Nel mezzo del camin di nostra vita. Na tradução de José Clemente Pozenato, “No meio do caminho desta vida” (respeitando o decassílabo), é o primeiro verso que vem à mente do octogenário escritor caxiense ao pensar n’A Divina Comédia, obra-prima de Dante Alighieri (1265-1321). Na próxima segunda-feira, 13, completam-se 700 anos da morte do poeta italiano, cujo nome é indissociável da experiência de ser caxiense ou viver em Caxias do Sul.
Afinal, no meio do caminho da vida de cada caxiense, o busto de Dante instalado na praça que leva seu nome no coração da cidade, testemunha o cotidiano de Caxias do Sul desde 1914. E desde 2015, o Dante esculpido em bronze por Eugenio Belloto, na Itália, ganhou a companhia da musa do poeta, Beatrice Portinari, em escultura da forquetense Dilva Annuncia Conte. Beatrice, a quem o poeta conheceu quando ambos tinham 9 anos, foi a musa inspiradora de Dante, embora ambos jamais tenham se relacionado.
Entre as ações que homenageiam Dante pelo 700º aniversário da sua morte em Ravenna, cidade onde viveu no exílio imposto pelas autoridades de Florença, estão uma nova edição de Inferno, primeiro tomo de A Divina Comédia, com tradução de Pozenato. Publicado originalmente em dialeto florentino, o poema épico é uma das principais obras da literatura mundial, como atesta o tradutor:
– A poesia de Dante é um marco universal. Sua “Divina Comédia” está traduzida em quase todas as línguas do planeta, de norte a sul, do oriente ao ocidente. Dante Alighieri é da mesma estirpe de Homero, poeta grego, nascido em 898 A.C. e de Virgílio, poeta latino, nascido em 70 A.C. Os dois continuam sendo lidos e estudados. E não por acaso Dante narra uma cena em que os três se encontraram antes da entrada do Inferno!
Fora os méritos literários, A Divina Comédia confere ao florentino o reconhecimento como “pai” do idioma italiano, uma vez que sua obra passa a consolidar uma língua até então dividida em diversos dialetos regionais, sendo que o latim ainda era o idioma mais utilizado pelos letrados. Pozenato aponta a importância de se compreender que Dante não se interessava pela linguagem rebuscada. Pelo contrário, era um poeta que se interessava em ser direto e acessível:
– Dante usa o que na época se chamava de “língua vulgar”: há um tom de fala ao longo de toda a Divina Comédia, inclusive com expressões populares. E Dante usa também palavras consideradas obscenas, que os tradutores evitam. Não vou dar exemplos: o leitor pode encontrá-las na minha tradução do “Inferno”.
Pozenato também pontua que a escrita de Dante é muito visual, algo que o caxiense procurou respeitar em sua tradução, recorrendo, inclusive, à própria experiência que teve com a adaptação para o cinema da sua obra mais conhecida, O Quatrilho:
– O poema segue um fluxo narrativo muito próximo da narrativa visual que, na época, só existia no teatro, e hoje se popularizou com o cinema. O fato de eu ter convivido com a produção cinematográfica certamente contribuiu para que eu não descuidasse dos apelos à imaginação visual, que, inclusive, levaram o pintor Sandro Botticelli (1445-1510) a desenhar todo o percurso da “Divina Comédia”.
A PAIXÃO DE DANTE
Além da tradução, Pozenato contribui com um musical que será lançado na próxima terça-feira, em Porto Alegre e na internet. A Paixão de Dante terá três apresentações no Theatro São Pedro (14, 17 e 18), sendo que a estreia terá transmissão ao vivo pelo site www.apaixaodedante.com. O autor de O Quatrilho foi o responsável pela seleção dos textos a serem musicados pelo compositor e arranjador porto-alegrense Vagner Cunha, também diretor musical do espetáculo que reúne coro, solistas e orquestra. Ambos foram convidados pela Bell’Anima Produções, responsável tanto pelo musical quanto pelo lançamento da nova edição de A Divina Comédia.
– A intenção do espetáculo é a de usar Dante e sua obra como ponto de partida para recuperar ideais que eram caros para ele, como o humanismo que valoriza a arte e a tolerância. Queremos tocar as pessoas, estimular nelas a empatia pela arte e pela sala de concerto – destaca Vagner Cunha, que é vencedor de cinco prêmios Açorianos.
Programe-se
O quê: concerto “A Paixão de Dante”, de Vagner Cunha, com seleção de textos de José Clemente Pozenato. Composição para coro, solistas e orquestra.
Quando: Estreia terça-feira (14), às 20h, no Theatro São Pedro. Transmissão ao vivo no site www.apaixaodedante.com (duração: 150 minutos)
Dias 17 e 18 de setembro, sexta e sábado, às 20h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, Centro Histórico, Porto Alegre/RS)
Quanto:
Transmissão online (somente no dia 14 de setembro): R$ 33,00.
