Novembro de 2017. No voo que levava o quarteto Yangos a Las Vegas, para a cerimônia do Grammy Latino, premiação a qual os caxienses haviam sido indicados com o álbum Chamamé, Rafael Scopel não se distraiu com revista de bordo ou catálogo de filmes à disposição. O acordeonista aproveitou o tempo a bordo para abrir o notebook e desenvolver um projeto de automação, área da engenharia que desenvolve dispositivos mecânicos ou eletrônicos para otimizar processos operacionais. Ao retornar para o Brasil uma semana depois, mesmo sem o troféu em formato de vitrola, o trabalho feito quase que literalmente “na nuvem", já estava pronto para ser entregue ao cliente.
É conciliando duas vocações que Rafael, assim como outros personagens desta reportagem, se completam e se realizam. No caso do músico e engenheiro, que há cinco anos mantém a empresa Scope, tratam-se de duas áreas que não são assim tão distintas quanto possa parecer:
— Aprendi a tocar aos seis anos e sempre me interessei também pela parte da fabricação do instrumento. A música e a eletrônica têm a mesma linguagem, porque envolvem conhecimentos semelhantes de física, principalmente. Quando tinha 14 anos fiz o primeiro curso de eletrônica, e desde então segui a formação acadêmica na área de engenharia, mas sempre trilhando junto o caminho da música — comenta Scopel, que há três anos agregou à rotina uma terceira função, de pai do menino Pedro.
Embora a música tenha contribuído para despertar o interesse pela eletrônica, Rafael considera que a arte tem um componente único que o mundo da tecnologia não consegue imitar. O calor humano que a Yangos experimenta nas diversas turnês e viagens pelo mundo dão uma satisfação que nem o mais moderno robô criado num laboratório de engenharia será capaz de experimentar:
— A música traz a inspiração, a criatividade, essa parte de lidar com pessoas e de despertar a emoção delas. Nada disso ocorre no ambiente de trabalho da engenharia, que é focado num produto, num serviço. Mas se eu tivesse que escolher só uma entre as duas áreas, acho que seria uma pessoa infeliz. Para mim uma complementa a outra.
Ao transitar por círculos sociais distintos, Rafael brinca que, quando está entre engenheiros, costuma ser o mais descolado. Quando está entre músicos, porém, normalmente é o mais introvertido. O acordeonista conta ainda que a “rotina dupla” proporciona situações curiosas quase diariamente. Muitas delas são positivas, como ser reconhecido por um cliente que o assistiu ao vivo ou na televisão, e isso contribuir para estreitar os laços e fechar um negócio. Mas também já teve casos mais embaraçosos:
— Uma vez fui a uma empresa visitar um cliente, e o gestor começou a reclamar de um funcionário que era músico e que não tinha compromisso com o trabalho, que não cumpria os horários e chegava para trabalhar cansado. Expliquei pra ele que existem vários motivos que podem levar uma pessoa a não ter compromisso, que não tem nada a ver com a música. Era só um preconceito que ele tinha. Pode ser desde o cara que pratica um esporte, até um cara que não faz nada, mas chega no outro dia com bafo de cerveja. Só não falei que eu era músico também (risos). Mas dei o meu recado.
Dançarino a domicílio
— É como se fosse um personal trainer, só que de dança.
Assim Lázaro Corrêa, 35, resume o que faz um personal dancer, área que pretende ter como um carro-chefe entre suas três áreas de atuação atuais. O serviço, que já é comum em diversas capitais, ainda é inédito em Caxias do Sul. Mas já surge com uma alta demanda para o pelotense radicado em Caxias.
Lázaro trabalha em horário comercial como vendedor e de quinta a sábado como garçom no Bar do Luizinho, tradicional casa de samba e pagode da cidade. Mas foi como garçom em outra casa tradicional, a Chardonnay, que apareceu a oportunidade de ganhar a vida fazendo o que mais gosta, que é dançar.
— Uma cliente comentou que havia comprado ingressos para um jantar dançante, mas que o par dela havia “furado”. Ela me convidou e disse que pagaria o dobro do que a minha taxa como garçom, só queria uma companhia para dançar e se divertir. Eu fui e achei a experiência muito bacana. Foi a primeira vez que fui pago para dançar — conta o pelotense.
