Do tradicional banho e tosa até serviços mais elaborados, como padaria, plano de saúde, terapias integrativas e fisioterapia. O mercado pet não para de crescer, inclusive em Caxias do Sul. Conforme a Receita Federal, são 2.930 estabelecimentos ligados de alguma maneira ao atendimento de necessidades animais. Desses, 1.414 são para higiene e embelezamento dos bichinhos. Para se ter uma ideia, em janeiro, a Receita tinha o registro de 2.799 empresas voltadas para produtos ou serviços para animais. Houve, portanto, um aumento de 4,6% em cinco meses. Os que mais cresceram foram higiene e embelezamento animal (6,2%) e serviços veterinários (6,7%).
No país, conforme o Instituto Pet Brasil (IPB), o primeiro trimestre do ano fechou com aumento de 14% no faturamento do setor. O presidente do Conselho Consultivo do IPB, Nelo Marraccini, diz que a estimativa é continuar com a curva de crescimento e fechar o ano com um incremento na ordem de dois dígitos em termos percentuais, já que o segundo semestre costuma ser mais favorável ao setor. Para ele, apesar da diversificação de serviços, a tendência é de que espaços para banho e tosa sigam como o grande impulsionador do segmento, porque eles costumam agregar também outros produtos. Sobre os demais serviços, Marraccini avalia que se tratam de tentativas de inovação:
— Não é uma coisa que vai explodir, mas são nichos que vão acontecendo. O mercado vai crescendo muito, e as pessoas querem inovar — analisa.
Em 2021, o faturamento do setor cresceu 27% no ano passado e chegou a R$ 51,7 bilhões no país. Um dos propulsores desse desenvolvimento acelerado é a pandemia.
— Com a solidão imposta pela covid, principalmente com o isolamento do começo que era institucionalizado, todo mundo procurou adotar ou adquirir o pet para preencher aquele vazio. Então, foi um grande acelerador para o nosso mercado — afirma o presidente do Conselho Consultivo do IPB.
Lugar afetivo
O mercado que se desenvolve em torno dos pets tem um motivo claro: os laços afetivos cada vez mais estreitos entre os humanos e eles. Com isso, empreendedores acabam vendo novas oportunidades de negócios e apostam nelas:
— Tem pesquisas que mostram que têm mais cachorros nas casas brasileiras que crianças. O que acaba acontecendo é que esses animais têm tomado um lugar afetivo nas nossas famílias. Então, se fala dessa humanização dos animais, que não é algo contemporâneo. No antigo Egito, havia antropomorfização, que é essa cultura que dá características humanas para os animais. O mercado acaba vendo esses animais como uma fonte para oferecer serviços de bem-estar. É natural que, quando a gente tem um vínculo com alguém, a gente quer que aquela figura tenha bem-estar, seja ela humana ou um animal —comenta Karen Cristina Rech Braun, professora de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Ela destaca que existem pesquisas indicando que o contato com bichos faz bem tanto para pessoas quanto para os pets. No entanto, salienta que é preciso cuidar para não substituir as relações humanas, que também são necessárias.
— Tudo o que é extremo pode fazer mal. Tem que se ter um cuidado de não substituir as relações humanas só por relações com animais. Isso é um risco, que nem todo mundo corre. Mas pode acontecer com pessoas com maior tendência de serem mais isoladas, por exemplo. O equilíbrio é sempre a melhor saída. Corre-se o risco, porque realmente o animal é uma fonte de amor incondicional, diferente das pessoas, que às vezes nos decepcionam, vão embora. Mas a gente precisa conviver com outras pessoas, para justamente lidar com as adversidades também — recomenda.
Fisioterapia para mais qualidade de vida
Duas vezes por semana, Odin se aconchega em um canto com tatame da franquia Mundo à Parte de Caxias do Sul para receber cuidados na pata direita traseira. Há cerca de um mês, o cachorro teve de passar por uma cirurgia porque rompeu o ligamento. Para a recuperação, o médico veterinário indicou fisioterapia.
— O Odin, quando chegou, mal e mal colocava a pata no chão. Na terceira sessão, ele já chegou e botou a pata no chão, e não tirou mais. Ele só tira quando fica 100% parado _ relata Jones Francisco Michelon, o tutor do animal.
No total, serão 16 sessões. As primeiras têm o objetivo de aliviar a dor, o que inclui o trabalho com acupuntura. Depois, serão feitos exercícios para fortalecer a musculatura.
