Na família da caxiense Shaiane Grandi, a empresária é guardiã das memórias afetivas construídas nas relações entre pais, avós, filhos e netos. Nas paredes da sua casa ou na de familiares, fotos em quadros ou porta-retratos foram em sua maioria presentes dados por Shaiane como forma de compartilhar uma lembrança boa de viagem, de uma data comemorativa ou de qualquer momento especial por si só. Aliás, distinguir momentos especiais é parte do que explica sua preferência pelos registros palpáveis.
– A facilidade do celular faz com que a gente tire fotos de qualquer coisa e quando vê a galeria tem milhares de fotos que tu nem olhas. Por isso acho que a foto impressa tem esse lado de realçar uma recordação bonita que a gente queira destacar, seja num álbum ou num porta-retratos – diz.
Além do gesto de carinho, o gosto pela fotografia impressa traz para Shaiane, de 33 anos, algo de nostalgia que é um traço comum entre aqueles que não abrem mão de certos hábitos analógicos mesmo em meio à era digital. É como trazer para o presente acelerado um resquício de uma vida em que parecia haver mais tempo para a contemplação, inclusive de um álbum de fotos:
– Lembro de ser criança e meus pais terem diversos álbuns que eu adorava olhar. Hoje se perdeu um pouco esse hábito, mas quando tu presenteias alguém com uma foto ou um álbum, é possível perceber como as pessoas ainda gostam desse gesto. Também gosto de escrever atrás da foto a data e a ocasião em que ela foi tirada – conta.
Além de presentear, é claro que Shaiane não abre mão de ter em casa os álbuns fotográficos que materializam as memórias mais gostosas, como as da gestação, do nascimento e dos primeiros aniversários do filho Matteo, de 2 anos e cinco meses. A educadora conta que, mais até do que ela própria, é o menino quem adora olhar as próprias fotos e até mostrá-las para as visitas:
– Quase todos os dias ele vai no quartinho dele e pega um dos álbuns para olhar. Meu marido e eu tentamos estimular esse gosto, porque, especialmente para a criança, é muito importante despertar esse gosto para algo que vá tirar os seus olhos da tela.
Grávida do segundo filho, Enrico, Shaiane brinca que agora não terá escolha a não ser abrir espaço para mais álbuns e porta-retratos nas estantes:
– Não seria justo fazer todos os álbuns de um e não fazer do outro, né? Preciso manter a tradição (risos).
QUESTÃO DE AFETIVIDADE
Reconexão talvez seja a palavra que melhor resuma a paixão do caxiense Márcio Wildner, 47, pelos discos de vinil e pelos CDs. A coleção ocupa um cômodo exclusivo do apartamento em que o advogado tributarista vive com a esposa, Suélen, e os três gatos. Além de servir para armazenar o acervo, é ali que o casal gosta de passar horas escutando música, apreciando a arte visual contida em cada encarte e muitas vezes recordando histórias ligadas a cada álbum, como trilhas sonoras de bons momentos da vida
– Não sou contra as plataformas digitais, mas foi assim que eu cresci escutando música, decorando cada faixa dos meus álbuns preferidos. Voltar a eles é uma forma de manter o contato com quem eu era quando estava crescendo, ao mesmo tempo que é sobre manter os pés no chão nesse momento em que tudo é tão rápido e tão efêmero. Por ter 10 anos a mais que minha esposa, peguei muita coisa que ela não pegou, e tenho a sorte dela se interessar em conhecer – brinca Márcio.
Embora o acervo seja meticulosamente organizado, com os artistas separados por ordem alfabética e cada discografia exposta em ordem cronológica, Márcio não sabe dizer quantos discos e CDs compõem a coleção. A única vez que tentou contar parou em 6 mil CDs e 1,8 mil discos, mas isso já faz quatro anos. O advogado explica que há uma distinção entre colecionar e acumular:
– É uma questão de afetividade. Não compro o disco pra ter na estante. Escuto cada um e cada um conta uma história da minha vida. A coleção é uma parte dessa relação especial com a música. Às vezes me oferecem coleções inteiras de discos para comprar, mas não faz sentido adquirir só para fazer número.
Com gosto especial pelo rock ‘n’ roll, mesmo entre os milhares de álbuns, Márcio é rápido ao escolher alguns dos mais preciosos (e mais ainda para encontrá-los na estante). Separa Rattle and Hum, do U2 (o primeiro disco que comprou, em 1982); Axis: Bold As Love, do guitarrista Jimi Hendrix, seu herói da guitarra; Live After Death, um disco ao vivo do Iron Maiden, e um clássico do Deep Purple, Machine Head, também em vinil, pelo qual tem um apreço todo especial.
– Este aqui foi um presente do meu amigo e professor de guitarra Cristian Rigon (falecido em fevereiro deste ano). Deep Purple era a banda preferida dele – recorda.