Ocorrida há cerca de 10 meses, a experiência o fez despertar para o nicho de dançarino particular. Conforme novas oportunidades foram surgindo, Lázaro percebeu que é possível alcançar uma renda maior; além da satisfação pessoal de proporcionar momentos de felicidade para outras pessoas, fazendo aquilo que ama.
— Percebi que a dança é como uma terapia. Algo que tem o poder de deixar as pessoas felizes, mas nem todas têm uma companhia para dançar. Tenho uma cliente que conseguiu sair de uma depressão profunda viajando para acompanhar a banda que ela é fã. Eu acompanho ela nos bailes que essa banda faz aqui na região e é muito emocionante ver a felicidade dela, assim como a de outras clientes que depois mandam áudio agradecendo pela experiência — relata.
À disposição para dançar desde bailes até festas de formatura, Lázaro conta que o serviço inclui desde buscar a cliente em casa até levá-la de volta, caso ela queira. Também pode ensinar um casal a dançar, sem necessariamente participar da dança. Se a parte boa é esta que já foi mencionada, de compartilhar com a parceira a alegria da dança, o lado negativo é o preconceito que ainda existe, fruto do desconhecimento:
— Tudo que é novo gera uma desconfiança. Algumas pessoas confundem com um serviço de acompanhante de luxo, perguntam se rola algo mais íntimo depois, mas não é isso. Por isso quero formalizar o serviço, criar um modelo de contrato com tudo detalhado, e quando for possível trazer outros instrutores para algum ritmo específico que a pessoa queira aprender.
Enquanto não se dedica apenas ao trabalho como dançarino particular, nas noites de samba e pagode no Bar do Luizinho Lázaro se diverte e diverte as clientes, puxando as mulheres para dançar como parte do trabalho que ajuda a fidelizar o público feminino da casa:
— Principalmente num bar onde o espaço não é tão grande, uma mulher que fica sentada sem ninguém tirar pra dançar pode se sentir excluída, pode não aproveitar a festa. Mas se você senta pra conversar e a convida pra dançar, ela ganha a noite e o bar ganha a cliente de vez.
Quem quiser conhecer mais sobre o trabalho do personal dancer Lázaro Correa, pode segui-lo no Instagram @lazarobcorrea.
Da metalurgia ao agro
Em fevereiro deste ano, Daiane Catuzzo foi madrinha de um casamento. O momento, que já seria emocionante por si só, se tornou ainda mais especial ao ver que a noiva segurava nas mãos um buquê de flores da Fina Flor, empresa de produção de flores de corte que a caxiense abriu no ano passado junto com a irmã, Daniela, em Vila Seca.
Daiane é diretora-executiva do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região, o Simecs. Embora a família tenha origem na produção de uvas e de kiwi, Daiane construiu sua trajetória distante do ambiente rural. Graduada em Administração de Empresas, trabalhou por seis anos no Sebrae e foi sócia numa empresa de consultoria, até ser contratada para o posto de gestão no sindicato patronal mais importante de Caxias. Mesmo realizada profissionalmente, sentia que algo ainda faltava. E encontrou a resposta no agro.
— Minha irmã e eu sempre guardamos com carinho a lembrança de brincar no jardim da nossa avó, que não deixava jogar bola perto das flores dela, e sempre tivemos esse mesmo carinho pelas plantas. A produção de flores veio como a realização desse sonho de retorno às origens da família no agronegócio, mas também como uma oportunidade de negócio. Esse é um setor ainda muito concentrado em São Paulo, mas que tem muito potencial na nossa região — explica Daiane, que também é mãe do menino Inácio, de 1 ano e nove meses.
Enquanto Daniela é quem comanda as estufas em Vila Seca, Daiane atua mais na parte comercial e de relacionamento com os clientes da Fina Flor, que são principalmente produtoras de eventos e floriculturas, que adquirem os girassóis, as bocas-de-leão e os lisianthus, principais espécies cultivadas pelas irmãs.
— Acho que se não fosse toda essa trajetória profissional e acadêmica que construí, estudando a relação das mulheres com o mercado de consumo, por exemplo, não teria o mesmo preparo que tenho hoje para montar a melhor estratégia de comercialização, por exemplo. Nosso pai sempre incentivou que a gente trabalhasse na propriedade, mas foi no tempo certo, como tinha de ser — reflete.