Além da fisioterapia e acupuntura, o médico veterinário Luan Robaina aplica outras técnicas, como a ozonioterapia, nos animais que chegam à clínica, uma franquia aberta há sete meses no município mais populoso da Serra. O profissional especializado em fisioterapia conta que esperava ter em Caxias um mercado já mais amadurecido para esses serviços, que vêm ganhando o país há cerca de 10 anos. Hoje, ele faz uma média de 12 a 14 sessões por mês.
Porém, acredita que a tendência é de expansão. Robaina conta que um dos motivos é que os próprios colegas de profissão passaram a indicar o serviço. Mas, talvez, o principal seja o desejo cada vez maior dos tutores de darem qualidade de vida aos bichinhos. A fisioterapia auxilia justamente nesse sentido. Há casos, conta Robaina, em que é possível salvar o animal da eutanásia, como quando eles perdem a capacidade de caminhar e a fisioterapia promove o chamado andar medular, que é involuntário.
— É gratificante. Não só por vermos eles (os animais) bem, mas também na relação com os donos, que ficam felizes. Isso dá motivação — comenta o veterinário.
As técnicas que serão aplicadas em cada animal são definidas em uma primeira análise, que custa R$ 150. O preço das demais varia de acordo com o pacote necessário, mas costuma ficar entre R$ 105 e R$ 115 cada uma.
Um cardápio recheado de gostosuras
O cardápio tem donuts, pizza, muffin e brigadeiro. Pode parecer um menu para humanos. Mas basta uma olhadinha em outros itens, como Pupuccino, Cãoxinhas e Lambejinhos, para ter certeza de que tem um quê de diferente nessa padaria. Bom, mas se você chegou até lá, provavelmente já pegou a dica principal: o nome Dogue Bakery. O empreendimento, que fica no centro de Caxias do Sul, até oferece uma coisinha ou outra para os humanos degustarem enquanto cães e gatos se deliciam no local, mas o cardápio principal é para os que têm patinhas:
— Aqui, o humano só entra se tiver um cachorro ou um gato responsável — brinca Taís Ribeiro Pistore, uma das sócias do empreendimento.
Embora a padaria com conceito human friendly tenha sido inaugurada há menos de um mês, em 21 de maio, a conquista da clientela começou muito antes. Bruna Pistore, a outra sócia da Bakery, queria fazer uma festa de aniversário para um dos cachorros dela, mas encontrou no mercado apenas uma opção com valores que considerou muito caros. Assim, decidiu pesquisar e fazer o próprio cardápio para a comemoração em abril de 2020. Aos poucos, também passou a vender para amigos e o negócio seguiu atraindo clientes, até que, em janeiro de 2021, Taís entrou como sócia.
Hoje, as duas são responsáveis pelo desenvolvimento do cardápio natural oferecido aos bichinhos e acompanhado por um médico veterinário. Entre os principais produtos do local, estão bolos de aniversário, carro-chefe desde o início do empreendimento. Até a abertura da padaria, as empresárias vendiam apenas para retirada, inclusive com kits de aniversário que seguem sendo comercializados.
Bruna conta que, com o tempo, o que surgiu foi a percepção de que muitos dos clientes eram pet influencers, ou seja, animais com grande número de seguidores em redes sociais. Então, a ideia foi criar um espaço "instagramável". A loja também foi planejada arquitetonicamente para poder ser replicada como franquia. Bruna conta que já recebeu mensagens de interessados de diversos Estados sobre o negócio.
— A gente tinha medo de entrar nesse mercado na Serra. Esses empreendimentos são bem comuns fora do Brasil, mas aqui a gente não tem conhecimento de nenhum que atua assim como nós. Então, tínhamos medo. Mas estamos bem surpresas com a aceitação — comemora, ao contar que já houve dias com fila para entrar na padaria, como no feriado de Nossa Senhora de Caravaggio.
Clientela fiel
Se fidelidade é uma das marcas do cachorro, a Dogue Bakery sabe bem o que é isso. O Olaf, o Samoieda das namoradas Natália Festugato e Ketlin Borges, é cliente desde o primeiro aniversário. O segundo, realizado no sábado (4/6) com 13 cães convidados, também teve o fornecimento dos produtos da confeitaria, que já realizou mais de 700 aniversários. Mas, para além das comemorações, as donas gostam de usar os patês para rechear os brinquedos do cachorro para o chamado enriquecimento ambiental, uma técnica que o provoca a procurar a própria comida. Outro ponto, contam elas, é que a integração dos alimentos da Dogue Bakery e ração mais natural à dieta do animal favoreceu a saúde dele:
— É uma coisa que ele gosta. Desde que a gente pegou, ele tinha problemas de estômago. Então, a gente pensou que ele precisava de alimentos mais naturais. Isso agregou muito à saúde dele — destaca Ketlin.
