“Pegue a energia, põe para funcionar, aguarde e assista tua hora chegar”. O trecho do single Bota Fé, da drag canelense Grag Queen parece um prelúdio para o desfecho vivenciado por ela no finalzinho de 2021. Grag – persona criada por Gregory Mohd, 26 anos – venceu a competição Queen of the Universe, primeiro reality de canto com drag queens do mundo todo. O programa, gravado em Londres, leva a chancela da World of Wonder, empresa que tem em seu portfólio o fenômeno global RuPaul’s Drag Race. O episódio final, com a consagração da artista gaúcha, será disponibilizado pela plataforma Paramount+ nesta quinta (13).
Atualmente em São Paulo, Grag conversou com o Pioneiro via chamada de vídeo. Ela falou sobre representatividade, sobre planos e sobre sua trajetória, na qual Canela tem suma importância.
Confira:
Pioneiro: Qual sua relação atual com Canela?
Grag Queen: Lá é meu CEP. Minha mãe, meu pai, minha irmã com o marido dela, todos moram lá. Eu sempre fui cria de Canela, cantei nos espetáculos do Sonho de Natal, trabalhei para a D’Arte, que é uma empresa incrível da cidade. Eu amo Canela, sempre fui muito canelenese, sou apaixonada por essa cidade.
Como se descobriu cantora?
Com a música, sempre tive meu pai, ele é cantor e guitarrista. Ele não para quieto, seja assoviando, seja batucando. Ele olha para ti e vem com uma música para você completar. Minha irmã também é muito musical, só minha mãe que não é muito (risos), ela tem outros dons. E a gente aprendeu também muito na igreja. Cantar no domingo na igreja, por mais que tenha sido uma experiência extremamente caótica para a minha existência, a parte da referência musical e das oportunidades para a gente poder se desenvolver artista num lugar seguro, a igreja proveu sim.
Começou ainda criança?
É, mas eu cantava mal, não fui como aquelas crianças prodígios que nasceram cantando não. Tanto que meu pai falava: “esquece esse negócio porque tu é todo semitonado, tu não vai conseguir cantar”. E eu dizia: “então vamos ver”. Eu fui atrás, fazia cursos no YouTube e, devido a muita prática, consegui cantar bem a ponto de vencer um concurso global. Hoje todos estão muito orgulhosos.
Como a Grag Queen surgiu?
Eu comecei a fazer drag por acidente, sempre falo. Porque eu e um amigo nos reunimos uma vez querendo fazer uma homenagem às drags do Brasil e decidimos nos montar de drag. Chamamos um amigo maquiador profissional e ele deixou a gente linda. Gravamos um vídeo que estourou na internet. Eu disse pro meu amigo: “bom, acho que a gente é drag agora (risos)”. Eu não sabia passar rímel, não sabia fazer nada. Mas aí foi que eu comecei a entender e hoje tenho a completa noção de que drag é simplesmente a junção das coisas mais incríveis que eu sei fazer em uma arte só, consigo expressar minha arte de todas as formas. Devolvi ao Gregory, que é o menino que está por baixo de tudo isso daqui, autoestima e a possibilidade de se olhar no espelho e se sentir linda, depois de uma vida inteira de pessoas te dizendo que tu é errado, quebrado, que tem que consertar. Então, a drag me trouxe muita liberdade artística e existencial.
Como rolou a tua participação no Queen of the Universe?
Eu fui para lá e literalmente joguei para o universo. Uma empresa de casting convidou para que eu me inscrevesse, mas estava no meio de uma pandemia, o presidente não agilizava a vacina, não tinha passaporte, as fronteiras estavam fechadas. Imagina chegar em Londres ali por setembro? Impossível. Daí o universo interveio, eles gostaram de mim nas entrevistas, a vacina veio, o passaporte saiu rápido e em cerca de um mês eu tava lá com tudo pronto.
Como você avalia a importância dos realities, como "RuPaul’s Drag Race" e o próprio "Queen of the Universe", na projeção das drags?
Traz muita representatividade. Eu tô entrando montada na casa de um monte de família, tu tem noção disso? E é tão legal entrar de uma forma tão pura, com arte, com meu canto, com a beleza da minha estética. É ajudar as pessoas entenderem que o que a gente quer é simplesmente ser respeitado e expressar nossa arte, nosso amor, nossa felicidade.
O que acha que te fez ganhar o reality?
Acho que foi essa energia brasileira que só a gente tem. Eles falaram do sorriso, do carisma, do jeito de se portar, de conversar com as pessoas. Mas a gente sabe que isso é do brasileiro, que é sobrevivente, que vive um dia de cada vez, não tem perrengue. Eu tava em Londres, feliz, mostrando meu talento para o mundo, por que iria virar meu olho ou reclamar das coisas? Eu amava, chegava e era festa, era só reggae.
A gente vê o Brasil abraçando muito a arte drag, temos muitas personalidades se destacando na TV, sendo vistas. Ao mesmo tempo, somos um dos países que mais mata sua população LGBT+. Você acredita que essa visibilidade crescente das artistas drags pode ajudar a mudar esse cenário assustador?
Tenho completa certeza, acho que é muito uma questão de representatividade e empoderamento. Porque a partir do momento que eu vejo uma Pabllo Vitar e uma Gloria Groove na TV, eu me sinto empoderado, por mais que eu não cante ou não seja drag, tem uma das minhas que estão ali, que subiram. Nada mais justo para um povo que foi muito oprimido do que se tornar empoderado. A partir da hora que a gente se empodera, e entende que somos os maiores e ninguém tira isso da gente... tudo muda. Claro que ainda existe muitos crimes violentos, muitas pessoas são assassinadas brutalmente no Brasil e ninguém fala sobre isso, então, sim, isso tem que mudar muito, mas amo fazer parte da representatividade que leva o nosso povo também a se empoderar mais e não se prender dentro de caixa nenhuma, porque nós somos lindos e perfeitos.
Algum sonho especial para realizar com o prêmio de U$ 250 mil?
Meu sonho é uma peruca até a bunda, quero uma de cada cor (risos). Mas, com certeza, é dar uma vida melhor para a minha família, mais segurança, saúde de qualidade, ir no mercado e comprar o que quiser, ainda mais aí, que as coisas estão caras para caramba que eu sei. Então, dá muito alívio saber que vou poder proporcionar alguma coisa para os meus pais depois de tudo que eles me proporcionaram.