Presencial (nos dias 14, 17 e 18 de setembro)
Galerias: R$ 40,00 inteiro | R$ 20,00 meia-entrada
Camarote lateral: R$ 60,00 inteiro | R$ 30,00 meia-entrada
Camarote central: R$ 90,00 inteiro | R$ 45,00 meia-entrada
Plateia: R$ 160,00 inteiro | R$ 80,00 meia-entrada
Todas as modalidades à venda pela plataforma Sympla.
Compromisso com o poeta e com a História
Dante Alighieri e A Divina Comédia são desses casos de autor e obra que se tornam indissociáveis, como o Dom Quixote de Miguel e Cervantes ou Michel de Montaigne e seus Ensaios. Mesmo a obra de Dante traz como personagens figuras que ajudam a contar sua vida pessoal, como o Papa Bonifácio VIII, principal articulador de sua expulsão de Florença pela postura crítica do poeta à intromissão da Igreja para além da vida religiosa das pessoas. No caso, a política.
– O mundo muda, mas o ser humano continua o mesmo – brinca o jornalista e professor aposentado de filosofia da UCS Décio Osmar Bombassaro, que na próxima segunda-feira irá ministrar uma palestra sobre Dante Alighieri na Galeria de Arte Gerd Bornheim (confira o serviço no quadro).
Não é por acaso, portanto, que Dante envia o pontífice ao Inferno em sua Divina Comédia, junto a outras figuras de quem se ressentia no exílio. Beatrice, por outro lado, é a personagem que o conduz ao Paraíso, no volume que fecha sua grande obra.
Para Bombassaro, que caracteriza Dante como um “humanista acima de tudo”, a figura do poeta italiano transcende as letras. Para conhecê-lo, porém, é preciso lê-lo.
– A obra de Dante é destas que se tornam clássicas porque nela se concentra um pouco de tudo: tem linguagem, tem cultura, tem religião, tem história, tem política, tem filosofia. Sua produção, assim como a de Petrarca e Bocaccio (que acrescenta “Divina” ao título original, que era apenas “Comédia”) ajuda a preparar o terreno para o Renascimento – destaca.
Bombassaro, que mantém em sua biblioteca três edições de A Divina Comédia, uma delas em italiano, ressalta a importância das colônias italianas, em especial Caxias do Sul, celebrar Dante Alighieri:
– Nós temos um compromisso cultural com a cultura dos nossos antepassados italianos: os escultores, os pintores, os literatos, os filósofos. Isso de forma alguma tem a ver com abandonar a nossa própria cultura brasileira e a de outros povos que contribuem para a nossa formação e nossa diversidade. Caxias agrega tudo: o campo, a colônia, a indústria, o comércio, os serviços. E nós temos um compromisso em particular com essa figura, porque ela está na nossa praça. Reverenciá-lo, assim como a outros grandes nomes, revigora a nossa cultura.
José Clemente Pozenato, lembrando que a Praça Dante Alighieri teve seu nome alterado para Praça Rui Barbosa em 1942, durante a onda nacionalista (o nome original só voltou em 1990), também avalia que o poeta italiano deva ser mais difundido, a fim de perenizar sua memória na cidade que o reverencia.
– Concordo com a ideia de que se promovam ações que mostrem ao povo que Dante Alighieri é mais do que um nome de praça. Por sinal, quando seu nome foi arrancado da praça central, por razões ideológicas, mais que políticas, um órgão de imprensa de Porto Alegre protestou, com o argumento de que Dante Alighieri não era um poeta italiano, mas um poeta universal.
Programe-se
O quê: palestra alusiva aos 700 anos da morte do poeta Dante Alighieri, com Décio Osmar Bombassaro
Quando: segunda-feira (13), às 19h
Onde: Galeria Municipal de Arte Gerd Bornheim, na Casa da Cultura
A praça e o monumento*
De acordo com texto do jornalista Duminiense Paranhos Antunes, organizador do Documentário Histórico do Município de Caxias do Sul ( 1875-1950), até o início dos anos 1910, o acidentado terreno da praça ainda não possuía um nome específico. O batismo oficial foi sugerido pelo então intendente municipal José Penna de Moraes - espécie de homenagem aos pioneiros colonizadores italianos.
Logo após a nominação, o médico Vicente Bornancini, representando a crescente população, sugeriu erigir um monumento com a efígie do autor de A Divina Comédia. Surgia aí um dos maiores símbolos da área central.
Executado na Itália pelo escultor Eugenio Belloto, então professor de anatomia artística da real Academia de Belas Artes de Veneza, o busto em bronze mede 3,7 metros. Uma base cúbica de mármore róseo está assentada sobre a coluna em pedra, adornada ainda por quatro águias, uma em cada face. E, em relevo, as inscrições “1321-1921, I caxiensi per onorari L’Altissimo Poeta”.
(Rodrigo Lopes, jornalista, responsável pela coluna Memória, do Pioneiro).