O gasto mensal do casal com o Olaf chega a R$ 500. Além da alimentação balanceada, ele vai para a recreação e recebe todo o tipo de cuidado necessário para ter qualidade de vida. Com essa atenção toda, é natural que as donas também atraiam outros apaixonados por cachorros:
— Às vezes, a gente quer tomar um café e não pode levar os dogs. Então, aqui a gente é bem-vindo. A gente já deixou de ir em lugares porque ele não pode ir. Se ele não pode, a gente não vai. Tudo o que ele trouxe para a nossa vida não tem preço que pague. Ele veio para mudar a nossa vida — aponta Natália.
Plano de saúde para eles nasce na Serra
A saúde de cães e gatos está no centro das preocupações de muitos tutores. Para garantir o bem-estar dos pets, é preciso, por exemplo, fazer uma série de vacinas anualmente. Há ainda as consultas que podem ser recorrentes com médicos veterinários. Isso faz com que os gastos para esses cuidados também aumentem. Por isso, donos de pets têm preferido fazer planos de saúde. É o caso de 538 clientes do Emerdog, com atuação em Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Farroupilha.
A ideia de criar um plano de saúde para animais surgiu na família Perotoni em 2007, com Angela Perotoni. Na época, foram feitos estudos sobre o assunto, mas o entendimento foi de que o mercado não estava preparado para esse serviço. Há três anos, no entanto, a possibilidade voltou a ser trabalhada. O Emerdog, em quatro meses de mercado, passou a contar com 28 clínicas credenciadas. O planejamento para o futuro é otimista: em dois anos, estar presente em quatro Estados, com mais de 600 clínicas credenciadas e cerca de 80 mil clientes por mês.
— Para as pessoas que a gente chega, é muito novidade ainda. Eu acredito que é um mercado bem inicial que vai crescer — destaca o CEO da Emerdog, Arthur Perotoni, filho de Angela.
A startup oferece hoje duas modalidades de plano: o Emer Básico, que custa R$ 47,90 por mês e oferece cobertura de consultas, vacinas, exames laboratoriais e de imagem, além de procedimentos clínicos. E tem o Emer Clássico, que abrange todos esses serviços, além de uma gama maior de exames, consultas com especialistas, cirurgias e anestesia. A diferença para consultas gerais é de R$ 22,50, mas com especialistas fica em R$ 95.
Outro diferencial do plano é que, na contratação, o dono é presenteado com um localizador de animal. Trata-se de uma tag que vai na coleira do animal. Na parte de trás, tem um QR Code, que ao ser lido traz informações sobre o bicho, proporcionando que quem o localizou o devolva ao dono. Ao mesmo tempo, quando esse QR Code é lido, o tutor tem acesso à localização exata em que isso ocorreu. A inovação traz ainda dados sobre o prontuário médico do cachorro, uma facilidade para veterinários.
O básico, mas com um jeito diferente
Serviços básicos para os pets têm despertado maior interesse dos tutores, que estão também mais atentos à forma como os bichinhos são tratados. Trabalhador do mercado há 18 anos, o empresário Marlon Vargas decidiu empreender há sete. Foi em 2015 que ele abriu a primeira unidade da Barber Dog, no bairro Pio X, em Caxias do Sul, na época restrita a banho e tosa. Como é possível perceber, o nome do empreendimento já faz menção a um espírito mais humanizado. Vargas, percebendo a onda de crescimento das barbearias (ou barber shops, em inglês), criou a marca e a registrou no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
O segundo empreendimento do empresário foi um hotel para cachorros, localizado no bairro Mattioda. O conceito, diz Vargas, é garantir que os hóspedes tenham espaço para brincar e correr no pátio na maior parte do tempo, em vez de ficarem presos nos dormitórios. O local tem espaço para cerca de 20 cães.
Com o início da pandemia, Vargas lembrou-se do conselho de um ex-chefe: tempos de crise podem ser bons tempos para empreender. Desde julho de 2020, abriu outras quatro unidades da Barber Dog. Três, além da pioneira, permanecem em funcionamento. Uma fechou em função da falta de mão de obra, diz o empresário que também dá cursos para treinamento de interessados em entrar nesse mercado.
