, começamos a fazer pesquisa de mercado e pesquisas de público-alvo — conta a presidente da miniempresa, Laura Girardi, 16, sobre a bolsa, que custa R$ 50.
Os estudantes, que tem Ruan Libardoni, Endrigo de Oliveira Rodrigues, Maylon Andreis Dambros e Eloá Marchetto como mentores, concluíram que o produto escolhido era melhor em quesitos como versatilidade, utilidade, estilo e possibilidade de atingir mais consumidores. O exercício também envolve a divulgação do produto. Trabalhar com o marketing da miniempresa até está inspirando a estudante Luiza Brunetto Sitta, 16.
— Eu pretendo trabalhar com marketing no futuro, então ser diretora de marketing está me ajudando a aprender mais sobre esse meio. Eu adoro fazer a produção que vai para as mídias sociais, como fotos e vídeos criativos — afirma a aluna, que destaca que a bolsa já conta com boas encomendas.
Média de duas décadas do Miniempresa
:: Em 24 edições, a média é de 200 alunos por ano
:: Programa Miniempresa impactou quase 5 mil alunos em Caxias
O desafio de "colocar a mão na massa" é um dos destaques da engenheira de materiais, Monique Rizzon, 29, que trabalha há 15 anos em uma empresa da família, de injeção de plásticos. Conselheira pela primeira vez no Miniempresa, na turma do Cetec, Monique enxerga uma possibilidade que muitos não tiveram na época de escola.
— Está sendo interessante, principalmente porque quando estamos há muitos anos no mercado de trabalho, esquecemos como a gente não sabia nada sobre o mercado de trabalho. Tem alguma noção, porque pensamos o que vamos fazer na faculdade, mas na prática, em si, ninguém explica muito, então é bacana ver o contato deles com esses desafios — exclama Monique.
Como participar do Miniempresa
Em 2022, a 24ª edição do Programa Miniempresa está na reta final. Os encontros entre alunos e mentores vão até a primeira semana de julho. Depois, entre 11 a 15 de julho, os estudantes participam do Empresário-Sombra, oportunidade de acompanharem um empresário em um dia de trabalho. Já no dia 16, as turmas se formam, em cerimônia no Teatro da UCS, com direito a premiação para os destaques do Miniempresa. Para encerrar a edição, a Feira do Programa Miniempresa acontece entre os dias 17 e 19 de julho, no Shopping Villagio Caxias.
A partir de agora, as escolas de Caxias do Sul podem participar da 25ª edição. No final de 2022, a Diretoria da CIC Jovem começa a entrar em contato com os colégios. Após o aceite, a própria CIC Jovem passa nas salas de aula das escolas, no começo de 2023, para convidar os estudantes. Caso alguma escola já esteja interessada, ela pode entrar em contato pelo e-mail comunicacao2@cic-caxias.com.br ou na página @CicJovem, no Instagram.
A expectativa da CIC Jovem é que mais escolas participem em 2023. Em 2022, a Diretoria acredita que o calendário cheio, com a retomada após a pandemia e a implementação do novo Ensino Médio, fez com que muitos colégios recusassem o convite. Até 2020, o programa vinha em crescente adesão, quando seria aplicado em 25 escolas e teria 100 voluntários - mas, precisou ser cancelado pela prevenção contra a covid-19.
O espírito empreendedor
O Programa Miniempresa pode ser uma forma de estimular os jovens a empreenderem. No Brasil, de acordo com dados do Sebrae em 2021, há 1,9 milhão de donos de negócios com até 24 anos (o que representa 6,8% entre os donos de empresas no país). Deste grupo, cerca de 93 mil estão no Rio Grande do Sul. Em Caxias, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) calcula que das 4,7 mil empresas associadas à entidade, cerca de 227 têm proprietários entre 20 e 30 anos, enquanto cerca de 407 negócios possuem sócios nesta faixa de idade.
Os donos de negócios jovens no Brasil
- 6,8% de 26,7 milhões de empresários têm até 24 anos (representam 1,9 milhão)
- Rio Grande do Sul tem 4,9% (93 mil) de empreendedores jovens
- São Paulo é o estado que mais tem empreendedores jovens, 18,7% (355 mil)
Uma destas empreendedoras de Caxias é a arquiteta Júlia de Lucena Dutra, 27, que iniciou o próprio negócio com o irmão Arthur, 33, em 2017. A dupla começou o escritório REV1 Projetos, com foco em segurança do trabalho. Depois, quando a empreendedora se formou, em 2018, o escritório passou a atender também o setor de arquitetura.
— Meu irmão tem o perfil empreendedor, sempre tem ideias de novos negócios, ambição de crescer e se estruturar de uma forma independente. Eu tive esse contato e essa visão por influência dele, além da vida no geral, de querer ser independente, sem que a gente tenha barreiras, um limite para crescimento — destaca Júlia sobre o que a motivou a empreender ao lado do irmão, que é formado em marketing.
