Foi no período de maior reclusão imposto pela pandemia que a poesia resolveu visitar a escritora Adriana Antunes. Desde o livro de estreia Temporário-permanente, de 2007, a doutora em Letras não lançava um volume de poemas, e lá se vão outras cinco obras publicadas em prosa desde então, entre contos, crônicas e teoria literária. Com o-Várias, que será lançado neste sábado, a caxiense não apenas volta a exercitar a verve poética, como explora um lado mais cru e desconhecido – talvez até dela mesma – de sua escrita.
Ao tratar de casos de abuso sexual ou da falta de intimidade das mulheres com o próprio corpo, os poemas de o-Vári(a)s também têm muito da autora em sua vocação jornalística, ao trazer para os versos denúncia social e pesquisas recentes que revelam dados alarmantes, como a de que mais de 30% das mulheres nunca tiveram prazer com uma relação sexual. Ou de que 70% das mães não conversam com suas filhas sobre prazer.
– É um número gigantesco de mulheres que nunca tiveram prazer com o próprio corpo. Que todo o conteúdo que receberam sobre sexo foi relacionado à culpa ou sobre os riscos de gravidez indesejada ou de DSTs. A gente precisa ter menos dedos para falar sobre isso. Acho que os dedos estão nos lugares errados – reflete a autora.
A inspiração para diversos poemas foram relatos que Adriana, como repórter e psicanalista que é, ouviu de mulheres no seu consultório de psicanálise, em saídas de sala de aula no centro universitário onde leciona, ou nos círculos de amizade. Escrever, muitas vezes, foi uma maneira encontrada de processar e elaborar os restos acumulados de cada conversa, como num processo psicanalítico.
– É muito difícil (conhecer) uma mulher que nunca tenha passado por uma situação de abuso, de assédio, de violência doméstica. Pode ser que ela nem tenha consciência, mas ela vive com isso. E cada relação, cada conversa, deixa um resto na gente. Escrever estes poemas foram uma forma de dar visibilidade, de dar nome a esses restos, e assim processá-los. Às vezes o resultado assusta, porque o verso, com sua capacidade de condensação, é muito potente – comenta Adriana.
Com prefácio da jornalista Paula Sperb e epílogo da escritora Ana Júlia Poletto, o-Vári(a)s chega ao público pela editora paraense Folheando. O lançamento, com sessão de autógrafos e microfone aberto para declamações ou performances poéticas, será na livraria Do Arco da Velha Livraria, a partir das 10h. O custo do livro, na livraria ou no site da editora é de R$ 39,90.
Dois poemas de "o-Vári(a)s"
Ô minha mãe
Cadê você?
Cadê você que não me acudiu?
Cadê você que não me ouviu,
Chorar?
Onde tu tava?
No tanque?
Na pia?
Fora de casa?
Enquanto o pau
do pai
me furava
tudo o que eu queria
era te ouvir chegar
/
Os grandes lábios contam histórias.
E nada no corpo de uma mulher
é mais debochado
Do que seus grandes lábios abertos.
Uma boca cheia de cabelos
virada para o solo,
aterrada no escuro,
Sem chance de ser vista.
Uma boca que grita.
Que geme.
Que discursa.
Uma boca sem dentes que mastiga,
beija,
amamenta,
E quando consegue,
ri.
PROGRAME-SE
O quê: lançamento de "o-Vári(a)s", de Adriana Antunes
Quando: amanhã, das 10h às 13h.
Onde: Do Arco da Velha Livraria e Café (Rua Dr. Montaury, 1570)
Quanto: R$ 40 (na livraria ou no site da editora)