As etapas para a importação de produtos estão mais custosas e demoradas, o que prejudica inclusive a produção de indústrias da Serra. A desorganização da logística internacional começou ainda no início de 2020, com os casos de covid-19 na China, mas continua a se agravar. Um dos motivos é exatamente o fato de que a China segue realizando eventuais lockdowns para conter a transmissão de covid-19, paralisando inclusive os portos que despacham mercadorias.
Mas outros fatores se somaram a essa variável: um deles é a Guerra na Ucrânia, com o ocupação russa sobre portos e as sanções de outros países à nação que faz os ataques. Além disso, empresários estão preocupados com a operação padrão da Receita Federal no Brasil, que tem atrasado a análise dos processos.
Eu chamo isso de tempestade perfeita
RUBEM BISI
Diretor de Relações Institucionais do Simecs
— Eu chamo isso de tempestade perfeita: a questão da desorganização anterior, a Guerra da Ucrânia, somada à greve da Receita Federal e também à questão do lockdown no maior porto do mundo, que é Xangai, que tem muitos despachos de mercadorias para cá — resume o diretor de Relações Institucionais do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), Rubem Bisi.
Segundo ele, para as indústrias que fazem parte do Simecs, o que mais tem sido afetado é a importação de componentes eletrônicos, como semicondutores e placas de comandos de motores.
— Isso mostra a dependência que temos de algumas cadeias de suprimento e precisamos estudar essas cadeias e ver como ter programas de suprimento alternativos — assinala Bisi, que aponta como alternativas a possibilidade de fortalecimento da indústria nacional ou a compra de outras regiões mesmo que o produto seja mais caro.
Impacto dos lockdowns na China
O empresário Claudemir Fernando Pereira, proprietário da Eletrocargo Assessoria em Comércio Exterior, de Flores da Cunha, reafirma que as empresas da Serra têm sofrido com a falta de componentes para os produtos e de equipamentos. Segundo ele, há casos até de máquinas já pagas, mas que não podem ser movimentadas por causa do fechamento dos serviços:
— A partir do momento em que a gente tem autorização do cliente para embarcar a mercadoria via marítima, que é a maior parte, a gente não consegue movimentar lá, porque as cidades estão fechadas. Elas estão em lockdown. E a gente não tem como coletar a carga porque as transportadoras rodoviárias também não fazem o serviço, daí a gente não consegue estufar os contêineres e embarcar — descreve Pereira.
A situação não deve se regularizar tão cedo:
— O porto de Xangai é o mais afetado com as paralisações. Aqui na Serra, certamente, sentiremos nas próximas semanas ou meses, em função dos atrasos de embarques e navios que não operaram em Xangai — comenta Mauro Vencato, supervisor comercial do Porto Seco de Caxias do Sul.
Custo de 40% a mais em empresa de Caxias
A empresa Arco Climatização, de Caxias do Sul, viu os custos dispararem nos últimos anos. Com aproximadamente metade dos itens usados importados da China, atualmente gasta 40% a mais do que antes da pandemia para fazer o mesmo produto. A empresa, que produz ar condicionado para ônibus e, desde 2019, sente impactos causados pelo coronavírus, também mudou a forma como trabalha com os prazos de entrega aos clientes, porque o tempo para trazer os componentes se tornou incerto.
Conforme o empresário Alex Sandro Borba Elias, no final de 2019, a presença do vírus na China foi responsável por mudanças na importação. Com o avanço da crise sanitária pelo mundo em 2020, uma série de outros fatores se somou a essa dificuldade inicial, como a forte variação cambial, dificuldade em manter as linhas de produção por causa do risco de contaminação, problemas mundiais em ter contêineres para a importação e o próprio fechamento de portos, além da disparada do frete internacional.
Outro aspecto é que o setor de transportes, para o qual a Arco Climatização trabalha, foi um dos mais afetados pela redução de demanda. Em 2021, a China sofreu ainda uma crise energética, o que fez as empresas terem as operações restritas.
Borba Elias explica que entre 40% e 50% dos componentes usados pela empresa são importados da China. Segundo ele, parte desses insumos são produzidos exclusivamente no país asiático. Por isso, o desafio, avalia o empresário, é reduzir essa disparidade tecnológica. Nesse momento, a Arco tem buscado alternativas para compras em países europeus. Mesmo assim, continua a depender da China:
— Além do leadtime (tempo do processo de importação ou exportação) pelo lockdown ter aumentado da China para o Brasil, que era 45 a 60 dias antes da pandemia, passou para 180 a 200 dias. Mas como? O navio não faz o mesmo percurso? Sim, é o mesmo percurso. Mas, depois de pronto, o material demora para achar navio, para achar contêiner, para fazer o booking (reservar o espaço dentro do navio). Aí, saí, viaja e chega no Brasil. Então, temos o problema do nosso país. Na Receita Federal, todo processo que demorava 20 dias para liberar, hoje demora 90.
Para tentar reduzir esse prazo na Receita, a alternativa é buscar uma decisão judicial. De acordo com Borba Elias, mesmo com essa opção, tem-se levado ao menos 30 dias para a liberação da mercadoria. Outro agravante, conta ele, é o congestionamento de navios em determinados portos que obriga o redirecionamento dos contêineres, tornando ainda mais incerta a data de chegada aos compradores.
Como forma de tentar diminuir o risco de não atender os clientes, a Arco Clima tem usado uma estratégia de embarque de mercadorias de forma mais constante, o que gera, por outro lado, o perigo de ter estoque em excesso no caso de diminuição da demanda:
— Se eu tinha material para 90 dias e planejava a saída de lá para chegar aqui no final daqueles 90 dias, agora não, eu faço embarque mensal. Então, todo o mês eu tenho embarque do mesmo produto: eu tenho um chegando, um que está viajando e um que está saindo. Então, todo o mês tem saída de produto na China para conseguir chegar e atender aqui.