Um almoço fora. Uma passadinha no mercado. Uma ida à padaria. Meia dúzia de sacolas na mão e um gasto, muitas vezes, maior que o esperado. Certamente, este é um dos cenários vivenciados por muitos caxienses nos últimos meses. Não se trata apenas de uma sensação: está, de fato, mais caro consumir em Caxias do Sul.
A inflação de março, para se ter uma ideia do cenário econômico local, teve um avanço de 1,5% em relação a fevereiro na cidade. A variação percentual acumulada nos últimos 12 meses em questão alcançou 11,3%. É o que mostram os dados mais recentes do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), calculado e divulgado mensalmente pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES) da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Dos sete grupos de produtos que compõem o estudo, cinco sofreram aumento no mês de março, sendo eles a alimentação, habitação, vestuário, saúde e higiene pessoal e transportes. Já a educação, leitura e recreação, junto com despesas diversas, não tiveram variação.
O economista e pesquisador do IPC-IPES Mosár Leandro Ness explica que Caxias do Sul não vive uma situação isolada. A inflação, segundo ele, tem se manifestado de maneira geral em toda a economia brasileira, em decorrência de uma série de fatores:
— Retomamos esse caminho inflacionário, que foi uma mudança da nossa política monetária. O Banco Central, para tentar fazer a economia crescer, reduziu os juros a um limite inferior ao aceitável, digamos assim. Com isso, acelerou a saída de dólares de investidores que aplicam no Brasil. E aí desequilibrou o nosso câmbio. Quando tem um desequilíbrio externo, o câmbio vai ficar muito caro; a relação real por dólar vai se tornar muito cara. E isso causa uma inflação, porque nós temos muitos itens que são importados — detalha.
O economista ainda apresenta outras justificativas, evidenciando a complexidade do cenário atual:
— E nós tivemos a inflação decorrente de outros fatores também: a estiagem, que marcou o final do ano passado; a própria pandemia, onde tivemos uma parada forçada e a produção meio que se desestruturou, não só no Brasil, mas em nível mundial; o auxílio emergencial, que colocou mais dinheiro em circulação... Então, estamos vivendo a tempestade perfeita, porque a inflação ganha tração com todos esses fatores — avalia Ness.
Os impactos, segundo o economista, não são sentidos apenas pelas camadas menos favorecidas da população.
— As pessoas de baixa renda são atingidas diretamente, porque a pouca renda que se tem acaba sendo dilapidada pelos aumentos dos preços. Mas, hoje, nós temos uma categoria que também está sofrendo, que é a classe média. Uma parte desse grupo conseguiu aumentos de salário, repondo o seu poder aquisitivo. A outra parte, bem numerosa, que ficou desempregada, não conseguiu repor a renda, o que ganhava antes da pandemia. Então, hoje, o poder aquisitivo dessa população acaba sendo também corroído pela inflação. É um problema geral — destaca o pesquisador.
Malabarismo para manter a clientela nos restaurantes
Na prática, os aumentos generalizados refletem-se no preço das refeições que chegam à mesa dos frequentadores dos restaurantes de Caxias do Sul. Impactados pelas altas, os estabelecimentos, muita vezes, precisam negociar com os fornecedores e encontrar alternativas mais em conta para continuar oferecendo pratos com qualidade, mas sem assustar a clientela.
A sócia-proprietária do restaurante Cocanha Gastronomia Caseira, Indianara Piva, detalha que alguns insumos utilizados na preparação dos pratos têm sofrido aumento considerável, em um curto espaço de tempo.
— Só para citar um exemplo, o litro do creme de leite a gente comprava, até a semana passada (penúltima semana de abril) por R$ 10, máximo R$ 11. Esta semana (semana passada), já foi para R$ 17. Não compramos, fomos pesquisar e conseguimos com um fornecedor por R$ 15. É questão de uma semana para outra, dependendo o produto, levamos um choque — comenta.
A alternativa, complementa ela, é encontrar soluções e ajustar as opções oferecidas no almoço.
