Instalada no interior de São Francisco de Paula, a Queijaria Sopro do Minuano preserva as características de produção passadas de uma geração a outra da família de José Luiz Marques Cardoso, 63 anos. O queijo que sai do pequeno estabelecimento no distrito de Cazuza Ferreira é feito com leite cru, coalho e sal. Depois, fica em processo de maturação por 60 dias até ser vendido. A garantia de que os procedimentos para a produção artesanal são cumpridos, ao mesmo tempo em que a propriedade oferece condições sanitárias seguras, abriu a possibilidade para a queijaria ser a primeira do RS a conquistar o Selo Arte. Com isso, as peças podem agora ser comercializadas para fora do Estado.
O primeiro protocolo de pedido para obter o selo, que agora poderá ser estampado no rótulo, foi feito ainda em 2019, mas a legislação estadual teve de passar por adequações. Por isso, em fevereiro deste ano, Cardoso entrou com uma nova solicitação, atendida em 8 de julho, coincidentemente a data de aniversário da esposa, Inez Cardoso, 67 anos, com quem divide o trabalho desde a ordenha até a venda das formas de queijo. A propriedade na localidade de Potreiros produz uma média de 10,7 quilos por dia do produto, mas esse número é variável. Agora, na entressafra, por exemplo, saem 5 quilos diários. As vendas se concentram na Região Metropolitana de Porto Alegre e em parte da Serra Gaúcha. Agora, a Sopro do Minuano tenta organizar a logística para atender pedidos em outros Estados:
— A certificação do Selo Arte traz mais vantagens para nós, pelo fato de ser reconhecido já como queijo artesanal, e a gente vai ter uma abertura mais ampla de mercado. Nosso queijo tem um preço diferenciado por causa da maturação e a gente vai agregar mais valor ainda em cima do queijo — detalha Cardoso.
O pedido da certificação da família foi o primeiro e único a tramitar até agora na Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR), apesar de existirem outros interessados. É o caso da Queijaria São João, que fica na comunidade de Cerrito, também em São Francisco de Paula. A empresa foi legalizada há seis anos, mas a fabricação de queijos na família tem cerca de 70 anos. A produção média é de quatro quilos por dia, o que atende consumidores dos municípios próximos.
Formado em Administração, Cristiano Carvalho dos Santos, 38 anos, voltou para a propriedade rural dos pais há cerca de cinco anos, justamente por enxergar a viabilidade de crescimento da agroindústria familiar.
— Eu vi que era um mercado em expansão e que tinha chance de expandir para fora, e também para dar uma ajuda a eles, por causa da idade que eles têm. Tem uma certa procura, mas eu acredito que poderia ter mais, que poderia ter mais trabalhado ainda — diz, otimista.
Selo Arte pode ganhar mais adeptos
No Rio Grande do Sul, são 123 produtores de queijo artesanal serrano em 16 municípios nos Campos de Cima da Serra que já solicitaram acesso ao Programa Estadual de Agroindústria Familiar (PEAF). A chefe da Divisão de Organização das Agroindústrias Familiares da SEAPDR, Maluza Machado, destaca que o Selo Arte é fornecido mediante uma série de critérios. Entre eles, o processo de maturação por 60 dias, o rebanho tem que ser comprovadamente sadio, com vacas livres de brucelose e tuberculose e a queijaria tem de estar legalizada e seguir regras que garantem as boas práticas agropecuárias.
— O Selo Arte não substitui o selo de inspeção dos produtos de origem animal. Ele é um selo complementar que atesta o processo de fabricação artesanal e que habilita a microqueijaria registrada, seja no serviço de inspeção municipal ou estadual, ao comércio interestadual. Então, é um marco regulatório bem significativo. Gera desenvolvimento rural e uma série de benefícios sociais e também sanitários, sem dúvida nenhuma.
Para ela, a expectativa é que a nova certificação seja um incentivo para que os produtores façam a legalização dos negócios. Hoje, segundo a chefe da Divisão de Organização das Agroindústrias Familiares, apenas 10 queijarias estão regularizadas, apesar do Estado ter criado mecanismos para simplificar este processo, já sabendo que a maioria é de pequeno porte. De acordo com Maluza, elas produzem normalmente menos de 250 litros de leite por dia. Em média, uma peça de queijo precisa de 10 litros.
Desafios para a legalização
Trabalhando diretamente com esses produtores de queijo, a médica veterinária Lilian Varini Ceolin, extensionista da Emater em São Francisco de Paula, reconhece que existem desafios para o interesse pelo Selo Arte. Entre eles, o tempo de maturação do queijo:
— Para receber o Selo Arte o produtor tem que estar no sistema de inspeção. Então, muitos produtores acabam não entrando no sistema, porque não se enquadram nessa maturação de 60 dias e acabam vendendo informalmente para aqueles consumidores que preferem o queijo entre 15 e 20 dias de maturação — explica Lilian.
Outro ponto, diz ela, é que alguns produtores têm uma escala tão pequena de produção que acabam simplificando a estrutura do espaço, sem preocupar-se com as normas exigidas, como sala de recepção de leite, outra de produção e uma terceira de maturação.
SAIBA MAIS
Selo Arte
Regulamentado em portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em 2019, o Selo Arte garante que o produto é artesanal emprega mão de obra familiar e leva em conta o "saber fazer", a tradição e a geografia local.
O decreto federal autoriza que a certificação seja concedida automaticamente nos Estados onde existem leis específicas para produtos artesanais tradicionais regionais. No RS, é o caso unicamente do queijo artesanal serrano, que já tem lei estadual de 2016, decreto de regulamentação de 2018 e instrução normativa específica de 2014.
Os interessados em buscar informações sobre o Selo Arte podem entrar em contato com a Secretaria da Agricultura do Estado pelo e-mail agroindustria@agricultura.rs.gov.br e pelos telefones (51) 3218-3353 ou (51) 3218-3356. Também podem procurar secretarias municipais ou a Emater.
Queijo artesanal serrano
O queijo artesanal serrano tem coloração amarelada e é elaborado a partir de leite cru. O tempo de maturação de 60 dias faz com que perca a umidade e, por isso, tem sabor e cheiro acentuados, além de ficar mais firme.
Foi o primeiro queijo do Brasil a receber, em março de 2020, uma Indicação Geográfica (IG) na modalidade Denominação de Origem (DO). A IG atesta que a área em que é produzido possui especificidades relativas ao clima e ao solo únicas no Brasil, propiciando o desenvolvimento de uma vegetação campestre com características peculiares, e que processo produtivo desse queijo caracteriza-se por um "saber fazer" que está sendo transmitido de geração a geração por mais de dois séculos.
Receberam certificados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com o nome IG Campos de Cima da Serra 16 municípios do Rio Grande do Sul e 18 de Santa Catarina.