Por mês, a empresa atende cerca de 900 cães e gatos para banho e tosa. São 11 funcionários, e o tíquete médio é de R$ 82. Vargas diz que o número de atendimentos poderia ser maior, mas que está de acordo com o método usado pela Barber Dog de oferecer um cuidado mais próximo.
— A gente usa o método fair free (livre de medo, em tradução). A gente faz conexão por meio do carinho, com atenção, para que ele não se sinta nem acuado, nem com necessidade de proteger o humano — explica Vargas, que é groomer, um profissional qualificado que cuida da higiene e da estética animal, de acordo com as particularidades e necessidades de cada espécie e raça.
Outro serviço oferecido pela Barber Dog é o pet sitter, que desloca um cuidador até a casa do animal para brincar com ele, levá-lo para passear e alimentá-lo. Nesse caso, o empresário conta que é mais comum o atendimento de gatos, que são mais territorialistas e não gostam de sair de casa.
— Nos próximos anos, é para o segmento pet dobrar de tamanho, conforme estudos da área. No futuro, com a tendência de se ficar mais em casa devido à tecnologia e com menos crianças, o mercado deve aumentar. E não tem mercado só para tosa e banho. O mercado vai crescer como um todo.
De olho na saúde emocional dos pets
Os cuidados com o bem-estar dos pets ultrapassam a questão física. A saúde emocional deles é fonte de atenção de muitos dos donos. Em Caxias, a terapeuta Alana de Andrade Reis, especializada em animais, oferece para eles uma série de técnicas. São as chamadas terapias integrativas, como reiki, thetahiling, cromoterapia, florais de Bach, aromaterapia, entre outras.
A história dela com os animais começa ainda na infância, quando morava em Vila Seca com os avós em uma chácara. Quando entrou na faculdade, chegou a cursar Medicina Veterinária, mas acabou optando por seguir para o Comércio Exterior, curso em que se formou e área em que atuou por 17 anos como profissional. Mas, em 2014, a necessidade de cuidar da própria gata, que entrou em depressão após a separação de Alana, a aproximou das terapias integrativas. Primeiro, ela ficou sabendo por meio de turcos, com quem trabalhava, que havia técnicas aplicadas em animais. Sem a reação da gata aos métodos tradicionais, ela então partiu para essa alternativa e a viu reagir.
Por quatro anos, atuou como voluntária em outros bichinhos. No entanto, após um acidente de trânsito em que poderia ter morrido ou ficado tetraplégica em 2017, passou a procurar uma profissão que fizesse mais sentido para ela. Foi aí que decidiu seguir pelo caminho em que trabalha hoje. Em 2018, iniciou como Microempreendedora Individual (MEI), mas no ano passado teve de se readequar para o Simples Nacional, devido à procura pelos serviços.
— É um trabalho complementar ao dos veterinários. Integra o alopático a um tratamento mais emocional. Anos atrás, quem chegava até mim era quem já tinha uma visão da terapia integrativa para humanos. Hoje, já vem muita gente por indicação do veterinário — explica.
A terapeuta pontua que, muitas vezes, os donos acreditam que os pets têm problemas de comportamento por não terem sido educados corretamente, mas que, na verdade, eles estão afetados por traumas. Para a arquiteta Letícia Bisol, o entendimento faz sentido. Há três anos, depois que os pais dela foram embora de Caxias, a cachorra da família passou a apresentar problemas de ansiedade, como o hábito de morder uma pata. Kira também tinha dificuldade em socializar com outros cães. Além da distância de parte da família, ela tinha um histórico de abuso e abandono anterior à adoção por Letícia. Diante disso, a tutora contratou os serviços de Alana.
— Hoje, ela é outra cachorra. Não tem mais tanta ansiedade — conta Letícia.
Como funciona o serviço
Nas sessões com Alana, os animais passam por uma avaliação e, depois disso, ficam definidos a frequência e os tratamentos necessários. O custo de cada sessão varia conforme o pacote indicado e contratado, mas os valores ficam entre R$ 55 e R$ 230 cada.
— Na verdade, eu confesso que a pandemia, eu não senti. Desde que comecei, sempre tive crescimento. Tem muita indicação de gente que passa um para o outro. Eu vejo que as pessoas estão percebendo que o bichinho não é só um bichinho que tu deixa amarrado no pátio. Eles se tornaram membros da família.