— Uma vez a gente colocava picanha no nosso bufê, mas, com o preço das carnes, tivemos que fazer escolhas. Não deu mais para colocar. Pagávamos R$ 30 e poucos o quilo. Hoje, não conseguimos por menos de R$ 60. Isso que compramos de grandes distribuidores. Quem for comprar no mercado, vai pagar bem mais, certamente. A carne foi uma grande vilã.
Por outro lado, os clientes, segundo Indianara, sentem falta de determinados pratos e até questionam quando não estão no cardápio. Enquanto isso, cabe ao restaurante equilibrar os desejos dos consumidores com os alimentos que se adequam ao orçamento para não haver prejuízo.
— Não podemos ficar sem servir o salmão. Já experimentamos ficar sem no sábado e no domingo e substituir por outro peixe, também de qualidade, como uma tilápia. Mas aí o pessoal pedia: 'Quando vão voltar a servir o salmão?'. Até ligavam pedindo se ia ter no dia. Eles querem qualidade e produtos bons — conta Indianara.
Diante das altas, o estabelecimento repassou três aumentos no valor do quilo aos clientes desde o início deste ano. Indianara aponta que são reajustes de pouco impacto, justamente para que os consumidores continuem optando em fazer a refeição no local. Outra alternativa para evitar desperdícios e colaborar com a contenção de custos é não ter a opção de refeição livre, algo que, também, segundo a sócia, não é apreciado pela maioria dos clientes.
— É um passinho por vez, de forma gradativa, porque não é fácil repassar para o teu cliente. O pessoal pode deixar de vir. Não podemos subir aquilo que gostaríamos. Outro exemplo, para se ter uma ideia, no gás eu pagava R$ 5,63 o quilo, em agosto do ano passado. Até agora, já aumentou 20%. Mas eu não posso repassar 20% para o meu cliente — argumenta a sócia-proprietária do restaurante.
PORÇÕES MENORES
As estratégias para driblar os custos não são somente traçadas pelos restaurantes. Indianara comenta que tem observado novos hábitos nos clientes nos últimos tempos. Para não deixar de almoçar fora — única opção, para muitos trabalhadores que não contam com refeitórios na empresa —, o jeito é diminuir o que vai no prato:
— De forma geral, o que ouço dos meus colegas, donos de restaurante, e o que percebo, é que, conforme vamos aumentando o valor do quilo, o pessoal vai comendo um pouquinho menos. Cuidam mais das porções. Muita gente tem na caneta o que pode gastar, porque usam o cartão-refeição da empresa. Eles chegam no caixa e brincam: "Hoje eu abusei" — detalha.
Encarecimento também na hora de se vestir
O setor do vestuário foi um dos que mais contribuiu em pontos percentuais para o avanço da inflação na cidade, segundo o último Índice de Preços ao Consumidor (IPC) de Caxias do Sul referente ao mês de março. O grupo apresentou elevação de 0,13% no comparativo com fevereiro. Nos últimos 12 meses, a variação foi de 1,51%.
Para o diretor da empresa caxiense Dedeka, Sérgio Moacir da Rosa, contudo, as dificuldades que impactam nas altas de preço do setor são bem mais anteriores aos primeiros meses de 2022. Ele conta que a obtenção de matéria-prima, por exemplo, é um desafio enfrentado desde meados de 2020 pelas confecções. Em uma matéria recente, do dia 25 de abril, o presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e Malharias da Região Nordeste do RS (Fitemasul), Elias Biondo, mencionou à coluna Caixa-Forte atrasos na entrega de algodão e viscose, diante da alta demanda e de questões logísticas.
Lá em setembro, outubro de 2020, a gente notou uma leve retomada, e muitas indústrias, principalmente, as primárias, não estavam abastecidas. Tiveram que produzir do zero. Ali, já começou uma deficiência no abastecimento da matéria-prima — aponta Rosa.
Ao mesmo tempo que a confecção infantil enfrentava o déficit na disponibilidade dos tecidos, era preciso lidar com o encarecimento dos insumos:
— De meados de 2020 ao decorrer do ano passado, os aumentos chegaram na casa dos 50%, isso falando em algodão, que é uma matéria-prima bem importante para nós — detalha o diretor.
