Em dezembro de 2004, Roberto Vilant perdeu a mãe. Filho único e já órfão de pai, ficou praticamente sozinho no mundo, aos 30 anos. Se não bastasse, na mesma época um problema na coluna, que viria a deixá-lo paraplégico, fez com que o farroupilhense passasse o ano seguinte inteiro em uma cama de hospital em Caxias do Sul.
- Eu havia recém-saído da UTI, ainda sob efeitos de medicação, quando, de repente, ouvi no corredor aquela buzina e um apito, alguém vestido de palhaço numa bicicletinha, outro com um bloquinho na mão, me aplicando uma multa por excesso de velocidade da minha cadeira de rodas. Foi ali que os Médicos do Sorriso entraram na minha vida e não saíram mais. Todos os dias eu esperava eles chegarem com aquela alegria e aquelas palhaçadas. Naquele momento em que eu havia perdido tudo e tanto fazia estar vivo ou morto, aquilo me devolveu a alegria de viver - recorda Vilant.
Três anos depois, em meados de 2007, a santa-mariense Mônica Zeni sofreu uma grave paralisia no sistema digestório, que fez os médicos optarem pela transferência para um hospital de Caxias, onde reside sua família. Mesmo com o tratamento mais adequado, o corpo não reagia ao tratamento e o estado de saúde de Mônica chegou a ser tido como praticamente irreversível. Foi então que os Médicos do Sorriso entraram em cena, com altas doses de carinho e cuidado.
- Todas as possibilidades terapêuticas, cirúrgicas, clínicas, já haviam se esgotado, mas meu corpo não voltava a funcionar. Os Médicos do Sorriso entraram no meu quarto com a única missão de tentar me alegrar, e conseguiram arrancar uma reação que em poucos dias me permitiu voltar a comer e iniciar uma recuperação. Quem já foi paciente e recebeu esse atendimento pode ser testemunha de que as brincadeiras despertam uma alegria quase infantil que existe dentro da gente, e que isso por si só tem um efeito poderoso - relembra a santa-mariense, que é fisioterapeuta e acupunturista.
Ao longo das últimas duas décadas, histórias como a de Roberto e de Mônica ilustram a importância do projeto social idealizado pelo ator caxiense Davi Souza. Neste ano comemorativo, chegou a vez de eternizar estas e outras memórias também em livro e documentário, que serão lançados na próxima segunda-feira, no Centro de Cultura Ordovás. “Uma Injeção de Alegria", o documentário, conta com a direção de Nivaldo Pereira e Daniel Herrera. Já o livro “Levando Alegria Desde 2004” é assinado por Fernando Bins, reunindo depoimentos de diversos pacientes que tiveram suas vidas tocadas pelos palhaços de jaleco.
- Ser um médico do sorriso é analisar o paciente não para procurar a doença, que já está sendo tratada por uma equipe responsável e qualificada. É para encontrar nele aquilo que ele tem de bom e resgatar junto com ele, através do riso. O remédio que a gente oferece é o sorriso - comenta Davi.
Fazer rir é coisa séria
Viabilizado pelo Ministério da Cultura, atualmente o projeto conta com cerca de 20 artistas, atuando em casas hospitalares de São Leopoldo, Horizontina e Montenegro, além de Caxias do Sul. Em Caxias, o atendimento ocorre no Hospital Geral, duas vezes por semana. Davi destaca que, mesmo com todo o amor que os artistas nutrem pelo projeto, uma das marcas dos Médicos do Sorriso sempre foi o profissionalismo:
- Não é um trabalho que se possa fazer como voluntário. Envolve comprometimento, envolvimento com a rotina e a logística do hospital, além de ser feito por artistas que vivem disto. Fora isso, a exigência emocional é enorme. Ao longo dos anos alguns artistas renomados dentro da palhaçaria, capazes de dominar um picadeiro diante de 300 ou 400 pessoas, tentaram trabalhar conosco, mas não permaneceram. São artistas que nos parabenizam por saber da dificuldade que é fazer sorrir alguém que está enfermo.
Na última quinta-feira, a reportagem acompanhou uma animada manhã de atendimento dos Médicos do Sorriso, naquele dia representados pelo ator Fabiano Xavier e pela atriz Carla Vanez. Junto do grupo estava outra ex-paciente que, assim como Roberto e Mônica, do início desta reportagem, permaneceu ligada aos artistas para além da internação. Bárbara Kuster, 27, lutou contra a leucemia desde a infância até os 16 anos. Nos momentos mais delicados, Davi e sua trupe a reanimaram e a fizeram querer seguir em frente. Hoje, Bárbara é a fotógrafa oficial do projeto em Caxias:
- Mesmo diante de toda a gravidade do meu caso, era incrível a leveza que eles traziam. Chegavam a se esconder no armário para dar susto na minha mãe quando ela entrava no quarto. Não tinha como ficar sério. Agora, trabalhando no projeto, posso dar essa contribuição também como alguém que adentra o quarto dos pacientes sabendo o que se passa no lugar mais íntimo de quem convive com uma doença, mas sendo eu mesma um exemplo do poder de cura que o riso tem.