No inverno de 1989, o jornalista, dramaturgo e escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (Santiago, 1948 - Porto Alegre, 1996) passou uma temporada em um sítio no interior de Gramado, propriedade do sogro de uma de suas irmãs, Márcia de Abreu. Foi só no ano passado, contudo, que a família descobriu um texto em que o escritor manifestava seu agradecimento pela estadia, ao mesmo tempo em que se dizia encantado pelo silêncio e pelo verde da paisagem da região (confira no final da matéria). Em abril deste ano, será a vez do município serrano retribuir o carinho, tendo Caio Fernando Abreu como homenageado no 2º FiliGram, o Festival Internacional Literário de Gramado.
O anúncio foi feito nesta segunda-feira, pela comunicação do evento que está marcado para ocorrer entre os dias 19 e 28 de abril, novamente no Lago Joaquina Rita Bier. O secretário municipal de Cultura, Ricardo Bertolucci, conta que o nome do vencedor de três prêmios Jabuti, por O Triângulo das Águas (1984), Os Dragões Não Conhecem o Paraíso (1989) e Ovelhas Negras (1995), já era ventilado entre possíveis homenageados, e que a notícia da descoberta do texto foi uma feliz coincidência, que contribuiu para sacramentar a escolha.
– Já havia esse indicativo de que o festival se uniria em torno do nome dele, mas a decisão é colegiada e não estava tomada. A sugestão do nome do Caio se deu pela sua potência e representatividade dentro da cultura e da literatura gaúcha, e da projeção que ele alcançou, sendo também uma figura com posicionamento, controvérsias, e que representa uma diversidade também muito importante. Quando, no ano passado, veio à tona a notícia do poema que ele escreveu conectado a Gramado, a gente não poderia ignorar este contexto – destaca o secretário.
A partir da escolha do homenageado, a organização trabalha na elaboração de ações que tragam o legado de Caio Fernando Abreu para o centro da programação do festival, que neste ano conta com a curadoria dos jornalistas Chris Fuscaldo e Roger Lerina.
– Queremos que todas as ações do evento sejam, de alguma forma, atravessadas pela obra do Caio. Trazer especialistas para painéis e debates, contar com a presença de familiares dele junto conosco, ter uma exposição artística inspirada na obra dele. Também já estamos conversando com a PUCRS, que detém a maior parte do acervo dele, para montar uma exposição com parte desta memorabilia – acrescenta Bertolucci.
Em sua primeira edição, realizada em 2022, o FiliGram teve como homenageado outro gaúcho, o escritor, poeta e professor Oliveira Silveira (1941-2009). Natural de Rosário do Sul, Oliveira foi um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra junto ao grupo Palmares nos anos 1970.
O POEMA
No meio do silêncio é
do verde, a presença
de Deus fica mais
clara. Essa luz ilumina
os porões da mente,
desfaz o mofo, espanta
os fantasmas. Com
cuidado, chamo a isso
de "felicidade": ela
pousa, muito leve, no
telhado desta casa.