Como as coleções são lançadas com meses de antecedência (os pijamas de inverno, por exemplo, são apresentados em outubro e disponibilizado aos lojistas a partir de janeiro), uma nova estratégia precisou ser colocada em prática.
— Começamos a fazer a compra antecipada de matéria-prima para, justamente, fazer frente a essa escassez do mercado. Assim, a gente conseguiu conter um pouco o preço (das peças), porque conseguimos comprar, lá atrás, com valor menor. A coleção de inverno, que estamos entregando agora para os nossos clientes, teve um reajuste de 10% — comenta.
O encarecimento das matérias-primas, entretanto, não se limitou aos dois últimos anos. Do mês fevereiro ao início de maio, a empresa de confecção infantil contabiliza aumentos consideráveis em insumos que fazem parte do dia a dia do quadro de 90 funcionários. O preço do zíper, por exemplo, subiu 10% no período. As embalagens encareceram 12,6%. No mesmo ritmo, o tecido chamado de fio 30/1 penteado (formado por 60% algodão e 40% modal), considerado de alta qualidade, registrou alta de 31,6% nos três últimos meses.
APESAR DA INFLAÇÃO
Embora reconheça que, diante do encarecimento de produtos nos mais variados segmentos, muitos clientes acabem priorizando gastos com necessidades mais básicas, como a alimentação, o diretor da Dedeka estima um cenário positivo para a empresa na venda da coleção de inverno — em 2021, foram confeccionadas 465 mil peças, contando, também o vestuário de verão.
— Os adultos até seguram um pouco (a compra de roupas), mas o nosso público, as crianças, acabam crescendo muito rápido, perdem as peças, o que faz com que os pais comprem novos produtos. Estamos tendo um bom desempenho, não podemos reclamar _ afirma o diretor da confecção, detalhando um incremente de 7% no número de peças produzidas até o momento em relação ao ano passado.
A empresa atende tanto lojistas, por meio de representantes, como também o consumidor final, via e-commerce.
Cesta básica aumentou R$ 15,5% em um ano
Abastecer a despensa de casa também está mais caro. O custo da cesta básica subiu R$ 24,10 em março na cidade, passando para R$ 1.171,95. É um acréscimo de 2,1% no valor de R$ 1.147,86 registrado em fevereiro. Se comparar com o mesmo mês de 2021, o susto pode ser maior: a alta é de R$ 157,48. O cálculo também é feito e divulgado mensalmente pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES) da UCS.
Dos 47 produtos que compõem a cesta, segundo o levantamento, 23 aumentaram de preço, 22 tiveram seus preços médios reduzidos e dois permaneceram com seus valores inalterados. Os vilões dos acréscimos em março, em comparação com fevereiro, foram o capeletti (com variação de 86,58% em 500 gramas), os biscoitos doces e salgados (32,76%), a alface (28,44%), a maçã nacional (21,71%) e a batata inglesa (19,16%).
Quem costuma ir à feira, aos mercados ou mesmo sacolões afirma que os reajustes estão pesando no bolso. O engenheiro agrônomo José Maria, 61 anos, fazia compras na tarde da última quarta-feira em um estabelecimento do bairro Santa Catarina. Ele relatou as estratégias que tem usado para lidar com o encarecimento dos alimentos.
— Hoje, por exemplo, estou levando três batatas. É só para fazer uma sopa, não vou fazer batata cozida ou coisa assim. O mamão é uma fruta que deixei de consumir por causa do preço. Procuro vir aqui nas quartas-feiras que têm o preço melhor. Vou na feira também, mas nem sempre está mais barato — comentou.
Também saindo com algumas sacolas na mão estava a pensionista Maria de Lourdes Alves, 52 anos. Moradora do Tijuca, ela contava que as compras do dia haviam custado cerca de R$ 50.
— A gente diminui um pouco, mas deixar de comer não dá. Comia bem mais carne, agora diminuímos um pouco. Hoje tá chovendo, mas eu vim comprar minhas frutas porque vale a pena — relatou.