O espírito empreendedor não vem apenas de casa. Júlia sempre se motivou a participar de projetos e grupos escolares, como o grêmio estudantil, além de ter passado pelo Programa Miniempresa na Escola Estadual de Ensino Médio Irmão José Otão, onde fabricou almofadas.
— Eu acho importante aflorar isso. Quando você é jovem, tu está na escola e não tem muito contato profissional, então instigar isso para aflorar esse espírito empreendedor que, às vezes está ali quietinho, é muito importante — observa Júlia.
Além do REV1 Projetos, que tem clientes em estados como Santa Catarina, Minas Gerais e São Paulo, Júlia e o irmão são sócios da franquia Hausz, loja de acabamentos para construção civil, em Porto Alegre, com um outro arquiteto. Ao mesmo tempo, de forma online, a jovem empreendedora está iniciando e formalizando um brechó online, por meio do Instagram, que é o Off Brechó.
Dicas e desafios para jovens empreendedores
A liberdade de empreender vem com desafios. Um deles, para quem começa cedo com o próprio negócio, é justamente a idade, como menciona Júlia. A mesma situação é notada pela dona de uma empresa de consultoria, a psicóloga Shaíze Roth, 29. A diretora da CDL Jovem empreende desde os 23 anos, ainda quando era estudante.
— Lá no início da minha carreira, às vezes eu chegava para clientes e ouvia: "Por que essa guria quer vir aqui e falar sobre liderança?". Então, enfrentamos alguns preconceitos como, "nossa, tu tão jovem, por que não foi para o mercado de trabalho?" — relembra a psicóloga e consultora.
Ao acompanhar diferentes empreendedores e pela experiência própria, Shaíze dá dois conselhos essenciais para quem quer empreender ou para quem está começando neste universo: uma rede de apoio e saber o momento de evoluir.
— O primeiro ponto é ter uma rede de apoio. É ter pessoas que a gente possa recorrer, trocar ideias e conversar, alguém que tenha mais experiência de mercado, e que a gente possa buscar orientações. E a segunda coisa é saber evoluir junto com o negócio, e a evolução passa também por delegar e permitir que as pessoas que trabalham com a gente, façam o seu trabalho — elenca Shaíze.
A psicóloga relata que um erro comum seria o do líder tentar centralizar todo negócio, mesmo com ele em crescimento. Além disso, destaca que é importante confiar no próprio talento.
— Mostra o motivo de estar empreendendo, o que você pode fazer e humildade. Humildade daqui a pouco para aprender junto com o cliente, mas sempre mostrando aquilo que nós sabemos fazer — aconselha a psicóloga.
Relembrando as dicas essenciais
- Rede de apoio: Ter pessoas mais experientes em quem confiar e que podem ajudar com orientações valiosas
- Saiba o momento de evoluir: Permitir que os colaboradores realizem o trabalho deles, sem centralizar tudo no líder
A coragem de empreender
Outro sentimento valioso, ouvido pela reportagem nos diferentes relatos, é o da coragem. André Lima, 34, e Helena Ben, 33, fundaram em 2008 a própria agência de publicidade, a Diga, em Bento Gonçalves. Os dois estavam entrando na casa dos 20 anos e usaram R$ 140 (R$ 70 cada um) para imprimir cartões de visita e registrar o domínio do site do negócio. Cinco anos depois, os publicitários se uniram com outros dois sócios, de outra agência, e formaram a Batuca.
— Ambos tinham o desejo de abrir uma empresa, de se aventurarem nesse universo do empreendedorismo. Na época, não tínhamos a dimensão do que era abrir uma empresa, o que nos atrapalhou bastante, mas nos ajudou a dar esse passo porque a gente foi aprendendo a fazer. Nos anos seguintes, começamos a reinvestir tudo que ganhamos — relembra o publicitário André Lima.
Hoje, a Agência Batuca, que atende grandes marcas e empresas nacionais, faz parte do Blo.co, um conjunto de empresas de comunicação que tem ainda Tamborim Filmes e Bumbo Criativo - contemplando uma equipe de 120 pessoas. Lima, que é CEO do Blo.co, e Helena, agora, também são sócios de Pâmela Rosa (na Batuca, Tamborim e Bumbo), Dirson Vinícius Arndt (na Tamborim) e Emerson Zaparolli (na Bumbo).
— A primeira coisa é ter coragem para fazer, tem muita gente que desiste do próprio sonho por não ter coragem. É muito curioso também, que a gente sempre colocou na nossa cabeça, que se tudo der errado, perdemos R$ 70, mas ganhamos experiência, conhecimento e um monte de gente massa que conhecemos. Se pudesse resumir, seria ter coragem, se preparar e ter muita disposição. Eu tinha a ideia, no início, de que ter uma empresa era escolher a hora de trabalhar, e na verdade não, é ao contrário — aconselha André Lima.