Reunindo mais de três décadas de devoção à música, até mesmo o santuário particular do rock já está ficando pequeno para acomodar a coleção. Mas Márcio não deixa de comprar. E como cliente também prefere prestigiar o mundo físico ao virtual, priorizando lojas físicas como a Discoteka, de Caxias, e a Toca do Disco, de Porto Alegre. É uma maneira de valorizar, acima de tudo, aqueles que ajudaram a ampliar o seu conhecimento musical quando o acesso à informação era muito mais restrito:
– Digo que esses caras são heróis da resistência. Embora eu compre bastante pela internet, sempre pergunto primeiro se os donos das lojas conseguem para mim. Às vezes é mais caro, demora mais tempo para chegar, mas é uma valorização a quem não desistiu mesmo em meio a tantas dificuldades neste mercado.
CONFRARIA DOS GAMES
Em uma casa no entorno do Largo da Estação Férrea, no bairro São Pelegrino, todos os sábados um grupo de pessoas se diverte até quase amanhecer. Não estamos falando de uma balada, mas sim da turma de jogadores de card games que se reúne na loja Load or Cast, especializada em jogos de tabuleiro (board games) ou de cartas colecionáveis (card games), e que tem na franquia Magic a mais popular entre aficionados como Paulo Baretta, 40.
Colecionador, jogador e funcionário da loja, Paulo conta que as reuniões chegam a reunir quase 40 pessoas, tendo até jogadores que chegam de cidades vizinhas, como Flores da Cunha, Bento Gonçalves e Feliz. Além de Magic, outros jogos que fazem sucesso são Yu-Gi-Oh e Pokémon. Também há rodadas nas noites de quarta e sexta-feira, mas é aos sábados que os encontros se prolongam por mais tempo, começando à tarde, com a loja ainda aberta - já que há mesas que permitem aos clientes jogarem.
Em jogos como Magic, que se popularizaram a partir dos anos 1990, além de tentar derrotar o baralho do adversário, Paulo explica que parte do barato está nas negociações de cartas raras ou que dão mais poder.
Orbitando no universo nerd, a maior parte dos jogadores de card games ou dos board games tem alguma afinidade com videogames ou filmes de super-heróis, que podem ser a porta de entrada para o mundo dos jogos. Contudo, são também pessoas de diferentes faixas etárias, principalmente entre 20 e 50 anos, que agregam a esse gosto o prazer de estar junto, ao invés de curtirem seu hobby sozinhas.
– Tem um ou outro jogo de computador que gosto de jogar, mas que jogo sozinho. Prefiro os card games por causa da turma. É o que todos que vêm aqui têm em comum, porque a maioria desses jogos têm a sua versão virtual, e alguns inclusive jogam. Mas o que todos mais gostam é de ter esse momento de diversão entre amigos – conta Paulo.
FAMÍLIA QUE JOGA JUNTA
No auge da pandemia, quando o excesso de exposição às telas foi um dos principais problemas evidenciados por especialistas em infância e adolescência, a fisioterapeuta Eveline e o médico Daniel Panarotto puderam ficar tranquilo quanto a essa questão. Isso porque o menino Gianluca, 13, filho do casal, desde pequeno teve o gosto por jogos de tabuleiro, especialmente o ludo e o xadrez – esse uma paixão do pai, que disputa campeonatos e estuda o jogo com rigor quase acadêmico.
É verdade que, naqueles dias de confinamento, a família recorreu também aos quebra-cabeças e à montagem de brinquedos de sucata, novamente trazendo à tona reminiscências da infância dos pais, mas que o jovem se diverte tanto quanto.
– Desde que ele era pequeno nós sempre fizemos questão de estimular o Gianluca com jogos e livros, que ajudam a desenvolver o raciocínio. Com três anos ele já brincava com as peças do jogo de xadrez do pai, e, conforme foi crescendo, eles passaram a jogar juntos. A gente percebe que está contribuindo para criar uma mente boa e saudável – comenta a mãe.
No condomínio em que a família mora chegou a ser criado aum grupo de jogo de xadrez para estimular as crianças a terem um tempo de lazer desconectados. Mas são poucas as que frequentam, o que dificulta para que Gianluca tenha com quem jogar. Por isso os principais parceiros são o pai e um tio, irmão de Eveline que também fascinado por jogos:
– Tem alguns jogos que eu participo, como Banco Imobiliário e Perfil, mas deixo mais para eles. É um tempo de qualidade que a família passa junta, mesmo quando o Gianluca se irrita caso não esteja com sorte naquele dia – diverte-se Eveline.
O gosto que o menino demonstra desde cedo pelos jogos de tabuleiro, assim como por livros de aventura, já chegaram a preocupar a mãe. Contudo, após refletir junto com o marido, reconheceu que não havia nada errado:
– Às vezes me agoniava quando vinha algum amigo dele aqui e falava sobre jogos que ele não conhecia. Meu medo era de que ele pudesse se sentir excluído pelo fato dos amigos preferirem videogame, que o Gianluca até joga, mas não tanto. Mas era só uma impressão, porque para tudo existe o tempo certo. Hoje ele está na fase de gostar de Fifa (game de futebol), mas não passa de uma hora por dia.